Como distinguir relógios e malas de luxo originais em leilões, num mercado onde as réplicas estão cada vez mais perfeitas

O SAPO Lifestyle viajou até Madrid para assistir ao workshop “Inside Authenticity”. Durante a sessão, promovida por uma plataforma especializada em leilões de objetos de luxo, ouvimos especialistas e ficámos a conhecer o trabalho por detrás da análise e autenticação de uma mala ou de um relógio, bem como os principais cuidados a ter neste mercado.
Como distinguir relógios e malas de luxo originais em leilões, num mercado onde as réplicas estão cada vez mais perfeitas
NEW YORK, NEW YORK - JUNE 04: A view of Hermès Birkin bags on display during a press preview of the upcoming Luxury Week at Christie's on June 04, 2021 in New York City. Cindy Ord/Getty Images/AFP (Photo by Cindy Ord / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP) Cindy Ord / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP

Joaquín Fernandez Cebrián tem mais de 30 anos de experiência no mundo da joalharia e cravação de pedras preciosas e diamantes. Desde 2016 que se dedica à autenticação de relógios de luxo para a Catawiki, uma plataforma de leilões especializada na compra e venda de objetos de luxo. Sejam novos ou usados, segundo a empresa, todos os artigos disponibilizados online são alvo de uma análise minuciosa por parte de uma equipa de especialistas internos e têm de passar com distinção no teste de autentificação. Os lotes que gerarem dúvidas são rejeitados e inadmissíveis a leilão.

Mas como funciona este processo de revisão? Tudo é feito online através dos registos fotográficos, bastante detalhados e com um grande nível de precisão, submetidos pelos vendedores. “Trabalhamos com imagens, então é bastante difícil, mas quando se examina um relógio de diferentes ângulos – a borda, o aro, o acabamento – embora estejam perfeitamente feitos, até mesmo os parafusos dentro da pulseira, eles não têm o mesmo acabamento de alta qualidade. Nós temos um olhar treinado e temos de conhecer todas as coleções", afirma o responsável por esta área de negócio ao SAPO Lifestyle.

Workshop Inside Inside Authenticity - relógios
Workshop Inside Inside Authenticity - relógios Número de série falso vs. número de série original créditos: Catawiki divulgação

Os relógios – a categoria mais importante para a plataforma de leilões que, só no ano passado, registou lucros de 86 milhões de euros a nível ibérico – dividem-se em três departamentos: vintage (fabricados até 1979), modernos (de 1980 até ao presente) e exclusivos. Assim que é submetida uma peça para avaliação, um dos primeiros detalhes a serem analisados são as inscrições traseiras, onde devem constar o número de série e a referência. Ainda que a sua localização e gravação possam variar de marca para marca, o número de série – que deve ser igual ao que consta no certificado de autenticidade – é uma boa forma de detetar uma eventual réplica. “No lado esquerdo podemos ver os símbolos e este é original. No lado direito existe algo estranho com este relógio, que é um Breitling. A referência é AB0131, que pertence ao primeiro relógio, mas os falsificadores criaram uma réplica mal conseguida com a mesma referência”, demonstra durante o workshop sobre esta característica que foi clonada, mas que é única, exclusiva e irrepetível.

Para além da qualidade dos materiais e do acabamento, outros sinais que podem indicar que estamos perante um produto falsificado encontram-se no mostrador e ponteiros. Neste contexto são analisados detalhes como o tipo e tamanho de letra, o formato, alinhamento e espaçamento entre os números, a cor e acabamento da caixa, o logótipo, bem como a própria luminescência do relógio que faz com que brilhe no escuro.

Workshop Inside Inside Authenticity - relógios
Workshop Inside Inside Authenticity - relógios Mostrador falso vs. mostrador original créditos: Catawiki divulgação

O especialista de 57 anos explica que as chamadas super fakes – cópias de qualidade elevada que, visualmente, são praticamente idênticas às originais – são um dos maiores desafios devido ao seu nível de detalhe e sofisticação, que tem vindo a crescer nos últimos anos, e consegue enganar até os colecionadores mais experientes. “É possível encontrar um Rolex ou um Cartier muito parecido com o original, mas vendido por cerca de 1.200 euros. Trata-se de uma réplica cara, criada através do processo conhecido como engenharia reversa: os falsificadores compram um relógio autêntico numa fábrica chinesa e copiam todas as suas partes. É por isso que somos uma equipa e precisamos de verificar tudo”, afirma.

Os modelos Daytona da Rolex, Speedmaster e Moonwatch da Omega, Carrera e Formula 1 da TAG Heuer, Royal Oak 15400 da Audemars Piguet e Nautilus da Patek Philippe estão entre os mais populares nos mercados de contrafação. “Se forem a uma boutique da Patek Philippe, e disserem ‘Quero este relógio Nautilus’, vão rir-se.. Nunca vão poder comprar este modelo porque foi descontinuado, mas se quiserem o novo Cubitus vão dizer-lhes ‘Existe uma lista de espera de sete anos’”, refere sobre estes modelos que só estão ao alcance de um grupo restrito de pessoas.

Workshop Inside Inside Authenticity - relógios
Workshop Inside Inside Authenticity - relógios Certificado falso vs. certificado original créditos: Catawiki divulgação

A liderar os países produtores de réplicas de relógios de luxo estão a China e a Turquia que têm vindo a evoluir nas técnicas usadas para enganar os menos experientes. Entre as principais tendências de contrafação está a produção e exportação de modelos com design de última geração e as funcionalidades mais recentes, privilegiando ainda materiais de alta qualidade que conseguem confundir até profissionais mais experientes. Graças a informações não-oficiais e fugas de informação, os falsificadores conseguem produzir e comercializar lançamentos que ainda não estão disponíveis nas lojas. “O meu antigo patrão viu à venda, nas ruas de Istambul por 120-180 euros, uma coleção de relógios de mergulho da Seiko antes de a marca ter começado o processo de fabrico”, conta.

Uma das suposições mais comuns entre público em geral é que se o relógio vem dentro de uma caixa e traz toda a documentação necessária, significa que é autêntico. Joaquín Fernandez Cebrián explica que isso nem sempre corresponde à verdade, tratando-se de uma das principais técnicas utilizadas pelos contrafatores para passar uma falsa sensação de legitimidade e enganar o comprador menos informado.

Se num relógio tradicional estes dois elementos parecem não ter muito valor, o caso muda de figura quando estamos perante um exemplar premium ou de luxo. O perito explica que nunca se deve abrir mão da embalagem, documentação, manual de instruções, certificado de autenticidade e acessórios originais uma vez que esses documentos garantem que o artigo não desvaloriza ao ser revendido. Por exemplo, um Rolex em boas condições, com o set completo, pode fixar-se entre os 28 e os 30 mil euros. Sem o certificado e a caixa o valor pode descer cerca de 5 mil euros.  “Isso é o que chamamos de DNA do relógio. Isso é super importante”, alerta.

Workshop Inside Inside Authenticity - relógios
Workshop Inside Inside Authenticity - relógios Movimento falso vs. movimento original créditos: Catawiki divulgação

E o que fazem quando têm dúvidas sobre a veracidade de algum artigo? Neste caso, e de forma a complementar o seu conhecimento, os profissionais da plataforma de leilões podem apoiar-se na base de dados interna e, ainda, recorrer à ajuda de fabricantes e de relojoeiros qualificados durante a revisão minuciosa do item em causa. Devido ao seu nível de especialização, formação qualificada e familiaridade com a marca são capazes de fazer uma análise ao examinar apenas o movimento do relógio. “Um especialista consegue detetar uma réplica num segundo”, explica, aludindo à importância que o mecanismo interno – responsável por mover os ponteiros, o calendário e eventuais complicações – adquire neste contexto.

Como parte do processo de autenticação, a empresa pode solicitar recibos de compra e de reparação. No caso dos relógios Rolex, os vendedores são instruídos a remover a bracelete para permitir a verificação do número de série, que, em modelos mais antigos, se encontra gravado no interior da zona de encaixe. Apesar de não entrarem no lote licitado, este tipo de elementos extra vão servir como provas que facilitam no processo de revisão para que não restem dúvidas sobre a autenticidade do produto. “Os falsificadores estão a fazer um trabalho cada vez mais sofisticado e, a cada dia que passa, está a tornar-se mais difícil. Mas estamos preparados para trabalhar,” conclui.

As principais armadilhas a evitar nas malas de marca

Workshop Inside Inside Authenticity - malas
Workshop Inside Inside Authenticity - malas Monograma falso vs. monograma original créditos: Catawiki divulgação

“Os principais elementos a verificar quando estamos a inspecionar uma mala são os logótipos, as costuras, as ferragens e, depois, os números de série. Estes são os quatro elementos básicos que devemos analisar sempre”, começa por explicar Lorenzo Altimani, especialista da plataforma no setor de moda.

Das 10 malas de mão em exposição no workshop “Inside Authenticity”, a que chama mais à atenção é uma Louis Vuitton Speedy, e não é pelos melhores motivos. Apesar de não apresentar deficiência na qualidade dos materiais, tipografia, cor, espaçamento ou impressão, no padrão Monogram, o símbolo LV, surge virado ao contrário. Apesar das dúvidas, o especialista garante que o exemplar é original e dá uma explicação. “Isso deve-se ao facto de utilizarem apenas um único pedaço de tela para fazer a mala.”

Workshop Inside Inside Authenticity - malas
Workshop Inside Inside Authenticity - malas Ferragem falsa vs. ferragem original créditos: Catawiki divulgação

Para que uma mala de luxo seja submetida a leilão ter um acabamento perfeito, ser isenta de falhas, com detalhes uniformes e milimetricamente alinhados não é garantia de nada. Em grande parte dos casos, pode ser bom indicador de que estamos perante um artigo verdadeiro. Um exemplo são as malas Hermès que, apesar de respeitarem rigorosos padrões de qualidade, ao serem feitas por artesãos especializados vão sempre ter pequenas variações que, aos olhos de alguém sem conhecimento, podem ser vistas como defeitos, mas que são um reflexo do savoir-faire da marca.

Por exemplo, no caso de uma réplica, como a gravação do logotipo é feita a laser este vai adquirir uma aparência mais superficial e mais difícil de detetar a olho nu. Já os quatro pés de apoio, localizados na base da mala, tendem a ter um aspeto mais arredondado e uniforme do que a aparência achatada que encontramos nas originais e que resulta da aplicação manual com um martelo. No caso das costuras e pespontos, as super fakes têm uma aparência uniforme e padronizada que não é suposto acontecer num modelo verdadeiro. “A Hermès é cosida à mão, por isso, se virmos imperfeições na costura, isso é um bom sinal. Significa que a mala é verdadeira.” Já o selo Made in Italy não deve ser visto com desconfiança em malas de maisons francesas, como Dior e Chanel, tendo em conta que uma grande percentagem de artigos de luxo são manufaturados em Itália.

De acordo com dados divulgados pela plataforma, no ano passado, foram identificados mais de 10 milhões de euros em produtos contrafeitos no mercado português. No caso das malas de marca, que estão no topo das categorias de moda, registaram um crescimento de 11,37% no número de anúncios fraudulentos face a 2024, seguidos dos acessórios (5,80%) e vestuário (4,09%).

Questionado sobre as marcas de luxo mais difíceis de autenticar, a resposta de Lorenzo Altimani recai nas francesas Hermès e Louis Vuitton. “As super fakes tornam o nosso trabalho muito difícil. O termo significa que a mala é, basicamente, 99% quase real”, elucida. O facto de muitas delas serem entregues com tudo aquilo que é esperado na experiência a retalho – caixa, recibo de compra, manual, saco protetor e acessórios – é um dos principais truques utilizados nas réplicas de malas de luxo.

Workshop Inside Inside Authenticity - malas
Workshop Inside Inside Authenticity - malas Número de série falso vs. número de série original créditos: Catawiki divulgação

Os números de série, que sempre foram um bom princípio orientador para se distinguir uma mala original de uma réplica, já estão na mira dos falsificadores há muito tempo. Tal como adianta o especialista, uma das soluções encontradas pela Louis Vuitton para contornar esta situação foi a substituição da impressão do número de série pela instalação de chips NFC (Comunicação de Campo Próximo), no interior das malas. Contudo, esta também é uma técnica que tem vindo a crescer no mercado de contrafação. Então como é possível verificar a legitimidade de um produto? “É possível falsificar tudo, mas o único sítio onde podemos ter acesso a toda a informação é na loja da Louis Vuitton”, revela.

A paixão de Lorenzo Altimani por malas começou na adolescência, em grande parte influenciada pela mãe. Mas foi graças aos vídeos de reviews e unboxings que cresceu a ver no Youtube que desenvolveu o seu conhecimento por itens de luxo. Quando concluiu a licenciatura em Administração de Empresas, decidiu dedicar-se à moda. Com uma década de experiência no setor do luxo, que inclui passagens pela Armani, Tod’s e Harrods, o jovem revela que até os melhores especialistas podem ser enganados. Ainda que os objetos submetidos à Catawiki sejam revistos de forma digital, existem detalhes que só conseguem ser verificados presencialmente.

Workshop Inside Inside Authenticity - malas
Workshop Inside Inside Authenticity - malas Tipografia falsa vs. tipografia original créditos: Catawiki divulgação

Responsável pela área de moda da plataforma desde 2020, de todos os itens que já teve de autenticar os modelos Speedy 20 da Louis Vuitton e uma Kelly da Hermès ficaram na memória pelo nível de perfeição que apresentavam. No caso da Louis Vuitton foi o formato “ligeiramente arredondado” com “um pedaço de plástico à volta que não fazia sentido” e o tom “demasiado dourado” e “muito brilhante” do fecho que o fez desconfiar de que se tratava de uma réplica. Na Hermès a única coisa que levantou suspeitas foi o touret, a parte metálica onde encaixa o cadeado da mala, que “estava com uma anomalia” e “não estava a rodar bem”. “É preciso alguma formação, mas também um pouco de intuição. É uma combinação de várias coisas”, afirma.

Sobre o mercado vintage, que tem vindo a crescer nos últimos anos, o profissional italiano faz algumas advertências. No caso da Chanel existem diretrizes bem definidas e devem ser tidas em conta pelos compradores. Nas malas mais antigas comercializadas pela maison francesa é esperado que os fechos tenham um formato redondo, semelhante a um medalhão, enquanto a zona onde consta o número de série apresenta um pouco de brilho. “Se alguma vez vir numa plataforma como a Vinted ou a Vestiaire uma mala com um fecho em formato de gota, não compre. Esta informação vem diretamente da Chanel.”

De acordo com a Catawiki, os Millennials, Geração X e Baby Boomers são quem mais procuram e mais investem em leilões de malas de luxo. Só este ano, um cliente já comprou seis malas da Hermès na plataforma que, quando adquiridas em tons clássicos como o preto e o dourado, são um item que dificilmente desvaloriza em revenda.

Para quem está a pensar em investir num bem de luxo, o perito aconselha os clientes a privilegiar plataformas de confiança (como a Vestiaire Collective, Vinted, The RealReal além da Catawaki) e realizar muita pesquisa antes de avançarem com a compra.

O SAPO Lifestyle viajou até Madrid a convite da Catawiki.

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