Quando um filme envolve o tema da morte, é possível que nos identifiquemos com algumas das personagens em sofrimento, aumentando o conhecimento acerca do nosso próprio funcionamento. É como se nos estivéssemos a ver a nós próprios, pela primeira vez, a pensar comportamentos que desconhecíamos e que, afinal, fazem parte do nosso dia-a-dia.
Por outro lado, podemos identificar o comportamento de alguém que nos é próximo numa determinada personagem e desconstruir algumas das nossas perceções acerca do seu funcionamento. Por exemplo, através de um filme, podemos compreender que o silêncio do outro não é resultado de uma atitude de desvalorização da perda, mas a sua estratégia para gerir a dor, assim como que existem momentos de choro, mas que a pessoa ainda não se sente confortável para serem partilhados.
Neste sentido, podem existir momentos de reflexão e identificação com a relação ou conflitos existentes entre as personagens e surgirem pensamentos como “se ao menos dissessem um ao outro o que sentem” ou “mas porque é que não falam um com o outro”. E será que nós fazemos isto aquando de um processo de luto? Dizemos ao outro o que sentimos? E, igualmente importante, será que respeitamos o tempo do outro para expressar os seus medos, frustrações e emoções? Todos necessitamos de um tempo diferente para nos sentirmos capazes de expressar as emoções e dialogar sobre a perda.
Por vezes, envolvidos no nosso sofrimento, somos incapazes de perceber que a nossa culpa é irracional e originada pela dor atroz que foi provocada pela perda e que esta emoção não corresponde, de todo, à realidade. No entanto, quando alguém se encontra em processo de luto, pode ser mais fácil identificar esta irracionalidade numa história de perda que não é a sua (“ela não podia ter feito mais nada pelo filho, qualquer pessoa que vê o filme percebe isso”).
Em alguns filmes, é possível ver as fases do luto, os principais sintomas, momentos de crise e existir alguma normalização desta experiência, ainda que (sempre) dolorosa. A sensação de estranheza, frustração e raiva vivenciada por algumas pessoas em relação às emoções vivenciadas tende a ser atenuada pela compreensão de que são reações naturais, tendo em conta o sofrimento provocado pela perda.
O vivenciar de uma perda exige a reconstrução da nossa narrativa de vida, da nossa história. É, por isso, importante:
- Refletir acerca da perda;
- Expressar as nossas emoções;
- Organizar os nossos pensamentos;
- Encontrar significados;
- Escrever uma nova história que envolve a vida sem a pessoa ao nosso lado.
Em poucas palavras, a perda solicita a reconstrução da nossa história de vida e identidade. No entanto, é importante recordar que estes filmes não são apenas sobre a morte, mas sobre a vida e sobre o que faz de nós seres humanos, como as nossas fragilidades e medos. Neste sentido, o recordar da finitude da vida, lembra-nos também da necessidade de a viver em plenitude. A necessidade de desfrutar da vida requer a coexistência equilibrada das diversas áreas de funcionamento do quotidiano, ou seja, o tempo dedicado ao trabalho, à família, ao auto-cuidado.
Na maioria das vezes, a intensidade do sofrimento da perda é, exatamente, resultado do quão bom foi viver ao lado do outro e das saudades e sensação de vazio provocadas pela ausência do outro. Tome-se como exemplo o filme Marley & Me, em que o sofrimento gerado pela perda de um animal de companhia nos recorda de todos os momentos de felicidade, partilha e plenitude proporcionados pela relação com o animal ao longo do ciclo de vida familiar das pessoas que adotam Marley.
É igualmente importante referir que os filmes infantis que envolvem o tema da morte (por exemplo, Coco – A vida é uma festa ou O Rei Leão) podem ser facilitadores da compreensão do conceito de morte, desencadear as primeiras questões com os cuidadores acerca desta problemática e proporcionar um momento de reflexão para as crianças e família.
Pode ser importante recorrer a ajuda especializada, quando sentir dificuldades em, à luz de uma determinada personagem, gerir o enorme sofrimento provocado pela perda ou ajudar uma criança a compreender a morte e facilitar o seu processo de luto. Não está sozinho.
Partilhamos, em seguida, alguns filmes que poderão ser úteis à reflexão sobre a morte e o luto, designadamente:
- Pieces of a Woman (2020)
- Me Before You (“Viver depois de ti”, 2016)
- Os gatos não têm vertigens (2014)
- Still Alice (“O meu nome é Alice”, 2014)
- Rabbit Hole (“O outro lado do coração”, 2010)
As explicações são de Sofia Gabriel e de Mauro Paulino, da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.
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