Homem que é homem não chora, não se emociona, não fala sobre sentimentos, nem pede ajuda. Homem que é homem está sempre sob controlo, não mostra fraqueza, nem tem medo de nada. Gosta de «andar à porrada», de futebol e tem sempre vontade de fazer sexo. Expressões de masculinidade tóxica como estas, e não só, são mais comuns do que gostamos de admitir. Mas qual será o preço disso?
Primeiramente, é importante compreender que a noção de masculinidade não é algo inerente à biologia masculina, mas que se trata de uma norma socialmente definida, assim como existem tantas outras (por exemplo, qual a distância adequada quando estamos a falar com alguém, ou até os papeis de género). É um conceito que foi construído socialmente e que dita como indivíduos do sexo masculino devem pensar, sentir ou comportar.
Segundo os psicólogos americanos Joseph Vandello e Jennifer Bosson, a masculinidade pode ser vista como um estatuto social precário, na medida em que é difícil de alcançar, mas fácil de perder. Como consequência, os homens sentem a constante necessidade de provar a sua masculinidade, especialmente quando esta se encontra em causa. Assim, os estudos têm vindo a comprovar que a presença de crenças enraizadas de masculinidade está associada a comportamentos de risco para a saúde e, consequentemente, a uma maior mortalidade. Sabe-se ainda que a probabilidade de um homem ir ao médico ou pedir ajuda psicológica é muito inferior em comparação à de uma mulher. As consequências desta noção de masculinidade distorcida estendem-se além de um mal-estar físico e psicológico: em média, os homens têm, para além de pior saúde que as mulheres, uma menor longevidade e maior taxa de suicídio.
Devido a todas estas conceções culturais associadas à masculinidade, em que a tristeza é associada à fraqueza indesejada, os homens têm maior facilidade em contactar com a raiva, em oposição à tristeza (e as mulheres, vice-versa), que é ignorada e descartada. Mesmo na presença de uma depressão, no sexo masculino, os sintomas podem passar por fadiga, irritabilidade e explosões de raiva, em vez da tristeza característica da perturbação.
É necessário compreender que a tristeza é uma emoção humana global e não uma emoção associada a género ou qualquer outro fator. Assim, chorar não é mais que uma expressão de algo normal, é uma resposta natural e biológica do nosso corpo a tentar regular o stress a que está sujeito num determinado momento. Esta noção de masculinidade coloca em causa e culpabiliza direitos e necessidades que são humanas. Como consequência de não contactarem com as suas emoções desde cedo, alguns homens desenvolvem alexitimia, isto é, grande dificuldade em identificar e transmitir emoções.
Pelo facto de, culturalmente, não ser bem aceite que um homem sinta e/ou sofra, torna-se comum, e frequente, a utilização de estratégias de evitamento, em que a pessoa suprime as suas emoções, ou evita determinado assunto ou questão, deixando-a por resolver. Isto leva que os homens falem menos dos seus problemas e que utilizem estratégias menos saudáveis para lidar com o seu sofrimento. Por isso mesmo, é mais comum nos homens a utilização de drogas e álcool como forma de «automedicação». É importante compreender que os homens com estes papeis de género interiorizados sentem-se obrigados a sofrer em silêncio, para não serem percecionados como fracos ou pouco másculos.
Este é um problema que começa desde cedo, em que as crianças do sexo masculino sentem a obrigação de se enquadrarem nesta definição de masculinidade, seja por parte dos pais, ou amigos. Caso contrário, serão colocados de parte e humilhados pelos colegas e até familiares, servindo desde logo para apreciação quais as brincadeiras que realizam.
São muitos os problemas resultantes de crenças distorcidas e tóxicas de masculinidade. É importante compreender a necessidade de reformular estas noções e de quebrar este legado cultural e geracional, que obriga alguns indivíduos do sexo masculino a abandonarem necessidades e direitos humanos, em prol de um conceito. Os homens também choram, também sofrem e também pedem ajuda. Saiba que pode pedir ajuda ainda hoje.
Um artigo dos psicólogos clínicos Samuel Silva e Mauro Paulino, da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.
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