Os seres humanos nascem com uma necessidade inata de segurança, proteção e estabilidade. Estes são três pilares fundamentais para o bem-estar que tem vindo a ser roubados, ao longo das últimas semanas, pela guerra.
Para a maioria dos adultos, os cenários de guerra transmitidos pelos media são assustadores e estranhos, perturbando diariamente o seu bem-estar. Por sua vez, imagens de pessoas feridas e casas destruídas podem ser aterrorizantes para as crianças, provocando uma enorme ansiedade, medo, confusão e tristeza, associadas a questões como “será que os meus pais estão em perigo?”, “a guerra vai chegar aqui?” ou “eu vou morrer?”.
Os principais sintomas representativos da ansiedade das crianças são, por exemplo, as alterações no sono (dificuldades em adormecer, pesadelos, pedir para dormir com os pais), no comportamento (baixa tolerância à frustração, birras, maior dependência dos pais) e na capacidade de atenção e concentração.
Ainda que a maior preocupação dos pais seja o bem-estar dos filhos, particularmente a sensação de segurança e proteção, o receio de dialogar sobre a guerra e aumentar o medo dos menores facilita que os adultos fujam a esta importante conversa.
Contudo, a ausência de diálogo e informação é mais assustadora do que a verdade, até porque as crianças absorvem toda a informação à sua volta: as conversas dos adultos, a informação dos media e as partilhas dos colegas na escola. Pensamentos como “a guerra da televisão vai chegar à minha escola” ou “a minha mãe não me quer dizer que vamos todos morrer”, tornam-se possíveis perante o vazio de informação e o mistério que assusta as crianças.
Neste sentido, é importante que possa dialogar com os seus filhos sobre a guerra. Naturalmente que a linguagem deve ser adequada à idade, maturidade emocional e características do funcionamento e personalidade da criança. Deixamos alguns princípios orientadores que podem ser úteis ao diálogo, nomeadamente:
- Questionar a criança acerca do que esta já sabe sobre a guerra, com recurso a perguntas abertas como “o que sabes sobre a guerra que está a acontecer?”. Enquanto esta responde, solicitar que partilhe aquilo que esta sente e pensa. Tome-se como exemplo questionar “quando ouviste isso na escola, o que sentiste?”, “estás preocupado?”. Esta é uma forma de a criança expressar as suas emoções, medos e preocupações (o que faz com que esta se sinta menos ansiosa), enquanto o adulto tem acesso ao conhecimento do menor e consegue estruturar de forma mais rigorosa o seu diálogo e explicações importantes.
- Normalize as respostas da criança, ou seja, refira que é normal sentir medo e preocupação. Por exemplo, referir “a mãe também está preocupada, mas estamos seguros aqui em casa” ou “não sabemos quando a guerra vai terminar, mas sabemos que terá um fim e também sabemos como ajudar as pessoas que vemos em perigo na televisão”. Este tipo de discurso transmite segurança e tranquilidade, reduzindo a ansiedade das crianças.
- Não desvalorize o que a criança sente. É importante não recorrer a frases feitas como “não te preocupes” ou “não vale a pena pensares sobre isso”. Como mencionado anteriormente, é importante partilhar que os adultos também estão tristes e preocupados, mas, ao fazê-lo, foque-se na partilha de estratégias. Inclusivamente, pode ajudar a criança a fazer uma lista das tarefas e atividades, individuais ou em família, que a fariam sentir mais calma.
- Reforçar à criança que é importante fazer todas as questões. Quando não souber o que responder, use frases como “não sei o que responder, mas vou pesquisar sobre isso”. Sinta-se preparado para que a criança faça as mesmas questões repetidamente, às quais deve responder de forma calma e consistente.
- Dado o período de fragilidade emocional, é importante que existam momentos de afeto, carinho e atividades familiares, enquanto é mantida a rotina e a normalidade familiar.
- Não minimize a gravidade da guerra, mas também não sobrecarregue a criança com informação desnecessária (ou seja, informação que a criança não compreende e/ou que é demasiado violenta). No caso das crianças mais velhas, a abordagem pode passar por ler ou assistir, por um tempo limitado, às notícias em conjunto, o que permite responder no imediato a perguntas e desconstruir ideias erradas. No caso das crianças mais novas, pode ser importante restringir o acesso aos media, evitando que sejam expostas a imagens e informação perturbadora.
- Promover a empatia, a compaixão e a solidariedade, evitando estereotipar grupos de pessoas pela nacionalidade ou cultura. Por exemplo, se o seu filho aprender que os “russos são maus”, a interação com as crianças na escola com origens russas pode ser fragilizada e dar origem a situações de conflito e medo. Inclusivamente, o diálogo sobre a guerra pode ser um momento de reflexão e promoção da solidariedade e da necessidade de ajudar as pessoas que nos rodeiam (por exemplo, permitir que a criança auxilie na doação de alimentos ou roupa para que esta sinta que tem um papel ativo no ato de ajudar e cuidar do outro).
As sugestões anteriores são meras linhas orientadoras a ter em consideração, mas cada criança é única, assim como o que cada criança sente. A iniciativa dos pais em dialogar demonstra que estão disponíveis e, quando se sentirem preparadas, as crianças podem recorrer aos cuidadores. Ainda assim, pode ser importante os adultos sugerirem que a criança pode desenhar, brincar ou contar uma história sobre o que pensam sobre a guerra.
Particularmente no que remete para as crianças mais novas, com um menor entendimento acerca do que as rodeia, podem não reagir ao que é a guerra, mas reagem às mudanças que sentem no comportamento dos pais. Desta forma, é também importante que os adultos recorram a estratégias para gerir a ansiedade vivida nos tempos atuais.
Tomem-se como exemplos de estratégias para os adultos:
- Recorra à sua rede de amigos e família: partilhar as emoções, preocupações e medos com as pessoas mais próximas permite sentir algum alívio, reduzir o medo e aumentar a sensação de segurança e proteção.
- Foque-se naquilo que pode controlar e mudar: não pode terminar a guerra, mas pode praticar atos de solidariedade, reduzindo sentimentos de impotência e tristeza que dificultam o seu bem-estar.
- Reforce a sua rotina de auto-cuidado: inclua novos momentos e rituais de bem-estar ao seu dia (por exemplo, correr, caminhar, ouvir música, cozinhar, ver um filme, ler, meditar).
- Faça uma gestão do acesso e do tempo em contacto com os média: controle o tempo dedicado a ler notícias e em contacto com imagens violentas e traumáticas. É importante estar informado, mas evite a sobreposição e recorra somente a fontes seguras, verdadeiras fidedignas de informação. Por exemplo, pode ser importante reservar um determinado tempo do seu dia para a pesquiza de informação, desligando-se totalmente da mesma no resto do tempo.
- Liberte-se de pensamentos como “eu sou fraco”: é natural sentir medo, preocupação e tristeza e isso faz de si humano e não, em momento algum, fraco. Permita-se estar em contacto com as suas emoções e pensamentos e reflita sobre a origem das suas preocupações.
Se sentir que a ansiedade está a limitar o bem-estar dos mais novos e/ou a sua capacidade de cuidar de si mesmo e dos que o rodeiam, recorra a ajuda psicológica. Não está sozinho(a).
As explicações são de Sofia Gabriel e Mauro Paulino, da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.
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