A realidade pandémica tem vindo a alterar diversos paradigmas a nível pessoal, relacional e social, manifestando-se na vivência de uma “nova normalidade”, a qual exige capacidade de adaptação, que permita ultrapassar os desafios a curto, médio e longo prazo.

Elsa Jovita Gomes, enfermeira, considera que “este vírus trouxe, de forma repentina, muitas alterações ao nosso dia a dia, algumas que se preveem duradouras ou mesmo permanentes”, referindo-se a exemplos vários como “o teletrabalho, o uso de máscara, os separadores em acrílico em lojas e serviços públicos, o uso regular de desinfetante para as mãos, a preocupação com o distanciamento social e com a higienização de superfícies”.

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Adicionalmente, tem surgido uma panóplia de meios eletrónicos, desde aqueles que permitem medir a temperatura corporal, até às aplicações de telemóvel que permitem identificar se estivemos próximos de pessoas infetadas. A fim de evitar o descontrolo da pandemia e o colapso dos sistemas de saúde, a profissional de saúde não tem dúvidas “as alterações na nossa maneira de viver, naquilo que muitos já chamam o "novo normal", serão para continuar”.

Mauro Vicente, colega de profissão, corrobora, defendendo que “havia um mundo antes e haverá um mundo depois da Covid-19. Do ressurgir desta crise, ficará para a história a forma como os países e governantes a enfrentaram, a nível de saúde pública e a nível social e económico, assim como ficarão novos hábitos individuais, que visam a nossa própria proteção e a proteção do outro, como se o vírus nos obrigasse, à força, a estar em família e a ter um cuidado com o outro, algo que a nossa sociedade, materialista e individualista, parecia ter perdido”.

Marta Silva, enfermeira especialista em saúde mental, transmite que “nenhum sistema de saúde estava preparado para lidar com novas ameaças de saúde pública, que impliquem uma luta contra o desconhecido e o aumento súbito do número de doentes graves” e recorda Bill Gates que, numa Ted Talk em 2015, apoiado pela investigação cientifica e pela história, já havia alertado “para o facto de o mundo contemporâneo não estar preparado para uma próxima epidemia, que desafiaria toda a Humanidade e não apenas áreas geográficas específicas”.

Pedro Correia, médico, confirma que “o aparecimento súbito de milhares de novos casos levou a situações delicadas em muitos países, tendo de se decidir quem tratar, a quem dar a hipótese de sobreviver”, considerando que “o desenvolvimento de uma vacina é de extrema importância, de forma a colmatar o declínio da resposta imunitária do hospedeiro, ao longo do tempo, e para garantir a proteção da comunidade. O facto de não conhecermos, totalmente, o SARS-CoV-2, dificulta muito esta tarefa, não estando descartada a necessidade de recorrer a períodos de confinamento da população, para evitar a recorrência da infecção e diminuir a capacidade de transmissão do vírus”, salientando que “este vírus tem a particularidade de ser transmitido por indivíduos assintomáticos”.

A alteração prolongada do contacto social pode, segundo Mauro Paulino, autor e coordenador do livro, juntamente com Rodrigo Dumas-Diniz, gerar mudanças marcantes nas nossas vidas, particularmente nas populações mais vulneráveis, salientando a evidência de que “o atual contexto interfere com aquelas que são as necessidades sociais, psicológicas e emocionais básicas dos seres humanos. Se a base da intervenção social é largamente sustentada na relação com as pessoas, o distanciamento social, a ausência ou redução de atendimentos presenciais ou o regime de teletrabalho, fragilizaram esta importante interação”.

O psicólogo clínico e forense aponta que embora uma grande parte das pessoas com reações agudas ao stresse possa recuperar sem necessitar de tratamento, uma parte importante apresentará sintomas persistentes significativos, dado que “os níveis de ansiedade poderão ser debilitantes, devido a restrições de distanciamento social, ao ponto de prejudicar o funcionamento diário da pessoa”. Neste sentido, preconiza como fundamental que esta crise “dê espaço e impulso para abordar questões sobre a saúde mental, de uma forma colaborativa e numa perspetiva global, a qual exige um claro e imprescindível investimento. Estamos perante a oportunidade de introduzir inovações nos cuidados de saúde mental, suscetíveis de contribuir para melhorar o desempenho de futuras intervenções, assegurando a confidencialidade e equidade de acesso”.

São diárias as atualizações dos números de mortos, o que nos leva obrigatoriamente ao tema do luto, também um dos capítulos considerados nesta publicação reconhecida pela Ordem dos Psicólogos Portugueses.

Sofia Gabriel, psicóloga da equipa Mind - Psicologia Clínica e Forense, alerta que “quando uma pessoa é surpreendida por uma perda inesperada, essa pessoa encontra-se totalmente sem recursos emocionais para gerir a dor”. Soma-se a isto que as alterações originadas pela pandemia dificultaram também a disponibilidade do outro para prestar suporte aos que sofreram a perda de uma pessoa próxima. Para quem está a passar ou passou por uma situação de luto, “o regresso às rotinas é importante, mas fazer o luto é a prioridade”, alerta Sofia Gabriel.