O recente debate acerca do reconhecimento do luto dos tutores de animais de companhia pelas entidades laborais, para atribuição do direito à falta devido ao falecimento dos animais de companhia, colocou a descoberto o estigma que ainda predomina na sociedade portuguesa. Foram vários os comentários nas redes sociais sobre o tema, tais como “Isto é o verdadeiro fanatismo” ou “Morreu o grilo, tenho direito?”. No entanto, a investigação mostra que a perda de um animal pode ser tão dolorosa como uma perda humana.

Seria de uma tamanha insensibilidade e crueldade referir a uma pessoa em processo de luto “Não faz mal, podes sempre arranjar outro marido!”. Por oposição, considera-se erradamente aceitável que se afirme “Era apenas um cão!” ou “Podes adotar outro gato, há muitos!”.

A relação com um animal de companhia envolve características difíceis de alcançar nas relações humanas, como é exemplo o amor incondicional, a lealdade e a aceitação ausente de julgamentos ou críticas e a consequente sensação de proteção e segurança. Desta forma, a ligação emocional com um animal pode transcender uma relação humana e o processo de luto pode ser tão doloroso como a morte de uma pessoa próxima.

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À luz de outras perdas, esta envolve um impacto emocional intenso (raiva, culpa, vazio, solidão, tendência ao isolamento social) e exige a adaptação a um mundo sem a segurança, conforto e amparo inerentes à relação perdida, mas com um enorme enriquecimento emocional que jamais teria existido na ausência da relação com o animal.

Ainda assim, continua a existir um enorme estigma social perante este necessário processo de luto. As frases feitas são constantes, “Por favor, antes um animal que uma pessoa!”, o que contribui para o sofrimento e isolamento social das pessoas em luto, as quais se sentem sozinhas e até mesmo ridicularizadas pelos outros. Por exemplo, apesar da indisponibilidade emocional e cognitiva, a perda tende a não ser comunicada no contexto laboral, dada a antecipação de uma atitude de minimização do sofrimento. Não raras vezes, é exigido que a pessoa continue a trabalhar, como se nada tivesse acontecido (“Animal não é família, tens de trabalhar!”). Esta experiência de perda pode ser vista como duplamente solitária, dado que o suporte emocional que era providenciado pelo animal e que foi perdido não é, de todo, substituído pelo apoio das pessoas mais próximas.

As investigações referem que, à semelhança de uma perda humana, este luto também diverge em função das circunstâncias da morte. Por um lado, mortes repentinas e inesperadas (por exemplo, o atropelamento) encontram-se associadas a reações problemáticas, como o choque, sentimentos de raiva direcionados para o próprio (“Não fui capaz de proteger o meu cão e foi atropelado!”) ou para os outros (“Duvido que os veterinários tenham feito tudo o que podiam para salvar o meu gato”) e a uma sensação de culpa (O que é que eu deveria ter feito para prevenir o que aconteceu?).

Por outro lado, um luto antecipatório (também descrito como “perda anunciada”, por exemplo quando existe uma doença terminal) pode ser uma experiência potencialmente traumática, em particular se a pessoa tiver um papel ativo na morte do animal. Tomem-se como exemplo os casos de eutanásia, nos quais as pessoas tendem a apresentar processos de luto intensos. A frequente questão “Quando é o momento certo?” implica que exista um momento “certo” e um “errado” e que, por isso, a tomada de decisão envolva confusão, ansiedade e culpa.  Por outro lado, alguns estudos demonstram que os casos de eutanásia podem associar-se a lutos menos severos e, por vezes, a sensações positivas, como a satisfação e o alívio por ter existido a coragem de tomar a decisão considerada como a mais benéfica para o animal de companhia. Estas discrepâncias podem ser originadas pelo diferente suporte emocional que é oferecido pela equipa médico-veterinária e pela rede de suporte social, aquando da dolorosa tomada de decisão e consequente período de luto.

O impacto emocional da perda varia também em função do período de vida em que a pessoa se encontra no momento da morte do animal. 

Na infância, a morte de um animal de companhia tende a ser o primeiro contacto da criança com a morte e, por sua vez, pode ser um importante momento de aprendizagem. Apesar do impacto emocional negativo, esta experiência origina os primeiros pensamentos acerca da morte, discussões acerca do ciclo da vida com os pais e, como referido, pode constituir um importante modelo de referência para gerir as perdas que vão surgir, inevitavelmente, ao longo da sua vida.

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Na vida adulta, o impacto incide nas mudanças provocadas na dinâmica familiar, as quais intensificam o sofrimento individual dos membros envolvidos. Tome-se como exemplo um animal que desempenhava um papel crucial nas rotinas do casal. Na sua ausência, o casal sente-se perdido e necessita de reorganizar todo o seu quotidiano. A existência de um sistema familiar aquando da perda, como ter filhos e outros familiares próximos, é um importante fator de proteção perante complicações no luto, dado que assegura o apoio emocional e reduz a tendência ao isolamento.

Para as pessoas idosas, esta perda pode ser particularmente difícil, dada a tendencial relação de dependência nutrida com o animal. Na maioria das vezes, era a presença do animal que compensava a ausência de relações sociais, colmatava a solidão e providenciava motivação para investir na saúde física e mental. Esta perda pode também funcionar como um lembrete de outras perdas e da finitude da vida.

Neste sentido, a morte de um animal de companhia leva a que, frequentemente, as pessoas e terapeutas sejam invadidos pela questão "É importante adotar ou ter outros animais para superar a perda?". Esta é uma decisão individual, complexa e que leva a diferentes respostas. Por exemplo, algumas pessoas necessitam de algum tempo e espaço emocional para considerar a hipótese de ter outro animal, outras sentem que estariam a trair o animal perdido e outras recusam-se sequer a pensar nesta ideia, dado o medo de vivenciar, novamente, a experiência avassaladora da morte.

Alguns estudos referem que possuir outros animais pode, em parte, dificultar o processo de luto, dado o risco de serem desenvolvidos sentimentos de raiva face aos animais sobreviventes, particularmente se o animal perdido era o preferido, o que reforça a ideia de que cada animal é único e insubstituível. Outras investigações referem que a aceitação da perda envolve que a pessoa seja capaz de arriscar alguma proximidade com outro animal e que, neste sentido, as famílias que adotaram novamente um animal apresentavam níveis mais reduzidos de sintomatologia depressiva.

O estigma social tem vindo a dificultar os pedidos de ajuda psicológica, sendo que a repressão das emoções e a ausência de apoio encontram-se associadas a dificuldades no processo de luto. Desta forma, o papel do psicólogo pode ser crucial para alcançar o bem-estar, envolvendo, por exemplo:

- Eliminação de emoções e pensamentos nefastos, como a culpa;

- Identificação de estratégias para regular o sofrimento, como são exemplo as técnicas de relaxamento;
- Educar acerca do processo de luto, no sentido de normalizar a vivência dos sintomas;

- Ponderar rituais facilitadores da aceitação da perda, como plantar uma árvore em homenagem à vida do animal;

- Promover o autocuidado da pessoa em luto.

Todo este processo ocorre num contexto seguro, baseado na aceitação, respeito e empatia pelo sofrimento da pessoa em luto.

Segundo Anatole France, escritor francês, "Até que alguém tenha amado um animal, uma parte da sua alma permanece por despertar”.

À letra da lei, entende-se por animais de companhia, exclusivamente, os cães, gatos e furões, fazendo sentido que quanto a estes fosse reconhecido o impacto que a morte do animal pode representar para os seus tutores. Porém, é também importante ter presente que o sofrimento é subjetivo e, por isso, podem existir processos de luto derivados da morte de outros animais, dado que a intensidade do sofrimento é influenciada pelo nível de proximidade emocional com o animal. Para ter este alcance precisamos de uma sociedade mais empática. No limite, mesmo tratando-se de uma reação emocional intensa desajustada, estamos a falar de uma questão de saúde mental, a qual beneficiará mais de uma resposta especializada do que um qualquer estigma.

As explicações são de Mauro Paulino e Sofia Gabriel, da Mind – Psicologia Clínica e Forense (www.mind.com.pt)