Não abdica da sua corrida diária e, desde que começou, sente que o seu bem-estar físico e emocional depende, de certa forma, da sensação de liberdade que a corrida lhe proporciona? Então este artigo é para si. Não faria sentido dizermos-lhe para não correr todos os dias, tal como não incentivamos os corredores esporádicos a treinar todos os dias.

Mas é importante referir que, apesar dos benefícios da corrida na prevenção de doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes e colesterol, «o descanso é importante para repor os substratos energéticos gastos durante a atividade física e para a reconstrução das fibras musculares lesadas», explica o fisiologista Duarte Galvão. Quer isto dizer que moderação é a palavra de ordem.

Um estudo da American College of Sports Medicine recomenda, aliás, períodos de repouso entre cada treino para conseguir atingir os objetivos traçados, sem comprometer a saúde do corpo e da mente. Agora que já sabe disto, impõe-se a pergunta.

Está a exagerar no seu treino?

Porque gostamos de correr? «Gostamos de correr porque nascemos para nos locomovermos», mas o fator que explica o prazer associado à prática de corrida (e de exercício físico em geral), de acordo com o fisiologista Duarte Galvão, advém sobretudo da sensação de bem-estar promovida pela libertação de endorfina, «conhecida como a hormona do prazer, que tem efeito sobre as áreas cerebrais responsáveis pela regulação da dor, do humor, da depressão e da ansiedade».

Mas esta não é a única substância que produzimos durante esta prática desportiva. Luís Romariz acrescenta que a corrida «permite a libertação de outros neurotransmissores relacionados com o
bem-estar, como a serotonina, a melatonina (hormona que regula o sono), a testosterona e a hormona do crescimento, também associada ao rejuvenescimento».

Correr vicia?

Se correr faz disparar hormonas associadas à felicidade, podemos assumir que existe uma relação entre a frequência dos treinos e a sensação de bem-estar. Luís Romariz, confirma. «A libertação de endorfinas, de adrenalina e da hormona do rejuvenescimento promovida pela corrida conduz a um verdadeiro bem-estar, propiciando o vício», refere o especialista.

Duarte Galvão acrescenta que «as atividades de grupo, pelo espírito de contágio, são um fator que joga a favor deste efeito». Quando nos habituamos a um determinado estado de prazer conseguido através da corrida, tentamos alcançá-lo de forma contínua. O problema é que, na procura incessante pelo bem-estar, podemos acabar por exagerar. 

Os efeitos do excesso

«A prática de exercício só é benéfica se for do tipo treino intervalado em máxima intensidade, por exemplo, caminhar durante um minuto e correr com intensidade máxima durante 30 segundos, ou caminhar dois a três minutos e correr um a dois minutos», defende Luís Romariz, médico especialista em medicina antiging.

Quando se treina em excesso, todo o organismo fica cansado. O sistema imunitário fica enfraquecido, o coração entra em sobrecarga e o sistema musculoesquelético não recupera, tornando-nos suscetíveis de desenvolver lesões em qualquer uma das frentes. Os especialistas explicam o que pode acontecer quando exageramos na corrida e a importância do repouso na recuperação.

Aumento da hormona do stresse

«O exercício em excesso produz cortisona em excesso, uma hormona que ativa respostas do corpo em situações de emergência. Aumenta a pressão arterial e os níveis de açúcar no sangue (produção endógena de glicose que favorece a diabetes)», descreve Luís Romariz.

Produzida de forma recorrente, esta hormona favorece «uma inflamação persistente e baixa a imunidade. Inibe a produção de glóbulos brancos, deprimindo a sua função de defesa contra doenças», descreve o especialista. «Quando produzirmos cortisona em excesso, há um shutdown hormonal que pode provocar insónias, variações de humor, irritabilidade, fadiga e depressão», diz.

Envelhecimento precoce

Segundo a medicina antiging, «o excesso de exercício faz aumentar a produção de radicais livres, moléculas que, quando presentes em grande quantidade nas células, comprometem a sua integridade, conduzindo a um stresse oxidativo (um dos pilares do envelhecimento), com lesões das estruturas celulares mais expostas como as mitocôndrias (as centrais responsáveis pela produção de energia no interior das células e presentes, em grandes quantidades, nas células do sistema nervoso e do coração)».

Lesões de sobrecarga

De acordo com Duarte Galvão, tendinites, fraturas de fadiga ou mialgias são problemas que podem surgir, devido ao excesso de treino, que podem agravar-se, caso não se alivie o fator que está na sua origem.

«Quando treinamos, catabolizamos energia, degradamos as fibras musculares e gastamos reservas energéticas», refere Duarte Galvão. «O repouso é essencial para que o organismo tenha tempo de desenvolver as adaptações desejáveis ao exercício físico e de regenerar as estruturas que sofreram as cargas», sublinha.

É necessário que haja um equilíbrio entre o gasto e a reposição para uma boa manutenção do estado físico e funcional do corpo. «O descanso, após a atividade física, no que diz respeito ao corpo, em termos estruturais e fisiológicos, é determinante para a reposição dos substratos energéticos gastos durante a atividade física, e de reconstrução das fibras musculares lesadas. Sem este descanso podemos originar overtraining (sobretreino)», explica.

«As lesões/alterações causadas pelo treino em excesso são, na maioria das vezes, tratáveis, desde que não tenham chegado ao ponto de se tornarem crónicas ou permanentes, como por exemplo as lesões da cartilagem», conclui.

Esteja atenta às mudanças

Quando corre todos os dias, sem intervalos, sentir-se irritada após um treino intenso é normal e até comum. O cansaço e a falta de energia promovem essa sensação. No entanto, deve estar particularmente atenta a mudanças repentinas de humor que se prolonguem por mais de dois dias.

Estas, de acordo com um estudo da Universidade do Indiana, nos Estados Unidos da América, são o primeiro sinal, e o mais evidente, de que está a exagerar nos treinos e a desafiar os seus limites. Nesse caso, faça uma pausa de um dia na corrida. Quando regressar aos treinos, modere a intensidade.

Overtraining

Está a exagerar? O seu corpo dar-lhe-á pistas quando for hora de abrandar o ritmo. «O overtraining é caracterizado pela perda de desempenho decorrente de um treino demasiado excessivo e prolongado, seja no volume, intensidade ou tempo de recuperação insuficiente», explica Duarte Galvão. Esta situação tem consequências a nível físico e emocional.

Esteja atenta aos sintomas:

- Incapacidade de manter a intensidade do treino
- Aumento da fadiga em respostaao stresse excessivo
- Diminuição da velocidade, força e resistência
- Recuperação mais demorada a nível muscular e cardiovascular
- Falta de confiança
- Falta de persistência
- Diminuição do tempo de reação
- Ansiedade ou medo das competições
- Insónia
- Perda de apetite ou anorexia

Respeite o seu ritmo

Durante a corrida, tente repetir «parabéns a você» quatro vezes, sem perder o fôlego. Se não for capaz, está a correr depressa demais. Nesse caso, reduza a velocidade e concentre-se nos movimentos.

Guia para uma corrida (mais) saudável

Planear a corrida, preparar o corpo e ajudá-lo a recuperar. Não é complicado fazer da corrida um excelente aliado da sua saúde. Estas são algumas das recomendações do fisiologiata Duarte Galvão e do personal trainer Bruno Brito:

- Comece por fazer uma avaliação física com um especialista em educação física, com especial ênfase na componente cardiovascular. Existem inúmeras avaliações da componente cardiovascular que dão os dados necessários para se construir um plano de treino.

- Defina objetivos tendo em conta a disponibilidade, o tempo, o espaço, o equipamento e todos os outros fatores que podem interferir nos seus treinos.

- Elabore um plano semanal, como parte integrante de um programa mensal ou até anual, para que este respeite o seu objetivo.

- Antes do treino coma uma peça de fruta ou uma barra energética e, no fim, um batido de proteínas.

- Corra três a quatro dias por semana, descanse um dia e ocupe os outros dois com atividades relaxantes como ioga, pilates ou musculação.

- Antes do treino, faça três minutos de aquecimento.

Texto: Nelma Viana com Duarte Galvão (fisiologista do exercício e personal trainer) e Luís Romariz (médico especialista em medicina anti-aging)