«Após a minha rápida e brilhante ascensão profissional, que me levou ao topo das grandes hierarquias, percebi que afinal não tinha nada. Exteriormente, tinha tudo o que sonhara ter, mas não tinha nada dentro de mim. À noite, deitava-me imerso nos pensamentos de como alcançar novos objetivos, de como conseguir que o meu nome ficasse impresso nos livros de gestão», revela Sónia Carvalho, o nome fictício de uma gestora de empresas.

Não era, contudo, a única desanimada. «A minha mulher, que eu achava amar, contribuía para sedimentar o meu estilo de vida. No entanto, aos poucos, deixou de me pedir explicações por atrasos ou ausências, de me pedir que a acompanhasse às compras, ao cinema ou ao médico, deixou de falar-me do seu dia e tão pouco se continuou a preocupar com a escolha da minha gravata», desabafa Pedro Henriques, advogado. A rutura foi inevitável.

«Impus-me então, após um duro divórcio, uma pausa sabática de dois anos onde acabei por concluir que não fizera nada de grandioso. Para ser sincero, acho que nunca criei ou inventei nada de extraordinário. Estive amarrado à ideia de que era alguém muito importante. Às vezes, questiono-me se valeu a pena ter ficado preso à condição de fazer tudo para que outros prosperassem e eu beneficiasse com isso», revela hoje.

Os especialistas que trabalham em relação de ajuda confrontam-se muitas vezes com descrições de vidas como esta. Na exigência que impomos a nós mesmos, nunca nada é suficientemente glorioso, visível ou importante. Desvalorizamos as pequenas conquistas, que são passos gigantes para afirmar a nossa singularidade, o nosso valor único e distintivo, a nossa capacidade de ver para além do momento presente, para além das crises que enfrentamos.

Pequenos momentos que nos devolvem a capacidade de acreditar na vida e na nossa força infinita para fazer a mudança. Para sermos efetivamente alguém de quem gostamos, alguém com sentido para si mesmo, é preciso muitas vezes passarmos pela contingência de não ter nada. É preciso passarmos pela desmaterialização, praticarmos o desapego. Desde logo, desapegarmo-nos das expetativas que colocaram sobre nós, dos objetivos que perspetivaram para nós.

Ao mesmo tempo, desapegarmo-nos da ideia de que não somos merecedores. De que nunca somos suficientes. De que o nosso merecimento depende do valor que os outros nos atribuem. Praticar o desapego significa, apenas isto. É ter a coragem para deixar ir. Rendermo-nos. Deixar ir velhos preconceitos, as guerrinhas do dia a dia, a raiva, a ira, a angústia, o nó no estômago, o medo de falhar, o perfecionismo, a preocupação do «E se?» e do «Como vou conseguir lá chegar?».

Praticar o desapego significa ter coragem de nos assumirmos pelo que somos e não pelo que temos. Desapegar é, no entanto, muito difícil. Desde logo, porque temos consciência de que podemos estar a sair para o nada, a deixar algo para entrar no vazio. Neste processo, surge a sensação interna de que podemos cair. E com essa sensação, o medo e a vontade de ficar imóvel. De ficar voluntariamente preso à nossa zona de conforto.

Em termos existenciais, distinguimos dois tipos de necessidade de praticar o desapego, o desapego relativo ao passado (ao que tivemos e já não temos, ao que amámos e que será irrepetível, à culpa e à perda) e o desapego face ao futuro (ao que pode ou não vir a acontecer, ao que não podemos mas desejamos prever).

Finalmente, praticar o desapego significa percebermos e interiorizarmos que a única coisa que podemos efetivamente controlar é a escolha do que sentimos face ao que nos acontece. Esta é a base da sabedoria emocional. Tudo o resto é apego ao velho e não nos serve para nada.

Texto: Teresa Marta (mestre em relação de ajuda e consultora de bem-estar)