
Apesar de ainda não se ter conseguido identificar a grande especificidade do vinho marroir, o néctar dos deuses está a levar turistas e outros curiosos até ao fundo do oceano. E não é de estranhar, pois o mundo subaquático sempre fascinou o ser humano: é um lugar onde não respiramos naturalmente, mas que tem vida, o que faz com que desperte curiosidade, se criem mitos à sua volta e se abram novos caminhos.
Mas se, por um lado, o universo marítimo pode ser atraente, por outro, fazer mergulho pode ser intimidante, o que faz com que o enoturismo subaquático possa não agradar a todos. Ainda assim, não deixa de representar uma oportunidade mais fora da caixa: a de entrar no mundo submarino e, no fim, partilhar à mesa o resultado dessa aventura com a família ou amigos.
Na costa alentejana, é possível realizar esta experiência com a Adega do Mar, um projeto criado em 2021 pela escola de mergulho e atividades marítimas, a Ecoalga, de Joaquim Parrinha, agrónomo e mergulhador profissional com mais de 20 anos experiência.
Para além do estágio subaquático dos vinhos, o projeto organiza experiências imersivas que permitem a qualquer pessoa interessada — com ou sem experiência em mergulho — recolher uma garrafa do fundo do oceano, na zona da Ilha do Pessegueiro, em Porto Covo.
Como funciona a experiência?
Para que tudo corra em segurança e o resgate seja bem sucedido, o visitante escolhe, de forma prévia, o vinho que pretende resgatar. Após a seleção, a equipa de Joaquim, que acompanha e orienta todo o processo, incluindo o mergulho, prepara o resgate, colocando a garrafa num local estratégico no fundo do mar.
No final, o participante pode degustar o vinho, levá-lo para casa ou oferecê-lo como presente. A experiência inclui também fotografias e vídeos profissionais, para que o momento fique imortalizado.
O mergulho também pode funcionar como complemento de uma visita a uma adega parceira. Nestas situações, a experiência é preparada entre a Ecoalga e a empresa.
O preço, quando reservado diretamente com a Adega do Mar, é de 150 euros e inclui passeio de barco, briefing, mergulho, resgate e prova a bordo. Caso a experiência seja adquirida via uma adega parceira, o valor pode variar.
A proposta não é exclusiva da Adega do Mar. Também a Descobrimentos World Travel & Tours, agência de viagens da Marinha Grande, em parceria com o produtor Breijinho da Costa, sediado em Grândola, promove uma experiência semelhante.

Vinho subaquático: uma tendência que veio para ficar?
"Afundar" vinhos no fundo do mar é apenas um dos métodos que diferentes casas vitinícolas têm adotado para reinventarem a forma como estagiam os seus néctares. Entre as várias abordagens, destaca-se o vinho da Ervideira que amadureceu nas águas do Alqueva, no Alentejo, e o Poseidon, do produtor Lua Cheia em Vinhas Velhas, que embarcou num navio bacalhoeiro para estagiar em alto mar.
Embora recente em Portugal, o envelhecimento subaquático também não é novidade no mundo, sendo já explorado em várias regiões. A título de exemplo, recordamos o caso da maison Veuve Clicquot, que em 2014, em Champagne, submergiu 300 garrafas no Mar Báltico para estudar o processo. Antes disso, produtores na Califórnia e em Espanha já experimentavam o método.
Adicionalmente ao vinho, também na Adega do Mar são armazenados outros produtos como rum, ginja de Óbidos, vinho do Porto, azeite ou mel.
E será que o vinho envelhecido no mar é mesmo diferente? É cedo para estabelecer um padrão, segundo as conclusões obtidas no primeiro evento de enoturismo subaquático realizado em Portugal, o "Subaquatic Wine Tourism Experience", que aconteceu em Sines no mês passado.
No entanto, ou pelo menos para Cristina Barrocas Dias, professora do departamento de Química da Universidade de Évora, é certo que "acontece qualquer coisa debaixo de água". Afinal, o vinho é "um ser vivo, que está constantemente em evolução". Deste modo e se se comparar o estágio em terra e no mar, segundo a professora, o vinho submerso irá sofrer alterações naturais, seja a nível de cor, de adstringência e do próprio envelhecimento, que no caso do tinto, "tem mais compostos fenólicos, sendo mais protegido da oxidação no mar".
O facto de que existe uma mudança — mesmo que pouco percetível —, acabou por ser reforçado por Pedro Martinez, produtor espanhol, que garante ter conseguido um vinho estável através deste método.
Também Maria João Cabrita, professora doutorada em Ciências Agrárias pela Universidade de Évora, que até sugeriu o uso do termo marroir concordou com este raciocínio. "Se temos um meio diferente, no mar, os equilíbrios que se estabelecem serão diferentes, logo o produto em terra e no mar será também diferente", denota. "Seja nos compostos relacionados com o aroma, seja a nível do processo de envelhecimento, que será mais acelerado do que em terra, tendo em conta que não há tanto oxigénio na garrafa que é afundada", finaliza.
"Demonstrámos [com o evento] que o envelhecimento subaquático é, mais do que uma curiosidade, é um território a explorar com seriedade, criatividade e respeito pelo meio", comenta Maria João de Almeida, presidente da Associação Portuguesa de Enoturismo e consultora. "Penso que se abriu uma nova fronteira na produção de vinhos com envelhecimento subaquático, um processo cada vez mais procurado pelos produtores nacionais", finaliza.
Quanto ao futuro do enoturismo subaquático, parece que ainda há muito por descobrir. No entanto, já há três certezas: pode acelerar o envelhecimento dos vinhos, ajudar a criar produtos diferenciadores e proporcionar experiências memoráveis a quem os prova — especialmente depois de mergulhar por eles.
O SAPO Lifestyle viajou até Sines a convite da ERT, APENO e Câmara Municipal de Sines
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