O que é preciso para ser feliz na escola? A resposta está longe de ser simples, até porque depende de aluno para aluno e de idade para idade. O início de um novo ano letivo é um tempo de transição para muitas crianças, sobretudo na mudança de ciclos ou na passagem do secundário para a universidade, como também sublinham os cinco professores que inquirimos. Do primeiro ciclo à universidade, os docentes ouvidos pela revista Prevenir fazem avisos e sugerem estratégias para pais e filhos.
A inocência do primeiro ciclo
O primeiro, o segundo, o terceiro e o quarto ano são fases de descoberta a vários níveis. "Não considero que o primeiro ciclo tenha metas estanques. Há grandes objetivos, aprender a ler bem e a ganhar o gosto pela leitura literária. Formar leitores é talvez a atividade mais importante", considera Fernando Carvalho, professor e jornalista. Escrever de forma fluente e criativa e dar a conhecer o mundo da matemática, das ciências, das artes, do desporto são outros dos desafios.
Despertar a maturidade e alimentar a autonomia, sem deixar morrer a imaginação ou estrangular a criatividade, é uma batalha diária. "Imaginar que um miúdo de seis anos aguenta estar sentado à secretária durante cinco horas, mesmo com intervalos, é surrealista", considera. "As crianças precisam de brincar e o que se exige está desenquadrado. Ensinar frações a alunos com sete anos e a fazer cálculos com oito parece uma anedota, mas é a realidade. Estes conteúdos faziam parte do segundo ciclo e saltaram para o primeiro. O programa de matemática é extensíssimo e não deixa margem para inventar, consolidar", lamenta o professor.
"Começar mais cedo a ensinar estes temas não quer dizer que sejam adquiridos. Vai criar frustrações e dividir ainda mais as turmas", considera mesmo Fernando Carvalho. "A escola tem tudo para ser um lugar feliz. Lá estão os nossos amigos, as pessoas que sabem muitas coisas e gente para ajudar", sublinha. "Aprender a estudar não é fácil", avisa o docente. "Requer concentração e uma grande intervenção dos professores e dos pais. O primeiro grande passo é aprender a ler", afirma o professor.
"Ler com velocidade vai desbloquear muitos mecanismos de interpretação. Ajuda ler textos cronometrados, fazer jogos de leitura palavra a palavra, ler frases e repeti-las por outras palavras", recomenda, fazendo um apelo aos pais. "Desliguem os telemóveis. Afoguem os tablets! Percebo que estas ferramentas são extraordinárias. Mas estamos a criar solitários. Conversem! Falar é muito importante. Só assim é que crescemos a ser capazes de interagir com os outros", defende o especialista.
Os desafios do segundo ciclo
À semelhança de todas as outras, também esta é uma etapa desafiante. "A maior dificuldade é, quase sempre, a transição de um regime de um professor único para vários professores, um para cada área curricular. Nesta transição, é frequente surgirem dificuldades de organização em função de um horário mais estruturado, uma vez que é comum no 1º ciclo não haver tanta diversidade de espaços nem de intervenientes", defende Ana Pedreira, professora de português e de inglês.
"É necessário aprender a trabalhar com pessoas diferentes, em espaços diferentes e muitas vezes com regras e expectativas diferentes, o que nem sempre é fácil", sublinha. "Estar com atenção e disposto a aprender e a envolver-se é fundamental. Muitas vezes, eles acham que, por terem ajuda fora da escola, podem estar como quiserem nas aulas que depois têm tempo de ultrapassar as dificuldades. O estudo deve ser regular, não só nas vésperas de momentos de avaliação formal", adverte. "Se se chegar a casa e reler os apontamentos das aulas do dia ou os materiais de apoio, fica tudo mais presente", garante mesmo a docente.
"Mais do que nunca, privilegia-se agora a avaliação formativa, que implica ao aluno ser capaz de mostrar o que sabe diariamente", esclarece. Aos pais, faz um apelo. "Não deixem transparecer as vossas próprias inseguranças para os filhos e estejam preparados para que, às vezes, as coisas não corram bem à primeira. Na transição entre ciclos, o meio familiar deve ser a estrutura securizante da criança, onde podem procurar, em conjunto, estratégias para conseguir fazer mudanças positivas", diz.
Mas há mais avisos. "Em termos de apoio ao estudo, muitas vezes basta que, mais do que perguntar como correu o dia, peçam que lhes mostrem o caderno e verifiquem juntos como está organizada a mochila ou como vai ser preparada para o dia seguinte", sugere Ana Pedreira. "É diferente fazer o trabalho com os filhos do que em vez dos filhos, até porque, no segundo caso, nem sempre eles conseguem alcançar os mesmos resultados em sala", avisa ainda a professora de português e de inglês.
As batalhas do terceiro ciclo
O sétimo, o oitavo e o nono ano apanham os alunos numa fase de desenvolvimento peculiar, a fase mais dura e desafiadora da adolescência. "Eu diria que, nesta etapa, são as mesmas interrogações de sempre. Como conseguir a afirmação segura, social e íntima do seu ser mais genuíno", defende Rui Correia, professor de história, vencedor do prémio internacional Global Teacher Prize em 2019. "É importante que os alunos tenham um plano de trabalho e de estudo", sublinha o docente.
"Perceber que fazer rimas para um rap é mais fácil se tivermos um domínio de gramática e de literatura. E de biologia. E de culinária. E de carpintaria. E de esperteza de rua... A escola serve para congregar em poucos anos o estudo de coisas que, se dependesse só de nós, nos levariam dezenas de anos a conhecer", afirma Rui Correia. "Ajuda a poupar tempo e a quebrar solidões escusadas", opina. "Diria também para nunca encararem a escola como o único lugar onde se aprende. Tudo e todo o lugar são ocasiões para aprender", considera o docente, que apela ao acompanhamento regular dos pais ao longo do processo de aprendizagem.
"Um encarregado de educação deve ter sempre presente. O seu educando precisa de si, mas nem sempre. Deve abrir a boca apenas para o convencer de que está sempre disponível para o ajudar a superar as suas dificuldades. E, depois, estar", refere. "A escola precisa de si, mas nem sempre. Deve abrir a boca apenas para a convencer de que está sempre disponível para a ajudar superar as suas dificuldades. E, depois, estar", acrescenta ainda o professor premiado internacionalmente.
A exigência do ensino secundário
O décimo, o décimo-primeiro e o décimo-segundo ano são etapas muito exigentes. "As grandes preocupações prendem-se com a perspectiva da dificuldade em ingressar neste universo, onde são exigidas médias elevadas, assim como a hipótese de desemprego, pois os alunos têm consciência dessa realidade", sublinha Cristina Rodrigues. "Nos últimos anos, temos mesmo bons alunos não conseguem bons resultados nos exames nacionais. O grau de dificuldade tem sido muito elevado", considera.
"Os alunos têm que saber pensar e saber fazer. Têm que ser organizados, definir metas individuais de estudo e cumprir essas metas sempre. Têm, por exemplo, de fazer planos diários e de prometer a si mesmos que só vão sair se cumprirem esse plano. Existem formas diferentes de aprender e cada aluno tem que perceber como é que aprende melhor. Para uns, é a ler. Para outros, é a escrever. Para outros, a sublinhar, a fazer perguntas a si mesmos e/ou a estudar em grupo", esclarece. "Os pais têm que valorizar a escola e colaborar com os professores e não tomarem o partido dos filhos contra a escola e contra os professores", apela.
"Devem ajudar os filhos a estudar. Existem alunos que o sabem fazer e existem outros que necessitam de ajuda para aprender a estudar", alerta mesmo Cristina Rodrigues. "Eu fui feliz na escola", confidencia. "Ajudou-me muito trabalhar em grupo com colegas, aprender a respeitar o outro e a aceitar as opiniões dos outros", desabafa a docente. "Sempre que trabalhamos em grupo, o nosso conhecimento aumenta de forma sólida", acrescenta ainda a a professora de economia e contabilidade.
A relevância do ensino universitário
É uma das etapas de maior exigência. "Na universidade, o contacto entre o professor e o aluno deixa de ser tão próximo. Exige-se que o aluno seja mais autónomo e responsável e também que faça uma programação do estudo. Estudar na véspera deixa de ser possível, caso queira ter sucesso", alerta Jorge Rio Cardoso, professor no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa. "O universitário deve preocupar-se em pensar para além do óbvio", sublinha.
"Reproduzir conhecimento, ao contrário do passado, nesta fase, vale muito pouco. O aluno precisa de explorar a sua criatividade", refere o docente. "É crucial fazer uma boa programação do estudo, com a recolha de apontamentos, de pesquisas e de leituras e resumos de artigos e de livros. Sejam pró-ativos. Conhecem os exames do ano anterior? Já os tentaram resolver? Tiveram acesso a bons apontamentos? Confrontaram-nos com os vossos?", questiona. "Um aluno triste dificilmente aprende, pelo que é essencial aprender a lidar com as emoções. Aconselho vivamente a meditação", diz o autor do livro "Uma nova escola para Portugal".
"É também necessário saber trabalhar em grupo. Isto implica aperfeiçoar a capacidade de ouvir e de saber expressar a opinião, mostrando, se for caso disso, um pensamento crítico e saber reunir consensos, pondo à prova as capacidades de liderança", esclarece Jorge Rio Cardoso. "Aconselho ainda os alunos a criarem o hábito de esclarecerem sempre todas dúvidas", refere. "Pais, não interfiram nas escolhas dos jovens em relação ao curso universitário", adverte ainda o docente.
"Coisa diferente é propiciarem aos filhos testes vocacionais durante o [ensino] secundário para que estes percebam quais as suas apetências", aconselha. "Perante os naturais receios dos filhos, os pais devem dar o máximo de informação e desdramatizar", recomenda. "Um aluno só investe plenamente o seu tempo e atenção num curso quando sente confiança. O diálogo no sentido de perceber quais as principais angústias dos filhos é muito importante", garante o professor universitário.
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