O stress leva-nos muitas vezes a comer em excesso e a procurar “alimentos de conforto”, sobretudo alimentos açucarados. Esse desejo súbito por determinados alimentos é designado por "food craving", que é um conceito que inclui processos emocionais (desejo intenso de comer), comportamentais (procura por comida), cognitivos (pensamentos sobre comida) e fisiológicos (salivação).
Estes cravings por alimentos ricos em açúcar estimulam a produção de serotonina, que tem um efeito positivo no humor. Contudo, sabemos que os cravings por doces aumentam o risco de obesidade, que constitui um estado crónico de inflamação e que associado a doenças com a diabetes mellitus, doenças cardio-vasculares e doenças pulmorares, que aumentam o risco de complicações graves, em caso de infeção por SARS-CoV-2.
O stress é também responsável por distúrbios do sono, que agravam ainda mais o stress e a vontade de comer doces, dando origem a um ciclo vicioso. Assim, é importante consumir alimentos que contenham ou promovam a síntese de serotonina e melatonina à noite, que ajudam a ter um sono mais tranquilo. Muitos vegetais (raízes e folhas), frutos (como a banana, a cereja e as amêndoas) e sementes, contém melatonina e/ou serotonina. Os alimentos ricos em triptofano, aminoácido precursor da serotonina e melatonina. como o leite e lacticínios, também são uma boa opção, ajudando não só na melhoria do sono, mas também na regulação da saciedade.
Durante a quarentena, o aumento da ingestão de alimentos desprovidos de interesse nutricional, como os doces, pode substituir, inconscientemente, a ingestão de alimentos nutricionalmente ricos, levando à deficiência de micronutrientes, que prejudica a resposta imunitária e nos torna mais suscetíveis a infeções virais. Assim, durante este período, é fundamental manter ou adquirir bons hábitos alimentares, seguindo um padrão alimentar saudável e equilibrado, que garanta a ingestão adequada de vitaminas, minerais e antioxidantes. Ingerir alimentos como frutas e vegetais, que são fornecedores de vitaminas e minerais por excelência, ajuda a fortalecer o nosso sistema imunitário, graças à sua riqueza em antioxidantes como a vitamina E, a vitamina C e o betacaroteno.
O betacaroteno existe sobretudo na batata-doce, cenoura e vegetais de folha verde. A vitamina C está presente no pimento, laranja, morangos, brócolos, manga, kiwi, limão e muitas outras frutas e legumes. A vitamina E pode ser obtida a partir de óleos vegetais, nozes, sementes, espinafres e brócolos. Outro nutriente essencial para o sistema imunitário é o zinco e, embora as ostras sejam a fonte de zinco por excelência, é possível obtê-lo a partir de alimentos mais comuns, como a carne, nozes, sementes de abóbora e leguminosas.
A quarentena resulta também numa menor exposição solar e consequente menor produção de vitamina D, cuja deficiência no inverno está associada a uma maior predisposição a infeções virais. Sabe-se também que níveis adequados de vitamina D reduzem o risco de doenças crónicas, que aumentam significativamente o risco de morte por infeções respiratórias. Assim, se possível, deverá manter uma exposição solar diária, de cerca de 15 minutos (na varada, à janela ou, quando possível, num quintal ou jardim privado). Procure ainda ingerir fontes alimentares de vitamina D como peixes gordos, fígado, gema de ovo e alimentos fortificados em vitamina D.
Todos estes nutrientes estão incluídos no padrão alimentar da dieta mediterrânica, que é perfeitamente passível de ser cumprido em quarentena, pelo que não vale a pena inventar muito! Olhemos para a nossa velha roda dos alimentos e percebamos que podemos garantir estes nutrientes através de alimentos tão simples como o azeite, frutos e legumes frescos, leguminosas, peixe, aves, cereais integrais, lácteos e quantidades reduzidas de carne vermelha.
Provavelmente tem todos estes alimentos em casa, não há motivo para correr para o supermercado e, muito menos, para o açambarcamento. Procure planear as suas comprar e refeições para um período de duas semanas, para que não tenha que se expor tantas vezes a uma ida ao supermercado. Lembre-se de comprar mais destes alimentos abordados neste artigo e e menos doces, fritos e fast food.
Por fim, deixamos-lhe 10 dicas para o ajudar a gerir melhor a alimentação durante este período difícil:
1 – Ingira 8 a 10 copos de água/dia, ao natural, aromatizada ou sob infusões – manter-se-á hidratado e controlará melhor o apetite;
2 – Apesar das alterações na rotina, não salte as refeições principais, opte por refeições completas e tente manter os horários habituais das mesmas;
3 – Manter uma boa higiene oral, lavando os dentes após as refeições, além dos benefícios óbvios, ajuda a controlar o apetite;
4 – Faça as refeições com tempo e mastigue melhor os alimentos, isso ajudá-lo-á a apreciar melhor os alimentos, a fazer uma melhor digestão e a controlar a saciedade;
5- Não se esqueça de iniciar a refeição principal com uma sopa de legumes e de acompanhar o prato principal com legumes – além de serem uma excelente fonte de vitaminas e minerais, a fibra que contêm irá fazer com que fique mais saciado durante mais tempo;
6 – Garanta uma boa qualidade do sono, tentado dormir as 8 horas diárias recomendadas;
7 – Tenha snacks de baixo valor calórico em casa, para ingerir nos intervalos das refeições, em caso de fome emocional: tremoços, gelatinas sem açúcar, frutos vermelhos ou snacks de legumes frescos;
8 - Para combater a fome emocional, faça pequenas questões a si mesmo, como: “sinto fome ou apenas sede?”; “há quanto tempo realizei a última refeição?”; “se consumir este alimento, fico saciado?” - Estas questões irão ajudá-lo a controlar os momentos de impulsividade;
9 - Não é por estar a passar um período complicado que deve adquirir mais alimentos “não saudáveis” (como bolachas açucaradas, chocolates ou batatas fritas), como forma de recompensa. Agora a tentação é muito maior, uma vez que passa mais tempo em casa, pelo que evitar ter em casa estes alimentos, faz agora mais sentido do que nunca;
10 - Mantenha-se ocupado, realize atividade física ou atividades lúdicas em família e não faça da alimentação a sua ocupação.
Um artigo da nutricionista Ana Rita Lopes, responsável pela Unidade de Nutrição Clínica no Hospital Lusíadas Lisboa.
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