Crê-se que apenas entre o final do século XIX e o início do século XX a adolescência assumiu um papel distinto e relevante no desenvolvimento humano, muito como consequência do aumento da urbanização e da escolarização. Até então, entendia-se a juventude como uma mera transição entre a infância dependente e a fase adulta autónoma.

Ora, atualmente, não nos faz sentido senão ver a adolescência numa ótica de grande destaque. O cérebro do adolescente não corresponde à versão próspera de um cérebro infantil, nem à de um cérebro de adulto não acabado. Constitui, sim, um cérebro especial, com características muito próprias, que ajudam a dirigir, quais maestros, a conduta dos jovens.

A adolescência inicia-se com a puberdade, e caracteriza-se pela existência de inúmeras mudanças que são mediadas hormonalmente: físicas, psicológicas, familiares, sociais, afetivas. O corpo assume-se como o porta-estandarte destas mudanças, visíveis e veladas, em conforto ou nem por isso, de forma acompanhada ou mais solitária.

De uma maneira geral, a adolescência é temida pelos pais. Muitos chegam às consultas de Pedopsiquiatria com as preocupações alocadas a um futuro em que os filhos serão adolescentes, mesmo que tal ainda esteja longe ⎯ tal bicho-papão que assombra o imaginário das diligências parentais.

Mas animemo-nos! Estima-se que cerca de 80% dos adolescentes vive a sua adolescência de forma não conturbada, com boas relações familiares e entre pares, e com uma adaptação adequada ao seu meio social e cultural. A crise da adolescência, num sentido mais patológico, não é garantida, nem uma fatalidade. Apesar disto, é a fase mais inquieta do ciclo de vida, é exigente e dá trabalho e, com crise ou sem ela,  a orientação do pedopsiquiatra durante a adolescência pode ser útil.

Ao adolescente, é-lhe imposto que mantenha uma imagem corporal satisfatória e moderadamente sintónica com a realidade, que se consiga autonomizar da família, sendo capaz de se autocuidar e de se autorregular, que consiga controlar e expressar adequadamente os seus impulsos, que estabeleça perímetros de relacionamento adequados com os pares, que firme uma identidade una, coesa e resistente a embates, e que cunhe um mapa moral consensual, ao mesmo tempo que esboça planos para o futuro e cria a ideia de uma profissão para almejar, um dia, uma independência económica. Não são poucas, nem fáceis estas tarefas. E não ficam por aqui! Ser adolescente no mundo atual implica, igualmente, uma confrontação constante também num plano virtual, onde as vivências dos outros surgem com filtros de beleza imaculada, de perfeição pujante. Pode corresponder à comparação inoportuna e constante de um eu com dúvidas e inseguro e um outro-aparentemente-nos-píncaros da autoconfiança.

Quero crer que um impasse numa ou mais destas tarefas, ou a não resolução mais segura da mesma, pode estar na origem de psicopatologia, em adolescentes predispostos. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, um em cada sete adolescentes apresenta uma perturbação mental e, nestes, há uma percentagem larga em que a doença não é identificada e, em consequência, não é tratada. Estima-se que 50% da psicopatologia do adulto teve início antes dos 14 anos de idade, e 75% antes dos 24 anos. São números substancialmente volumosos, pelo que o diagnóstico e o tratamento precoces em saúde mental devem ser prioridade máxima.

Quem trabalha diariamente com adolescentes, olha-os como uma geração por vezes com poucos limites, mas mais livre, bem informada e com poder de crítica, com uma perspetiva mais global das diversas situações. Distanciada dos adultos, é um facto, mas mais alinhada entre pares, com vontade de ser ouvida e de ter um papel participativo na sociedade. Apresenta preocupações com o futuro, mas vê-se como parte das soluções. São jovens que se sentem e são cidadãos do mundo, e que se recusam a ver o mundo através da lente mais sombria que os adultos lhes emprestam, porque (ainda) têm esperança. Consigamos, então, não ser nós, os mais velhos, a roubar-lha.

Um artigo da médica Margarida Crujo, Pedopsiquiatra e Coordenadora da Unidade de Saúde Mental do Bebé, da Criança e do Adolescente do Hospital CUF Descobertas.