Como superar bloqueios internos, alinhar decisões com objetivos pessoais e desenvolver uma mentalidade mais consciente? Estas são algumas das questões centrais de Desperte o seu Propósito (Oficina do Livro), livro da neuropsicóloga Ana Barragão que apresenta um método para transformar padrões limitadores em caminhos de crescimento pessoal.

Com base em princípios da neurociência e da psicologia aplicada, a autora propõe um percurso acessível, composto por ferramentas práticas e orientações que podem ser integradas na vida quotidiana. O propósito é claro: “tomar consciência dos padrões internos, agir com intenção e construir, com consistência, uma vida mais alinhada com aquilo que se é — e não apenas com o que se espera ser”.

No cerne da obra está a ideia de que não basta compreender os bloqueios emocionais — é preciso agir sobre eles. O livro guia o leitor por etapas como a gestão de expectativas, a clareza de planeamento e a reconfiguração da perceção de identidade, numa lógica de aplicação prática e imediata.

Ana Barragão tem formação em neuropsicologia, hipnoterapia e psicologia do desporto. Trabalha há mais de duas décadas com atletas, líderes e equipas, focando-se no desbloqueio de barreiras mentais e emocionais. Criou um método próprio, que ensina na academia que fundou, e que agora estrutura neste livro.

Nesta entrevista, reflete sobre o que significa viver de forma presente e consciente, o impacto das crenças limitadoras e o papel dos sonhos no nosso desenvolvimento. Fala ainda daquilo a que chama “Nova Era”, e partilha o seu próprio processo de despertar — uma jornada pessoal que esteve na origem da escrita do livro.

A abrir o livro refere que entramos numa “Nova Era”. Escreve-o com maiúsculas, o que nos leva a entender que pretende enfatizar esta “porta” que se abre. A que “Nova Era” se refere?

Vivemos tempos de profunda transição. A Nova Era a que me refiro é uma mudança de consciência coletiva. É urgente que percebamos a necessidade de sermos um por todos e todos por um. Durante demasiado tempo, vivemos focados apenas na matéria, no fazer constante, no rendimento imediato. Hoje, começamos a compreender que somos mais do que isso — somos consciência, somos energia, somos seres espirituais a viver uma experiência humana. Esta Nova Era é uma oportunidade de voltarmos a integrar, de curar, de despertar para o que é essencial: viver com sentido, com presença e com verdade. Num sentido mais prático, quando perguntamos a alguém: - Tudo bem? Que na realidade queiramos saber como o outro está de verdade. Que nos interessemos de facto pelos outros. Que sejamos verdadeiramente humanos.

Também nos deixa uma frase perturbadora: “muitos são os que sobrevivem e poucos os que realmente vivem”. O que nos está a faltar para, realmente, vivermos?

Está-nos a faltar presença. Está-nos a faltar coragem para sermos quem realmente somos. Vivemos muitas vezes em piloto automático, a cumprir expectativas, a obedecer a padrões que nem sequer questionamos.

“Acho bonita a ideia de que podemos sempre refazer-nos, com mais ou menos estilhaços” – escritora Lénia Rufino
“Acho bonita a ideia de que podemos sempre refazer-nos, com mais ou menos estilhaços” – escritora Lénia Rufino
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Para vivermos de verdade, é preciso parar, escutar, ressignificar o passado e abrir espaço para novos significados. É preciso sonhar, sim — mas também agir com consciência, em alinhamento com os nossos valores mais profundos. Está-nos a faltar sermos mais essência. Sermos de verdade, connosco e com os que nos rodeiam.

É urgente que percebamos a necessidade de sermos um por todos e todos por um. Durante demasiado tempo, vivemos focados apenas na matéria, no fazer constante.

No livro também se expõe. Fala-nos do seu despertar. Quer, aqui, partilhar essa viagem e de que forma impulsionou a escrita deste livro?

Claro. O meu despertar foi feito de silêncios, de rupturas e de reencontros comigo mesma. Foi um processo doloroso, mas profundamente libertador. A dado momento, percebi que estava a viver para cumprir papéis — e não para ser inteira. O corpo começou a dar sinais, a mente entrou em exaustão e a alma: consciência pedia escuta. A escrita deste livro nasce desse processo íntimo, da urgência de partilhar ferramentas que ajudem outros a não adormecerem dentro da própria vida. Quis escrever um livro que fosse útil, direto, transformador — e sobretudo, humano.

Dá grande destaque à ligação entre mente, corpo e alma. Acredita que conseguimos já equilibrar verdadeiramente estas três dimensões — ou vivemos num disfarce de bem-estar?

Na realidade não falo por essa ordem e sim: mente, alma/consciência e corpo. Porque somos primeiramente um cérebro que emite e transmite informações a toda a hora. Depois somos uma alma/consciência que precisa analisar e filtrar o que pensamos, caso contrário o corpo acumula/soma/somatiza e adoecemos. Vivemos muitas vezes, numa ilusão de equilíbrio. Dizemos que estamos bem porque temos um bom trabalho, uma boa casa, uma rotina funcional. Mas quantas vezes paramos para perguntar: Estou feliz? Estou inteiro(a)? O verdadeiro equilíbrio não é estático, é dinâmico. Requer escuta constante, coerência interna e a coragem de ajustar o que está desalinhado. Quando cuidamos da mente, da alma e do corpo em conjunto, começamos a viver de forma mais autêntica, mais leve e mais significativa.

Quando cuidamos da mente, da alma e do corpo em conjunto, começamos a viver de forma mais autêntica, mais leve e mais significativa.

A consciência (alma) é tratada aqui como uma ferramenta ativa, não abstrata. O que significa “desenvolver uma nova consciência” na prática concreta do quotidiano?

Significa estar acordado para as escolhas. Estarmos atentos à voz interna/à consciência. Significa não reagir por impulso, mas agir com intenção. É observar os nossos padrões, as nossas crenças, as nossas emoções — e perguntar: Isto é mesmo meu? Serve-me? Ou posso fazer diferente? Desenvolver uma nova consciência é escolher todos os dias ser mais livre, mais íntegro, mais inteiro. Não é perfeição; é melhoria diária. É presença, é evolução.

desperte o seu propósito
desperte o seu propósito créditos: Oficina do Livro

Uma das ideias centrais que nos deixa é a transformação de bloqueios em forças. Pode dar-nos um exemplo real — mesmo que genérico — de como isso se manifesta na prática?

Claro. Pensemos numa pessoa que foi rejeitada na infância. Esse sentimento pode cristalizar-se numa crença como “não sou suficiente”, levando-a a evitar relações profundas ou a sabotar oportunidades. No entanto, quando esse bloqueio é trabalhado — com acompanhamento, autorreflexão e técnicas como a PNL — pode transformar-se numa força: a pessoa torna-se mais empática, aprende a pôr limites a ela e aos outros, ganha confiança. O que antes era dor, torna-se aprendizagem e depois sabedoria. Essa é a verdadeira alquimia da alma/consciência.

Os sonhos conectam-nos à nossa essência. São a linguagem da alma. Quando sonhamos, voltamos a acreditar, voltamos a criar.

O seu livro é também um convite a sonhar. O que têm os sonhos — no sentido mais profundo — que nos ajudam a evoluir?

Os sonhos conectam-nos à nossa essência. São a linguagem da alma. Quando sonhamos, voltamos a acreditar, voltamos a criar.

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Um sonho é uma visão de futuro, uma âncora de esperança, um impulso de transformação. São os sonhos que nos movem, que nos desafiam a crescer, que nos fazem levantar quando tudo parece ruir. Sonhar é um ato revolucionário. E é também um ato de amor por nós mesmos. Pensemos na vida daquelas pessoas que não sonham? De que serve a vida sem sonhos, sem propósito?

Fala de “crenças limitantes” como barreiras silenciosas. Como as reconhecemos quando muitas vezes são confundidas com traços de personalidade ou prudência?

Essa é uma das maiores armadilhas do ego. As crenças limitadoras são muitas vezes normalizadas com frases como: “Eu sou assim mesmo”, “Não sou capaz”, “É melhor não arriscar”. Para as reconhecermos, é preciso observar quando repetimos padrões que nos afastam do que queremos. Se sentimos frustração, medo recorrente ou estagnação, há provavelmente uma crença por detrás. A chave é questionar: Isto é verdade? De onde veio esta ideia? Está a ajudar-me ou a prender-me? Esse exercício já é um primeiro passo para a libertação.

Na sua experiência clínica, que tipo de transformações mais a surpreendem: as subtis ou as disruptivas? E qual delas este livro mais estimula?

Ambas são poderosas. As transformações subtis são como raízes: silenciosas, mas estruturais. As disruptivas são como tempestades: imprevisíveis, mas libertadoras. O meu livro convida a ambas. Estimula a consciência diária, mas também pode ser um gatilho para mudanças profundas. O mais bonito é que cada leitor o vive à sua maneira — e isso é exatamente o que quero: que cada um descubra o seu próprio ritmo de despertar. É essa a magia de quem desperta o seu propósito.