É verdade que a dor de perder um filho - qualquer que seja a idade dele - é extremamente violenta e, por isso mesmo,  desorganizadora do mundo interno de um pai e de uma mãe. Ainda assim, a situação tende a agravar-se quando falamos da perda um recém-nascido ou de uma morte em período de gestação, porque os pais vivem de forma mais sozinha e desamparada a perda. Por muito que uma família e amigos em torno de um casal se esforcem, por norma, há a sensação de que ninguém compreende esta perda, porque o bebé ainda - quase - só existiam no interior da mãe e do pai. E, esta sensação de um casal viver a dor sozinho, faz com que a dor ganhe proporções maiores e contornos mais angustiantes.

Não nos podemos esquecer que, no período de gravidez, um bebé vai nascendo todos os dias no coração de um pai e de uma mãe.  E, sempre que a barriga cresce mais um pouco, sempre que se sente um movimento do bebé, como não poderia deixar de ser, um pai e uma mãe vão-se ligando a um filho, vão criando expectativas, vão sonhando o futuro e o bebé nos seus braços. E esta vivência é muito única e muito emocional, sendo que, ao fim de 9 meses de gravidez, um bebé já vive e faz parte da família de uma forma clara, já tem uma identidade e, muitas vezes, um papel no interior da família.

Assim, perder um filho antes mesmo de termos tido a oportunidade de viver com ele fora da barriga, traz ao coração dos pais uma tónica de vazio, como quem a partir daquele momento deixa de se sentir completo e inteiro e traz ainda, por vezes, uma tónica de culpa, quase como se, os pais tivessem a sensação que poderiam ter feito alguma coisa diferente, que poderiam ter tomado outras opções. Apesar de na grande maioria das vezes, a perda não se dever a fatores que podem ser controlados pelos pais, a dor é tão esmagadora e forte que os pais acabam por resvalar para um sem fim de perguntas que os levam sempre à questão de “e se tivesse feito diferente, será que o meu bebé estava aqui?”.

Quando associado a tudo isto, há um outro bebé, como acontece com os gémeos, em que sobrevive um e se perde o outro. A dualidade aumenta e, se por um lado, os pais sentem que vão buscar a força e o sentido de vida ao bebé que sobreviveu - o que é, invariavelmente, verdade - por outro lado, o bebé que sobrevive representa sempre a lembrança do bebé que se perdeu.

Por tudo isto, nestas circunstâncias, é fundamental que pai e mãe respeitem a sua própria dor, que se permitam a sentir, que se permitam a quebrar emocionalmente e a chorar, pois a perda de um filho implica sempre que os pais se sintam perdidos, se sintam de alguma forma a morrer com o próprio filho.

Assim, o perigo maior para a saúde emocional dos pais reside na ‘fuga para a frente’, naquele momento em que os pais sentem que têm de agir porque há outro bebé ou outros filhos a precisar deles, porque todos dizem “força, a vida continua!”, e um casal não se permite a viver a dor.

Na verdade, quando se perde um filho - seja em bebé, ou em adulto - a vida pára, a vida por momentos não continua, nem há como continuar. E, nestas circunstâncias, é essencial viver essa perda, acolher a dor que se está a sentir, durante o tempo necessário. Para, mais tarde, com muito amor, e aos poucos, se poder fazer a ‘vida continuar’, para - se for o caso disso - se poder estar disponível para outros filhos e se poder olhar para o bebé sobrevivente, sem a sombra do bebé que se perdeu. Mantendo cada um dos filhos sempre a habitar no coração de um pai, porque um filho - mesmo que seja perdido durante a gravidez - nunca se perde, nunca morre de verdade. No coração de um pai ou de mãe, um filho permanecerá para sempre como parte da história e do amor de cada um dos pais.

Um artigo das psicólogas Cátia Lopo e Sara Almeida da Escola do Sentir.