O primeiro passo não podia ser mais simples. "Escolha um chocolate que raramente costuma comer. Abra a embalagem. Sinta o aroma. Parta um quadrado e examine cada bocadinho. Coloque-o na boca. O chocolate tem mais de 300 sabores diferentes. Veja se consegue sentir alguns. Se reparar na sua mente a vaguear enquanto faz isto, registe simplesmente para onde é que ela foi e traga-a de novo para o momento presente", desafia Mark Williams.
"Depois do chocolate ter derretido por completo, engula-o muito devagar e deliberadamente. Repita isto com o quadrado seguinte", prossegue o britânico, professor de psicologia clínica na Universidade de Oxford e diretor do Centro de Mindfulness de Oxford. "Como se sente? Diferente do normal?", interroga. "O chocolate soube melhor do que se o tivesse comido a um ritmo acelerado?", questiona o especialista.
Esta é a meditação do chocolate e, se respondeu que sim às questões que o especialista lhe coloca, então está no bom caminho para iniciar o programa que este propõe. Se começar a apreciar estes pequenos prazeres da vida de uma forma completa, imagine como será apreciar os grandes momentos. Reprograme a sua mente com a ajuda de um verdadeiro antidepressivo natural, ainda desconhecido de muitos.
Este programa de oito semanas de terapia cognitiva baseada na atenção plena, MBCT na sigla inglesa, foi desenvolvido em parceria por Mark Williams da Universidade de Oxford, John Teasdale da Universidade de Cambridge e Zindel Segal da Universidade de Toronto. Os três especialistas trabalharam em conjunto com o objetivo de ajudar pessoas a recuperarem de crises repetidas de depressão grave.
Terapia inovadora ajuda a diminuir crises
Estudos realizados no acompanhamento de grupos de pacientes submetidos pelos especialistas estrangeiros à terapia cognitiva baseada na atenção plena provaram que esta reduz em 50% o risco de novas crises, é tão eficaz como os antidepressivos e ajuda a prevenir as primeiras crises depressivas, já que impede que sentimentos normais de ansiedade, stresse e tristeza atinjam níveis patológicos.
O reconhecimento da eficácia desta abordagem levou a que o Serviço Nacional de Saúde Britânico a recomendasse como primeira terapia no combate à depressão naquele país. Mark Williams, com a colaboração do jornalista Danny Penman, passou o programa para o papel, editando "Mindfulness – Atenção plena: O plano de oito semanas que libertou milhões de pessoas do stresse e da ansiedade".
O livro, publicado em Portugal pela editora Lua de Papel, depressa de tornou num dos mais vendidos. No lançamento da edição portuguesa, o autor esteve em Lisboa, para realizar um seminário sobre mindfulness na Fundação Champalimaud. Numa sala literalmente a abarrotar, falou com graça e propriedade para uma assembleia sedenta de informação, onde até houve tempo para dois pequenos períodos de meditação.
Em entrevista à Prevenir, o autor revelou, momentos depois, um pouco mais sobre esta terapia que apresenta uma abordagem inovadora que, pelo ingrediente aconselhado, atrai milhares no mundo. "Não faz mal se nos sentirmos desconfortáveis, mas não precisamos de deixar-nos levar", refere Mark Williams. "Podemos ignorar, afastar-nos desses pensamentos. O mindfulness permite isso", assegura ainda o especialista.
No Reino Unido ou em Portugal, as pessoas procuram a mesma coisa?
Não é uma questão de nacionalidade. Pessoas diferentes procuram coisas diferentes. Mas quase todas sentem que precisam de tempo para se relacionarem consigo e com os seus valores, sentem que precisam de viver uma vida que valha a pena ser vivida. As pessoas querem tempo e paz. O mindfulness ajuda-as a conquistá-los. Mas não se trata de procurar a felicidade, porque isso parece ser outra coisa que traz ansiedade, que precisamos de fazer.
E felicidade vem por acréscimo?
A felicidade vem mas chega como um subproduto. Nas tradições antigas, onde esta meditação se baseia, a felicidade surge relacionada ao amor, à compaixão e à gentileza. Mas também à alegria. Nós usamos a palavra felicidade, eles usam a palavra alegria.
Da forma como fala parece quase religioso…
A arte de apreciar o silêncio e a calma está no coração de muitas religiões. Nalgumas partes do mundo, a religião tornou-se algo com demasiadas palavras e obrigações. Estamos numa fase de redescoberta do tempo, sem os constrangimentos da religião. Procuramos viver uma boa vida, mas não porque alguém nos disse que devia ser assim. Viver uma vida autêntica, mais terra a terra.
Posso praticar mindfulness e conquistar o que é suposto, mesmo que à minha volta ninguém o faça?
A primeira coisa em que pensam muitas pessoas que descobrem o mindfulness é "Isto era uma coisa muito boa para o meu companheiro, os meus filhos, o meu chefe...". É comum pensarmos que não vamos ser felizes enquanto todas as pessoas à nossa volta não o forem. A questão é "Como podemos encorajar as pessoas a fazê-lo?". A melhor maneira é se nós o fizermos.
O que se observa é que se um membro da família o faz, a família muda também ligeiramente. Se estiver mais atento, consegue antever alguns sinais de conflito. Por exemplo, quando uma criança chama, se o pai em vez de gritar "O que foi", se virar e perguntar tranquilamente "O que precisas?", a criança vai responder sem a sensação de se estar a iniciar uma batalha.
Por vezes, sabemos o que é bom para nós, mas nem sempre conseguimos fazê-lo…
Isso é verdade, talvez porque o que nos faz bem vem de diferentes partes do corpo e da mente. "O que é bom para mim" é normalmente uma ideia que vem da cabeça e, nesse sentido, é algo que parece que nos estão a dizer para fazer. Algo em nós se rebela. Quando é o nosso corpo que nos diz que algo é bom para nós, respondemos melhor.
Passa por não ignorar as questões mais racionais, mas estar mais atento ao que o corpo deseja. Se o fizermos, poderemos apreciar um único pedaço de chocolate, mais do que se comêssemos toda a caixa.
No seminário que promoveu em Portugal afirmou que, enquanto humanos, evoluímos e, por isso, pensamos. Mas também disse que pensar também trouxe desvantagens...
Nós temos a capacidade de imaginar, muito além da própria situação. Se estamos ansiosos com alguma coisa que aconteceu no trabalho, imaginamos um cenário que nos faz pensar nas coisas e aumentamos o problema. É como se estivéssemos sempre a fazer um filme de ficção, baseado em alguns factos reais.
Se estivermos mais ansiosos, o filme vai numa direção, se estivermos noutra disposição, muda de direção. O mindfulness permite-nos ter noção de estarmos a fazer o filme, de pensar que aquilo é apenas uma história e de que não preciso ir por ali.
Podemos pensar nas coisas e senti-las, mesmo que sejam desagradáveis, pensar sobre elas e deixar que se desvaneçam. Não faz mal se nos sentirmos desconfortáveis, mas não precisamos deixar-nos levar. Podemos ignorar, afastar-nos desses pensamentos. O mindfulness permite-nos ser realizadores dos nossos pensamentos e, consequentemente, da nossa vida.
Os benefícios da meditação de atenção plena
Estudos desenvolvidos no Centro de Mindfulness de Oxford comprovam que as pessoas que meditam com regularidade são mais felizes e satisfeitas e defendem que as emoções positivas contribuem para uma vida mais saudável. Eis alguns exemplos das vantagens desta terapia:
- Diminui ansiedade, depressão e irritabilidade
- Aumenta o vigor físico e mental
- Reduz os indicadores-chave do stresse crónico, incluindo a hipertensão
- Reduz o impacto de doenças graves, como a dor crónica e o cancro
- Ajuda na libertação das drogas e do álcool
- Fortalece o sistema imunitário, ajudando a combater constipações, gripes e outras doenças
A meditação passo a passo
1. Sente-se numa cadeira de espaldar reto, com os pés bem assentes no chão e feche os olhos.
2. Concentre a atenção na respiração, na maneira como o ar entra e sai do seu corpo. Esteja atenta às diferentes sensações de cada inspiração e expiração.
3. Ao fim de algum tempo, a mente começa a divagar. Quando se aperceber disso, redirecione suavemente a atenção para a respiração, sem se esforçar muito. Conseguir aperceber-se de que a mente divagou e trazer a atenção de volta sem se criticar é fundamental para a prática da meditação da atenção plena...
4. A sua mente poderá atingir um estado de quietude como uma lagoa tranquila. Mesmo que tenha uma sensação de calma absoluta, poderá ser apenas passageira. Se se sentir zangado ou desesperado, também esta sensação poderá ser apenas passageira. Seja como for, deixe que aconteça.
5. Passado um minuto, deixe que os olhos se abram e tome consciência de onde está.
Texto: Rita Duarte com Mark Williams (professor de psicologia clínica na Universidade de Oxford e diretor do Centro de Mindfulness de Oxford no Reino Unido)
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