Imagine que entra num consultório de psicologia e, em vez de estar simplesmente a falar e a ouvir como é hábito, é também convidado a meditar, a desenhar ou a completar uma série de exercícios respiratórios. Pois é precisamente este o domínio da psicologia transpessoal, nascida nos Estados Unidos da América, no final da década de 1960, desenvolvida por reputados especialistas como Abraham Maslow, Victor Frankl, Stanislav Grof e James Fadiman.
Este género de terapia surgiu como um desdobramento da psicologia tradicional e tenta entender o ser humano nas suas diferentes dimensões. Além da física, também abarca a fisiológica, a mental, a intelectual e, acima de tudo, a espiritual. É a "psicologia da consciência", como lhe prefere chamar Vítor Rodrigues, psicólogo clínico e ex-presidente da Eurotas, European Transpersonal Association, associação europeia de pscologia transpessoal.
Na prática, trata-se de um ramo da psicologia que se ocupa "da fenomenologia dos estados de consciência e do impacto que estes podem vir a ter na vida das pessoas e no seu comportamento", revela o especialista. Segundo ele, durante as sessões, em certos momentos, o paciente alcança um estado de consciência em que fica "mais desperto, lúcido e tremendamente tranquilo, garantindo um certo distanciamento em relação ao seu problema", afirma ainda.
"O indivíduo é capaz de se compreender melhor e de descobrir factos até aí inacessíveis. Consegue reprogramar-se de uma forma mais poderosa", afiança Vítor Rodrigues. A psicologia transpessoal alia recursos das psicoterapias tradicionais a métodos importados das antigas tradições orientais e de algumas tradições esotéricas do ocidente, criando-se uma "ponte entre a mística e a ciência", refere. Se experimentar, não estranhe que o psicoterapeuta lhe peça para contar os seus sonhos ou resgatar lembranças de infância, aproveitando a sessão para a colocar a desenhar ou a executar técnicas de expressão corporal.
"São também postas em prática abordagens ligadas a vigorosos exercícios de respiração, ao relaxamento ou à indução de técnicas de imaginação ativa em que a pessoa deve tentar soltar as suas imagens mais espontâneas", esclarece ainda o especialista, autor de livros como "Terras de mentes", "Teoria geral da estupidez humana" e "O livro da ignorância". Nalguns casos, a psicologia transpessoal recorre também à hipnose e até à regressão de memória.
Ao contrário do que a palavra hipnose lhe possa sugerir, esta linha de tratamento, como explica Vítor Rodrigues, "nada tem a ver com uma ideia autoritária em que a pessoa fica em poder do hipnotista e lhe obedece cegamente". No caso da psicologia transpessoal, a hipnose permite que o paciente se (re)encontre com memórias antigas que o podem ajudar a sarar feridas e a ultrapassar problemas ao recorrer ao seu terapeuta interno para lidar com elas.
Os (muitos) casos contraindicados
Nem todas as situações podem ser tratadas com a ajuda deste tipo de terapia, como têm alertado inúmeros especialistas ao longo das últimas décadas. De acordo com Vítor Rodrigues, a psicologia transpessoal pode estar contraindicada, por exemplo, no caso de "pessoas que estão numa fase de doença física com claro desequilíbrio", podendo este tipo de tratamento psicológico contribuir "de forma negativa para a evolução da doença", adverte mesmo.
Também os doentes bipolares apenas estão aconselhados a procurar ajuda junto da psicologia transpessoal quando recorrem a um terapeuta muito experiente, assim como no caso de pessoas que sofrem de doenças graves do foro psiquiátrico, como a esquizofrenia, "existe o receio de que algumas das técnicas típicas desta abordagem as possam prejudicar", enfatiza. Pelo contrário, este tipo de terapia pode ser um aliado para indivíduos que sofram de depressão.
Para além disso, também pode auxiliar quem sobre de fobias e pessoas que estejam a atravessar momentos de grande stresse e/ou a lidar com perdas de vários tipos, "que se vejam perante dilemas existenciais ou que sejam dominados por ansiedades múltiplas", aponta ainda Vitor Rodrigues. Embora continuem a não ser muitos os que a procuram por iniciativa própria, são muitos os psicólogos clínicos que a têm vindo a aconselhar ao longo dos últimos anos.
O factor ceticismo
Se é uma daquelas pessoas que prefere ver para crer, provavelmente estará já a perguntar-se se o seu ceticismo não iria condicionar este tipo de tratamento. De acordo com o psicólogo, "se o paciente tiver algum tipo de crenças ou práticas espirituais, terá mais facilidade em aderir a uma abordagem terapêutica deste género", adverte Vítor Rodrigues. "Mas não é preciso ter um tipo específico de crença", sublinha, no entanto, o psicólogo clínico português.
"Qualquer pessoa, num estado modificado de consciência, pode ter vivências muito interessantes", acrescenta ainda o especialista. Mais importante é mesmo saber escolher o profissional certo. Para tal, tenha em conta, como alerta Vítor Rodrigues, que "promessas excessivas são um mau sinal" e lembre-se que é perfeitamente legítimo perguntar ao profissional que tipo de formação tem, optando por "psicólogos ou psiquiatras que tenham preparação no âmbito da saúde física e mental e um conjunto de preparações complementares nesta área", recomenda o conceituado psicólogo clínico, psicoterapeuta desde 1985.
Segundo Vítor Rodrigues, os valores de uma consulta de psicologia transpessoal oscilam, em média, entre os 50 € e os 90 € para sessões de uma hora. As sessões de 90 a 120 minutos "facilmente atingem os 150 €, não custando menos de 80 €", acrescenta o especialista. Os preços mais frequentes são, todavia, os intermédios. O psicoterapeuta aconselha a realização de sessões com uma periodicidade quinzenal, independentemente da duração de cada uma delas.
Texto: Cláudia Marina com Vítor Rodrigues (psicólogo clínico)
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