No mundo em que vivemos hoje, não é propriamente fácil o simples ato de parar. Porque não estamos apenas a falar da ausência de atuar, de deixar de fazer coisas. Estamos a falar da ausência de pensar nas coisas que temos para fazer, nas coisas sobre as quais temos de atuar. Definir meditação é entrar em terreno um pouco pantanoso. Porque uma das primeiras coisas que se aprende quando se começa a estudar o tema é que há diferentes definições de meditação.
O conceito varia consoante a abordagem ou a escola da qual estivermos a falar. Mas nunca será muito errado dizer que meditação é um ato de contemplação mental. Pode haver depois é vários instrumentos ou formas para lá chegar. Há a meditação budista, a zazen, a hare krishna, a transcendental, há a vipassana e a taoísta, há o mindfulness e a sua atenção plena e há, ainda, a meditação guiada, potenciada por famosas plataformas digitais como o Spotify ou o YouTube.
E há ainda o ioga. Não é por falta de opções que não meditamos e que não paramos. Richard Branson, Jack Dorsey e Oprah Winfrey. O que é que estes nomes têm em comum? Fazem meditação! Richard Branson, um dos empresários de maior sucesso no mundo, é um adepto da meditação. Jack Dorsey, diretor-executivo da Square e cofundador do Twitter, acorda às 05h00 manhã para meditar. A apresentadora Oprah Winfrey acredita que a meditação está diretamente relacionada com a sua qualidade de vida, com a eficiência no trabalho e sensação de paz. Warren Buffett, o bilionário nascido em 1930, considerado o maior investidor de todos os tempos, também cuida do corpo e da mente.
Lloyd Blankfein, nascido em 1954, que foi durante 12 anos diretor-executivo da Goldman Sachs, oferecia sessões de meditação e mindfulness aos seus funcionários. William Ford, o presidente da construtora de automóveis, declarou que durante períodos difíceis da companhia a prática do mindfulness permitiu-lhe seguir em frente. Marc Benioff, empreendedor americano nascido em 1964, diretor executivo da Salesforce.com, é adepto da meditação há cerca de duas décadas.
O que é que estes nomes têm em comum, para além da prática de meditação? São empresários, homens e mulheres de negócios, empreendedores e executivos de topo. Estão, todavia, longe da generalizada ideia preconcebida de que este tipo de abordagens é para pessoas mais ligadas às artes ou ao vegetarianismo eao veganismo. Ninguém fica minimamente espantado quando nomes de atores, cantores ou artistas em geral são apontados como seguidores da meditação.
Mas, em contrapartida, ainda são muitos os que se revelam surpreendidos se dissermos que um executivo de topo de 90 anos, por exemplo, usa a meditação para se concentrar nos negócios. Mas a verdade é que estas pessoas existem e têm êxito. "O mindfulness está finalmente a ser visto como merece por parte dos psicoterapeutas na investigação e na prática", garante mesmo Margaret Wehrenberg, psicóloga clínica, conferencista e autora de diversos livros sobre o tema.
Vou jogar ténis e venho já
Arnaldo prefere não ver publicado o seu último nome. Não que nos aportasse propriamente para alguém famoso, mas tão somente porque no seu meio a prática de ioga e meditação não era algo tido como muito sério e credível. Já o ténis, que invariavelmente usava como desculpa, fazia muito mais sentido. Bancário de profissão, filho de uma médica e de um engenheiro civil, praticamente toda a sua família direta, entre tios e primos são ligados à área das ciências.
Casado, pai de duas meninas, nunca se sentiu à vontade para comentar em casa o ter iniciado a sua prática de ioga, que mais tarde o levaria a se aproximar da meditação transcendental. "A primeira vez que experimentei ioga foi há mais de 15 anos, numa brincadeira com um amigo. Mas, quando sai do estúdio, vi logo que havia ali algo mais do que uma mera postura física", desabafa. Passou a ir mais vezes ao ténis, a desculpa que inventou, descobrindo mais tarde a forma de meditação que considera mais adequada para si. A meditação transcendental é particularmente conhecida por requerer, à partida, pouco esforço.
É aconselhada a ser praticada duas vezes por dia, durante 20 minutos, com o praticante confortavelmente sentado numa cadeira com os olhos fechados. Não tem uma filosofia associada e não está ligada a outras crenças religiosas. Além disso, não requer mudanças no estilo de vida, o que era perfeito para Arnaldo. "Hoje, a minha família sabe que já fiz ioga e que às vezes preciso de um tempo para mim, mas não é um tema que debata em casa", admite.
"É uma coisa minha", assume. No banco onde trabalha, já passou por duas complicada integrações devido a fusões. Arnaldo não tem qualquer dúvida que alguma da lucidez nos tempos mais complicados vieram desses 20 minutos de contemplação. "É uma forma de estar plenamente no momento que se vive. Esta presença é a antítese da ansiedade", refere Margaret Wehrenberg. "O mindfulness reduz o impacto físico do stresse", garante ainda a psicóloga.
A história do monge que vendeu o Ferrari
Um dos exemplos mais conhecidos em Portugal de um empresário que abandonou tudo para se isolar durante quatro anos num retiro budista foi Carlos Quintas, fundador da tecnológica e bem sucedida Altitude Software, que em 2019 fez 25 anos de fundação. Em 2001, com o negócio a crescer, eram os desportos radicais que o motivavam. Mas uma visita de Dalai Lama, líder espiritual budista, a Portugal, mudou por completo a sua vida. Literalmente por completo.
"Há qualquer coisa que se sente na presença dele que nos traz alguma paz que é um pouco invulgar", disse então à comunicação social. Casado e pai de dois filhos, vendeu a quota que tinha na empresa, deixou tudo e parou. Exatamente como a personagem principal do livro "O monge que vendeu o seu Ferrari", publicado em Portugal pela editora Pergaminho. Rumou, na altura, a França para um local de retiro que acolhe pessoas de vários cantos do mundo.
Mas, lá, a prática é feita em isolamento quase completo. No site da Altitude, na cronologia de eventos, refere que "um dos fundadores, Carlos Quintas, dedica-se ao budismo". Em 2015, era investidor imobiliário e dizia dedicar algumas horas por dia à meditação. A mudança foi radical e positiva. "Os estudos sobre o impacto da meditação no cérebro e no corpo demonstram que a prática desta técnica tem um efeito calmante no cérebro", sublinha Margaret Wehrenberg.
A minha meditação é melhor do que a tua
Não há meditações melhores do que outras. O que há são meditações que se adaptam melhor a determinadas pessoas, como também defende Margaret Wehrenberg. Um dos tipos que mais adeptos tem vindo a ganhar nos últimos anos é o mindfulness, traduzido para português como atenção plena. E são basicamente duas as intenções desta prática. A primeira é direcionar a atenção para o momento presente, focar a atenção naquilo que estamos a fazer nesse momento.
Uma segunda intenção é a de reconhecer quando deixamos de estar atentos ao que estamos a fazer e redirecionarmos novamente o foco para o momento presente, o que nem sempre sucede. Carla Martins, psicóloga clínica e fundadora do Ser Integral - Centro Português de Mindfulness, explicou-nos que no mundo moderno, estamos constantemente a ser bombardeados com estímulos que nos chegam de todos os lados e que facilmente nos distraem do nosso foco.
"Cada vez mais a nossa atenção se movimenta de um estímulo para o outro reforçando ligações neuronais associadas à tendência da mente vaguear. Consequentemente, há cada vez mais dificuldade em manter a concentração em apenas uma tarefa", afirma. A prática de mindfulness tem, precisamente, por objetivo ajudar a fomentar circuitos neuronais associados à atenção, ao foco e à concentração e é, ao contrário do que muitos ainda pensam hoje, acessível a todos.
Os que a procuram são, precisamente, a prova disso. "Recebemos pessoas calmas e stressadas, ansiosas e serenas, alegres e deprimidas, saudáveis e com desequilíbrios físicos, homens e mulheres, crianças, adolescentes, adultos e seniores e todos, sem exceção, conseguem fomentar esta capacidade de estar no momento presente", refere a especialista. Para uns, poderá ser mais fácil e haver menos desafios na aprendizagem mas, independentemente da experiência individual de cada um, todos conseguem aprender e experienciar esta arte de viver no momento presente", garante mesmo Carla Martins. Para isso, segundo a especialista portuguesa, basta apenas dedicação e prática. E ainda uma outra coisa, um pormenor que pode, na realidade, fazer a diferença.
Idealmente, a orientação de instrutores qualificados com experiência suficiente para os ajudar a lidar com desafios inerentes a este processo de aprendizagem e conscientização do mundo interno. Margaret Wehrenberg concorda com a especialista. "Vale a pena usar esta técnica pela primeira vez com um parceiro que possa orientá-lo", escreve a psicóloga clínica em "As 10 melhores técnicas para vencer a ansiedade", publicado em Portugal pela editora Sinais de Fogo.
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