“Ninguém me disse, eu ia ouvindo…”

“O avô já está doente há tanto tempo…quanto mais tempo vai ficar assim?”

“Hoje é o dia de aniversário da minha mãe, porque que é que ninguém fala no nome dela?”

Mais frequentemente do que queremos e precisamos, calham-nos batatas quentes. Somos surpreendidos por mudanças e perdas como a morte, um divórcio, uma doença grave de alguém próximo ou mudanças de país. Quando vemos lado a lado a palavra comunicar e temas difíceis há algo de desconfortável que surge, talvez porque nos impele à ação e ao medo de não saber como se fazem estas coisas – conversar sobre temas difíceis? Ainda para mais com crianças? 

Talvez se torne ainda mais exigente se para nós adultos a tarefa de expressar a tristeza e a dor for algo que não cabe na nossa zona de conforto. Se a batata for tão quente que nos escalda os medos e inseguranças já congeladas. Questionemo-nos sobre – o que é um tema difícil? O que faz com que seja difícil? Não sabemos como responder, falta informação? Conseguimos identificar o que nos deixa sem respostas ou a querer fugir delas? É difícil para mim aguentar o desconforto e a expressão da dor da criança? A todas estas perguntas importa ir aprendendo a responder, desbravando caminho para encontrar um lugar mais seguro dentro de nós adultos. Quem disse que os mais crescidos não podiam ter TPC’s?

Nesta tentativa de enrolarmos o que aconteceu em lã e algodão para que não pareça perigoso, nem assustador, nem desagradável, crianças e adolescentes ouvem frases como “Shiu, se não falarmos ele esquece-se”, “Ele é muito pequeno, não vai perceber”, ou “Ele não aguentará saber”. Deixamos a reflexão de quão difícil e perigoso pode ser deixar a criança entregue à sua própria imaginação… 

A verdade é que se fazem bonitas roupas de lã e algodão. E quentinhas. Também nos temas difíceis é possível aconchegar a criança em linhas de verdade e segurança. 

Como?

  • A notícia idealmente deve ser dada o mais brevemente possível por alguém considerado de confiança para a criança, desde que emocionalmente regulado no momento;
  • Promover um ambiente seguro com o intuito de notificar a criança, garantindo assim privacidade. Por exemplo, em casa, evitando os períodos noturnos exatamente antes de adormecer;
  • Perceber qual a informação que a criança já dispõe sobre o evento através de questões abertas. Por exemplo, “Lembras-te de eu e o pai falarmos sobre um emprego muito bom em Nova Iorque? O que sabes exatamente sobre isso?”;
  • A partir do seu discurso, o adulto poderá ir corrigindo informações erradas ou reforçar as corretas. Por exemplo, “Que grande memória, é isso mesmo.”;
  • Notificar pouco a pouco, de forma breve, clara e concreta, de acordo com o seu estádio de desenvolvimento. Por exemplo, “E como eu e o pai achámos que seria bom para todos, o pai irá trabalhar para Nova Iorque. Algumas coisas serão diferentes com esta mudança.” 
  • Dar espaço a perguntas e dúvidas “Há mais alguma coisa que precises saber?”;
  • Por último, permitir que a criança coloque todas as questões que possam surgir, de forma a mostrar disponibilidade para responder ou dizer apenas “não sei” sempre que for o caso. 

Em conversas difíceis, importa conseguirmos dizer que não sabemos, que não temos uma resposta imediata à pergunta da criança, mas que vamos tentar encontrar essa resposta. Os adultos não sabem sempre o que dizer e assumir isso não os torna mais frágeis, mas sim mais reais aos olhos da criança porque sentem, porque expressam o que sentem, porque não sabem tudo e porque também precisam de gerir muitas emoções.  

Lembretes

  • A criança precisará de respostas diferentes ao longo do seu crescimento e transições entre fases de desenvolvimento;
  • Todas as emoções são permitidas;
  • É sempre bem-vinda a permissão para sentir: “Parece-me que o que eu te contei te deixa muito triste… a mim também e a toda a família.”;
  • É igualmente bem-vinda a permissão para não sentir, naquele momento, da forma como esperávamos: “Sei que preferes não falar sobre isto agora, não temos de o fazer até que tu queiras. Se tiveres alguma dúvida ou precisares de mim, eu estou na sala.”;
  • A comunicação é feita por via de palavras e frases, mas também de pistas não verbais como o olhar, os gestos, a postura, o sorriso, tom de voz. É fundamental que a comunicação verbal e não verbal seja coerente entre si. Há o perigo de na comunicação de emoções e atitudes, se as palavras e a linguagem corporal discordam, se acreditar na linguagem corporal.

E no final, mesmo vestidos com roupa de lã e algodão, mesmo que a batata quente arrefeça, dói. Aos crescidos e aos “pequenos”. E mesmo que continuemos sem saber o que dizer, a honestidade e a empatia estão sempre certas.

Um artigo de Margarida Teixeira e Susana Esteves, Psicólogas Clínicas da PIN.