A perda gestacional tende a ser, por si só, uma verdadeira experiência traumática para os pais e famílias em luto. Por acréscimo ao sofrimento da perda, os pais são confrontados com inúmeros outros desafios, como é exemplo partilhar com os filhos mais velhos que o tão desejado(a) irmão(a) perdeu a vida.

As inseguranças dos adultos acerca de como abordar o tema e o medo da potencial reação da criança facilitam o evitamento deste momento e do contacto com a dor da perda por parte dos pais. Contudo, é importante que o momento de partilha da perda com a criança aconteça com a maior brevidade possível.

A sensação de que os pais estão estranhos e distantes sem motivo aparente (a qual é facilitadora de pensamentos de autorresponsabilização) e o consequente medo do desconhecido tendem a ser mais intensos e assustadores do que enfrentar a realidade, dada a capacidade de fantasiar das crianças.

Neste sentido, seguem alguns princípios orientadores para o momento da partilha:

  1. É importante que o diálogo envolva uma linguagem simples, honesta e adaptada à maturidade emocional do menor, não só para facilitar a compreensão da criança, mas também a partilha de dúvidas, pensamentos e emoções.
  2. A morte deve ser explicada como um fenómeno com 03 características, designadamente natural, inevitável e irreversível. Por exemplo, dizer à criança “O bebé morreu e nós estamos muito tristes. Vais conhecê-lo através destas fotografias (ecografias), mas ele não vem aqui para a nossa casa”.
  3. É imperativo evitar o uso de explicações vagas, que apenas originam confusão e medo. Tomem-se como exemplo a expressão “o bebé ficou a dormir para sempre” que pode originar alterações do sono como pesadelos ou choro aquando do momento de ir para a cama, dado que a criança pode começar a ter medo de adormecer e não acordar. Um outro exemplo é a expressão “a tua irmã é um anjo”, que pode levar a criança a sentir ansiedade ou medo de morrer aquando de episódios em que um adulto o apelide de “meu anjinho” ou recorra à expressão “este menino comporta-se como um anjo”. Esta expressão também pode levar ao desenvolvimento de planos irrealistas de alcançar o céu para estar junto do irmão perdido.
  4. É recomendável explicar, com linguagem acessível, a causa da morte, para evitar que a criança crie fantasias. No caso de doença, é importante reforçar que doença não significa morte, para prevenir o desenvolvimento de novos medos. Tome-se como exemplo dizer que “os bebés podem ficar doentes na barriga das mães e morrer. Mas isso não significa que todos os bebés ou todas as pessoas que estão doentes vão morrer”. Caso contrário, após um sintoma banal e mera partilha de que “acho que estou a ficar doente”, a criança pode considerar que existe o risco de o adulto morrer.

É fundamental que a linguagem seja adequada ao nível de desenvolvimento cognitivo e emocional da criança e, por isso, ausente de metáforas ou eufemismos. A criança deve ser incentivada, se estiver confusa e necessitar de mais informação, a questionar os adultos, mesmo que dias, semanas ou até meses após a partilha da morte. Independentemente da frequência das questões e/ou da distância temporal entre as mesmas, é importante a consistência das respostas.

De igual importância é a necessidade de o adulto expressar as suas emoções, facilitando a também expressão emocional da criança. Inclusivamente, é crucial que o adulto ajude na identificação e exploração das emoções, pois algumas podem estar a ser vivenciadas pela primeira vez e a criança é incapaz de as denominar. Por exemplo, “é natural que te sintas triste ou zangada, porque o bebé morreu”, “eu sinto-me muito triste porque o bebé morreu e tenho vontade de chorar” ou “se quiseres chorar, não sintas vergonha ou medo, vais sentir-te mais aliviada”.

Pode ser importante enaltecer que o menor não é responsável pelo sofrimento dos pais, “o pai está a chorar porque o bebé morreu, não te preocupes, a culpa não é tua, não fizeste nada de errado”.

Prepare-se para alguns desafios em função da fase de desenvolvimento infantil em que a criança se encontra, a qual tem impacto na perceção e compreensão dos menores acerca do tema da morte.

Em algumas situações, pode ser importante partilhar a perda com os professores e/ou educadores de infância, dada a tendência das crianças a contar os eventos importantes (como o nascimento ou a morte) aos adultos mais próximos. Esta é uma forma de os adultos estarem preparados e reagirem com maior normalidade e ponderação.

Para ajudar o contacto e reconhecimento da veracidade da perda, é fundamental que a criança seja incluída nos rituais do luto (em função da idade e circunstância da perda), como são exemplo: escrever uma carta e/ou fazer um desenho para o irmão perdido, colocar flores, velas ou um peluche na campa ou junto das cinzas, plantar uma árvore com os pais em homenagem ao irmão, entre outras opções.

Por último, mas não menos importante, é a escolha do momento da partilha. É fundamental que o tema da morte seja introduzido pelos cuidadores (nos quais a criança confia), o que significa que se os pais estiverem sem disponibilidade emocional (por exemplo, choro intenso, incapacidade de falar da perda de forma calma e ponderada), podem ser, por exemplo, os avós a fazê-lo (caso sejam pessoas significativas para a criança) e, mais tarde, os pais retomam o diálogo e respondem às perguntas da criança.

Neste sentido, é crucial que a partilha aconteça num momento e espaço que transmita segurança à criança. Como por exemplo, durante o dia e no conforto da própria casa, para que exista tempo e disponibilidade para a criança pensar, colocar questões e o adulto responder. Introduzir este tema, por exemplo, à noite ou no momento de deitar a criança pode perturbar o sono. Da mesma forma, fazê-lo durante um passeio pode gerar confusão ou levar a uma desvalorização do diálogo.

Se antecipar que, perante tamanho sofrimento, necessita de ajuda especializada para este momento de partilha e para o processo de luto, peça ajuda. Não se encontra sozinho(a).

As explicações são de Sofia Gabriel e Mauro Paulino, psicólogos na MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.