Quando uma mulher é confrontada com o diagnóstico de cancro de mama e necessita de uma cirurgia da mama, várias questões se levantam. Em primeiríssimo lugar a decisão é do foro oncológico. Isto é, se a cirurgia é o tratamento inicial ou não. Em segundo, se a recessão total do tumor pode ser feita com uma excisão limitada da mama, denominada cirurgia conservadora (tumorectomia ou mastectomia parcial) ou se necessita de uma mastectomia total.

No caso da cirurgia conservadora, a porção de mama a retirar é pequena (na relação entre o volume de tumor/ mama) pode não ser necessária uma intervenção reconstrutiva porque esta não deixa defeito de volume ou forma. Mas se o volume a retirar é maior (geralmente >25% ) ou o tumor está localizado nos quadrantes  inferiores, o defeito esperado pode recomendar a utilização de técnicas oncoplásticas no momento da intervenção.  O planeamento oncológico prevê em simultâneo um padrão de cicatriz deslocalizado ou mesmo de uma mamoplastia para que se remodele o volume mamário preenchendo as áreas de defeito.  Quando a mama fica com um volume mais reduzido em relação à mama contralateral, pode optar-se por uma mamoplastia de redução contralateral ou ser necessário repor volume na mama operada com um retalho local, enxerto de gordura ou prótese (estas duas últimas opções a realizar numa segunda intervenção cirúrgica).

Quando é necessário avançar para uma mastectomia total, esta pode remover toda a glândula, pele e complexo areolomamilar ou, se não houver envolvimento destas estruturas pelo tumor, poupadora de pele e complexo areolomamilar.

Momento para realizar a reconstrução mamária

A reconstrução após mastectomia pode ser realizada de imediato, aquando da intervenção oncológica ou pode ser diferida para uma segunda cirurgia. As mastectomias poupadoras de pele e complexo areolomamilar facilitam a reconstrução imediata, na medida em que todo o invólucro mamário está conservado. Quando há necessidade de repor pele, pode optar-se por retalhos autólogos (com tecidos da própria doente), os mais frequentemente usados são do abdómen ou do dorso, nomeadamente  (TRAM, DIEP, LD, os mais frequentemente usados*) ou pela colocação de um expansor tecidular que fará expandir a pele progressivamente. Em geral, estas técnicas são usadas em contexto de reconstrução diferida, não sendo impossível a sua realização de imediato.

*TRAM, DIEP, LD e outros retalhos usados em reconstrução mamária

  • TRAM (transverse rectus abdominis muscle) flap, usa músculo e pele do abdómen inferior tunelizado até a área de mastectomia
  • DIEP (deep inferior epigastric perforator) flap, usa músculo e pele do abdómen inferior deslocado e reposicionado (após realização de microanastomoses vasculares) na área de mastectomia.
  • Latissimus dorsi flap, usa músculo e /ou pele da região subescapular tunelizada através da axila até à área da mastectomia.

A reconstrução após a mastectomia poupadora de pele e complexo areolomamilar pode ser realizada com qualquer uma das técnicas anteriores, mas mais comumente é usada uma reconstrução baseada em próteses de silicone ou salinas, cobertas por retalho muscular ou matriz dérmica acelular (tecido de origem animal que auxilia a fixação da prótese e cicatrização da pele incorporando-se no tecido celular subcutâneo). Esta abordagem tem tido grande crescimento na utilização recente pois permite uma reconstrução imediata, por vezes em uma única cirurgia e com recuperação também mais precoce.

A reconstrução do complexo areolomamilar, quando requerida é o último passo e deve ser realizado alguns meses (4-6 meses) após a última intervenção para se conseguir o melhor posicionamento possível na mama reconstruída. Em geral, a aréola é tatuada e o mamilo refeito a partir de um pequeno enxerto livre de pele de outra área corporal ou, mais raro, com prótese.

Perguntas comuns

- Posso fazer reconstrução? Devo fazer reconstrução?

Deve ser uma decisão da própria doente e do seu cirurgião.  Pode estar contraindicada ou não recomendada em função do estadio do tumor, dos tratamentos esperados (por exemplo, a necessidade de fazer radioterapia deve ser considerada para a técnica escolhida e resultados esperados) ou doenças concomitantes (maior risco de complicações em fumadoras, diabetes, obesidade).

- A reconstrução prejudica o tratamento do cancro da mama ou a vigilância futura?

Não.

-Qual a reconstrução mais indicada?

A resposta deve ser obtida após discussão das opções com o cirurgião. Depende de fatores como o tamanho e forma de mama, tamanho e localização do tumor, tratamentos oncológicos previstos, preferência, entre outros fatores.

- Devo realizar uma reconstrução imediata ou diferida?

Se não apresentar contra-indicação, a reconstrução imediata é preferencial pois permite usar tecidos da própria mama para a reconstrução e a persistência da forma corporal tem impacto na autoimagem e na recuperação psico-emocional.

-Devido à COVID-19, devo adiar a cirurgia de reconstrução mamária?

A decisão deve ser individual, mas há neste momento segurança para a realização de cirurgias oncológicas e reconstrutivas. Apesar deste cenário de pandemia, não se deve inibir de procurar resposta ou dar seguimento às suas questões de saúde. Se por um lado as unidades de saúde implementaram medidas de segurança neste contexto, por outro as pessoas devem continuar a fazer as suas consultas, exames e tratamentos (onde se incluem as cirurgias). Se necessário deslocação a uma unidade de saúde, não deve adiar por receio de contágio - estão implementados circuitos e protocolos para sua segurança.

- Terei que fazer mais que uma cirurgia?

Nas reconstruções diferidas sim. Nas reconstruções imediatas pode não precisar, mas com a sobrevivência esperada para as mulheres tratadas com cancro de mama é de esperar que ao longo da vida necessitem de re-intervenção, mesmo que apenas relacionada com a reconstrução.

- Que complicações esperar?

As complicações esperadas estão dependentes da técnica usada e das co-morbilidades da doente. Podem considerar-se complicações pós-operatório (hemorragia, infeção, necrose dos tecidos, exposição da prótese) ou mais tardias (dor, defeitos das cicatrizes / hérnias das áreas dadoras de retalho, contratura da prótese, rotura ou rotação da prótese, linfoma anaplásico associado a prótese (sendo este último uma entidade rara com cerca de 900 casos descritos mundialmente).

- Quanto tempo para recuperação?

Depende do tipo de reconstrução e deve questionar-se ao cirurgião. Em geral 4-8 semanas.

- Quem deve executar a reconstrução?

As técnicas oncoplásticas e as reconstruções pós mastectomia são amplamente conhecidas pelas equipas dedicadas a cirurgia de mama. Deve questionar o seu cirurgião sobre a sua experiência e volume de cirurgias realizadas.

Um artigo da médica Catarina Rodrigues Santos, cirurgiã de mama na Unidade da Mama do Hospital  CUF Descobertas.