Como vimos no artigo anterior (“Lutar contra o sono”: Toda a verdade (parte 1), os bebés, quando estão cansados e aproximando-se a hora ideal de irem dormir, manifestam sinais de sono que, se forem ignorados (mesmo que inadvertidamente) conduzirão a um cansaço excessivo, acumulado, que não permitirá ao bebé acalmar-se e adormecer facilmente. É também comum que os Pais, se o bebé não conseguir simplesmente dormir, comecem a experimentar várias soluções (menos adequadas) para o bebé adormecer – criando desde cedo hábitos que comprometem o sono mais cedo ou mais tarde.
Vejamos então o que podemos fazer para evitar que o bebé chegue a um ponto de exaustão e entre numa espiral de choro, situação que, embora podendo parecer uma “luta contra o sono" é na verdade uma forma desesperada de o bebé nos dizer que está exausto e incapaz de tomar controlo sobre a suas emoções e movimentos físicos:
O que fazer?
- Oriente o bebé numa rotina ajustada, de acordo com a sua idade e peso: apenas desta forma se torna possível atingir os objetivos que se resumo de seguida, sendo fundamentais para evitar que o bebé chegue a um ponto crítico de exaustão, onde tudo se torna mais difícil - nomeadamente capacitar o bebé no desenvolvimento dos mecanismos internos de conciliação do seu próprio sono.
- Controle o nível e o tempo de estimulação de atividade/brincadeira. Neste ponto, é importante que estas sejam ajustadas à idade do bebé, à sua capacidade de apreensão. Proteja o bebé da exposição a ecrãs luminosos, em especial TV. (saiba mais sobre bebés e a televisão) Como se avalia estes tempos? Observando a sua linguagem física (como o grau de agitação física) e contexto de choro (Já são horas de o bebé comer? Está há muito tempo acordado? Está há muito tempo numa atividade que o agita muito, etc...)
- Conheça os timings da sua resistência acordado (embora existam guidelines padronizadas relativamente ao tempo que um bebé deve, ou consegue, permanecer acordado, de acordo com a idade, tratam-se apenas da média, por observações, cada bebé é diferente e ocorrem sempre pequenas variações individuais (Influenciadas também pelo nº de semanas do parto, peso e temperamento do bebé).
Aqui ficam algumas diretrizes (análise de observações naturalistas):
Recém nascido a 6 semanas: o bebé poderá conseguir estar entre 5 a 15 minutos sem mostrar sinais de sono (Devendo dormir de seguida) - após mamar. É comum que nem a mamar consigam persistir acordados, enquanto recém nascidos. Converse com o bebé que adormece enquanto mama, para que possa desde já aprender a diferenciar períodos de alimentação e sono.
6 - 12 semanas: O bebé já consegue ficar acordado entre 15 minutos a 30 minutos sem mostrar sinais de sono ou mesmo sem dormir, no entanto cuidado com a estimulação excessiva para a idade. Não deve ficar debaixo de um mobile muito estimulante por mais de 10 minutos. Para além dos imprescindíveis mimos lembre-se que o para o bebé, observar o mundo, a mãe a fazer as suas coisas, ou mesmo o espaço onde se encontra, são atividades interessantes nesta idade e respeitadoras da sua capacidade de processamento.
3 - 5 meses: o bebé já consegue ficar acordado 1h a 1h20 aproximadamente, incluindo a refeição. (Ele poderá brincar sozinho entre 15 a 20 minutos até mostrar sinais de sono, quando deve começar um ritual de acalmar e deixá-lo descansado a dormir no berço.)
6 - 9 meses: O bebé poderá conseguir ficar acordado entre 1h30 a 2 horas, incluindo as refeições. (Caso tenha sido ensinado a sentir-se seguro para tal, poderá conseguir brincar sozinho por 30 minutos.)
9 - 12 meses: o bebé poderá conseguir estar sem sinais de sono, a brincar, entre 2h a 3h30. (Caso os Pais não se tenham tornado a única fonte de entretenimento, e caso tenham exercitado o “músculo emocional”, ensinando o bebé a explorar e a sentir seguro para o fazer também longe do colo e da constante presença ao longo do primeiro ano de vida, o bebé conseguirá sentir-se emocionalmente seguro para se entreter-se/brincar por si, por 30 minutos a 45 minutos.)
- Reconheça e interprete os sinais de sono e de desgaste, tais como: bocejar, esfregar os olhos ou tentativa de esfregar a cara, “encaracolar” no colo, mexer na orelha, agitação descontrolada dos membros inferiores e superiores ( Em especial em bebés de poucos meses), desconcentração em bebé maiores (como não pararem quietos, quererem tudo e nada em concreto, e simplesmente não conseguirem estar na mesma posição etc.).
- Aja aos primeiros sinais de sono, conduzindo o bebé para um ritual que promova a redução dos estímulos (reduzir movimento, volume, som, luz), de forma calma e gradual. Idealmente sempre de forma igual, para poder ser facilmente reconhecível/apreensível pelo bebé. Tal, implicará naturalmente, uma redução de energia por parte da mãe/pai pois, apenas desta forma, poderá transmitir ao bebé o estado de espírito necessário para percorrer o caminho para adormecer serenamente. Sendo essa a aprendizagem mais importante para o bebé. Os bebés sintonizam-se com os pais (através da sua resposta aos estímulos). (saiba mais no artigo “Ensinar a acalmar”).
- No caso dos bebés de poucos meses (até aproximadamente 3M) e em especial com bebés que sofrem de refluxo, será benéfico enrolá-los numa manta (técnica de swaddling), e incluir tal ação no ritual de acalmar (na medida em que ajuda primeiro o bebé a acalmar-se mais rapidamente e, depois, a diminuir o impacto dos espasmos, típicos da fase de sono leve, que fazem, muitas vezes, com que o bebé se assuste e desperte novamente e volte agitar-se fisicamente - antes mesmo de ter entrado em sono mais profundo, que acontece por volta dos 25-30 minutos após adormecer).
- Para evitar (ou sair da) espiral de choro, deve prevenir que os braços do bebé andem descontroladamente à solta. Este comportamento de descontrolo físico, além de poder magoá-los, aumenta ainda mais a tensão e o desconforto do bebé, na medida em que aumenta também a aceleração cardíaca e respiratória. Será benéfico “ouvir” o seu choro (desabafo) para o compreender e eventualmente aplicar a solução física de palmadinhas ocas e ritmadas nas suas costas acompanhadas de “shhhh” (os bebés até aos 4 meses não se conseguem concentrar em mais de 3 coisas ao mesmo tempo e, como tal, pararão de chorar com esta técnica).
- Limite o estímulo visual, se necessário, limitando o campo visual. Mesmo quando estão cansados, normalmente os bebés não têm noção de quando devem fechar os olhos de forma a abstraírem-se do ambiente e adormecerem, em especial bebés de temperamento energético ou mesmo irritável (leia mais sobre o mito de ensinar a dormir com luz)
- Compreenda que quando o bebé está cansado pode chorar (acompanhado) em qualquer lugar, seja ao colo, seja no berço. Todavia, se o adormecer ao colo, depois terá necessariamente que o colocar no berço sem que ele se aperceba da mudança, caso contrário, naturalmente, reclamará, chorando e, por fim, despertando novamente. É sempre preferível deixar claro à percepção do bebé o que é que realmente vai acontecer, ofereça-lhe a verdade, de forma a fortalecer a relação de confiança. Certamente, tal será muito mais fácil para bebés que ainda não tenham enraizado hábitos indesejados para adormecer, nomeadamente até aos 4/5 meses, idade após a qual será tendencialmente mais exigente a tarefa (dependendo do temperamento do bebé), podendo requerer estratégias mais estruturadas, uma maior persistência diária e focus por parte dos Pais, para uma (aparentemente simples) mudança de hábitos.
- Mantenha a calma se o bebé começar a chorar. Lembre-se de que está cansado, ainda não está a dormir e é normal que manifeste desconforto, afinal ele tem direito a descontrolar-se - ainda está a aprender a controlar-se. Ele esperará de si uma postura de quem controla a situação e que em quem pode confiar.
- Fale de forma suave, apaziguante e positiva. Aprofunde a sintonia, e habitue-o a conectar-se com algumas palavras/expressões chave bem como à respiração, que possam influenciar a calma. Não use o tom de “coitadinho” nem o da comiseração, ele irá sentir-se sem soluções emocionais para além de chorar.
- Não abane o bebé pois estará, não só a transmitir ainda mais estímulo visual e físico, como a ensinar ao bebé um comportamento padrão para adormecer, que o bebé por si mesmo não consegue reproduzir; ele verá o “mundo aos pulos” e sentirá “borboletas no estômago”, o que poderá apenas calar-lhe momentaneamente o choro, na medida em que o distrai. No entanto, se pensarmos bem, esta é uma postura antagónica: dar “pulos” para dormir não é certamente o comportamento que no futuro espera do seu filho para se acalmar e dormir e nem que ele consiga fazer enquanto bebé. Se não tem lógica e não é uma solução viável a longo prazo então não continue. Ele ficará agitado, e só irá parar de chorar quando já estiver a dormir, ou seja, vai adormece-lo invariavelmente - sendo esse um hábito comprometedor do sono (leia mais no artigo: ensinar um bebé a dormir: trabalho que compensa todos Vs adormecer um bebé: trabalho que desgasta todos)
Quando são perpetrados hábitos desadequados em acalmar para dormir, aumenta a probabilidade de o bebé despertar ainda na primeira fase do sono (o sono R.E.M., também conhecida como fase de sono leve). Nestas circunstâncias, o bebé poderá chorar novamente por ter despertado ainda numa fase leve do sono, e é até normal que chore mais, na medida em que o seu processo de adormecer não o levou ainda ao sono profundo. O adormecer poderá não ter sido tranquilo e poderá ter-se dado já num limiar de exaustão.
Ninguém espera, nem deseja, uma total independência do bebé, no entanto é extremamente benéfico capacitar o bebé de pequenas conquistas ao nível da estruturação emocional e até física, pois influenciam grandemente o seu potencial de desenvolvimento e sua noção de segurança.
Para melhor conhecer o bebé e os seus sinais (nomeadamente os sinais de sono, tão importantes, como foi explicado), torno a referir que é extremamente benéfica a orientação numa rotina diária ajustada à sua idade e peso - rotina essa que assegure adequados intervalos entre refeições, a distribuição e duração do sono diurno e noturno, e o tempo destinado à atividade; associada a comportamentos por parte dos pais que reforcem o laço de confiança. Sem isto, pode tornar-se difícil perceber as razões do choro, em especial nos primeiros tempos de vida, podendo os pais, inadvertidamente, responder de forma descontextualizada (e subjetiva) à real necessidade do bebé- dificultando também a tarefa do bebé na organização estrutural das suas próprias expetativas.
Ajudar o bebé a aprender a controlar o corpo e as emoções é imprescindível para que este aprenda a sentir-se bem na sua recente vida e melhora a sua aptidão em acalmar-se e a adormecer, cada vez melhor. Conseguir conduzir os filhos nesta aprendizagem, ao longo do seu desenvolvimento, é algo que só se conquista através de uma prática adequada às características do bebé, persistida e repetida, tornada num (bom) hábito e mantida como rota ajustando à fase de desenvolvimento, através de uma rotina adequada. Os resultados sentem-se igualmente na qualidade de vida dos pais, mas o maior beneficiado é sem dúvida o bebé!
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Carolina Albino - Especialista em Ritmos de Sono do Bebé
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