Falar de procrastinação parece estar na ordem do dia. Talvez porque nos seja familiar ou porque se afigura bem presente no nosso quotidiano. Já António Variações apregoava na sua canção “É pra amanhã bem podias fazer hoje”. Mas afinal a que nos referimos quando falamos de procrastinação?

Se nos reportarmos à raíz etimológica da palavra, então verificamos que procrastinação advém do latim procrastinatuspro- (à frente) e crastinus (de amanhã). No tempo do império romano, este conceito estava associado a contextos militares e parecia reflectir a noção de que o adiamento da acção ou da tomada de decisão pode ser algo necessário e sábio, remetendo para um processo complexo de tomada de
decisão, estando, por isso, no pólo oposto da impulsividade.

Actualmente, esta concepção caiu por terra e a procrastinação incorpora uma
conotação moral depreciativa, a qual se encontra profundamente enraízada.

Sabemos que cerca de 20% das pessoas adultas relatam
comportamentos procrastinatórios em tarefas rotineiras, assumindo-se, desta forma, como um problema bastante frequente na adolescência e na adultez. Importa ainda referir que, para os adolescentes e para os jovens adultos, a procrastinação reflecte-se, essencialmente, no domínio escolar/académico.

Mas então o que é a procrastinação? Variações, uma vez mais, alude a um adiamento – “porque amanhã sei que voltas a adiar.” - mas será apenas isso? No âmbito da Psicologia encontramos uma multiplicidade de definições, porém todas elas parecem carecer de abrangência, não sendo, por esse motivo, suficientemente integrativas.  A procrastinação pode ser definida como um comportamento que implica atraso no início ou término das tarefas ou no processo de tomada de decisão, remetendo para a noção de adiamento, ou seja, implica que, em determinado momento, o indivíduo tem a intenção de realizar uma tarefa, mas não o faz no instante previsto - “E tu bem sabes como o tempo foge mas nada fazes para o agarrar”, tal como nos diz a letra do famigerado autor. Consequentemente, adia ou pode inclusivamente não executar a tarefa –  “Foi mais um dia e tu nada fizeste Um dia a mais tu pensas que não faz mal Vem outro dia e tudo se repete E vais deixando ficar tudo igual”.

Se o carácter deliberado desta acção procrastinatória não é totalmente claro, conseguimos, apontar alguns pontos de convergência e que reúnem algum consenso, nomeadamente o facto da procrastinação não ser sinónimo de ócio ou preguiça, bem como de estar intimamente associada à experienciação de desconforto pelo procrastinador.  Voltamos a pedir emprestadas algumas palavras a Variações para ilustrar este sentimento de mal-estar experienciado - “Quando pensares no tempo que perdeste, então tu queres, mas é tarde demais”. Afigura-se seguro referir que a procrastinação parece incluir um padrão comportamental de adiamento marcado pela sobrevalorização de aparentes benefícios a curto prazo (como o evitamento de um eventual fracasso antecipado e a percepção de ineficácia a ele subjacente) e prejuízos a longo prazo.

Podendo assumir uma dimensão temporária ou permanente, a procrastinação pode ainda ser definida como comportamental (i.e., evitamento ou atraso na finalização da tarefa, adiamento da acção) ou cognitiva/decisiva (i.e., atraso
deliberado na tomada de decisão).

Ambos os tipos parecem estar remete para a presença de sintomatologia depressiva e ansiógena, porém a procrastinação decisiva habitualmente caminha de mãos dadas com elevados níveis de preocupação.

Importa ainda acrescentar outros constructos que orbitam em torno da procrastinação e que se encontram associados à psicopatologia, destacando-se, nomeadamente, a vergonha, o autocriticismo, a culpa ou o perfeccionismo. Na sua essência, verificamos que a procrastinação se encontra simultaneamente a montante e a jusante do desajustamento psicológico.

A procrastinação quando persistente torna-se igualmente problemática e com impacto no quotidiano. Este impacto é indissociável de uma sensação difusa, subjectiva e interna, de desconforto, sendo uma dessas manifestações deste desconforto precisamente a
ansiedade. Existe alguma evidência que aponta a existência de uma relação directa entre a ansiedade e a procrastinação, ou seja, aumentando a ansiedade, aumenta igualmente a tendência para procrastinar, funcionando a procrastinação como uma estratégia para regular a ansiedade no imediato. Dito de outra forma, a procrastinação é uma forma mais ou menos subtil ou mais ou menos manifesta de um comportamento de evitamento. Este último ajuda a diminuir a ansiedade num primeiro momento, contudo, de forma paradoxal, assume-se como um factor de manutenção da ansiedade experienciada.

Quem nunca procrastinou que atire a primeira pedra. Urge que paremos de procrastinar pelo impacto que isso pode ter em cada um de nós. Talvez seja útil deixar algumas dicas para lidar com a procrastinação e não deixar para depois:

- Conectar a tarefa a desempenhar ao objectivo a atingir de forma a conferir-lhe significado;

-  Estabelecer prioridades;

- Compilar todas as tarefas a desempenhar e verificar se a quantidade é exequível ou se há necessidade de delegar;

- Dividir uma tarefa em tarefas mais pequenas;

- Procurar bloquear estímulos que potenciem momentos de distracção;

- Estabelecer recompensas quando cumpre os objectivos;

- Recorrer, caso necessário, a estratégias de gestão do tempo – por exemplo, o método Pomodoro que contempla períodos de trabalho, os pomodoros, alternados (25m) com períodos de descanso (5m). Findos quatro períodos de trabaho, o intervalo deverá ter uma duração mais alargada;

- Evitar cair na armadilha do autocriticismo e encarar de forma autocompassiva os períodos de procrastinação, de forma a não desmobilizar e abandonar a tarefa;

Oscar Wilde dizia que não deixaria para amanhã o que possivelmente poderia fazer depois de amanhã, mas já que não procrastinámos a leitura deste texto, talvez possamos retomar o que ainda temos por fazer. Bom trabalho.

Um artigo de opinião de Mário Veloso, psicólogo clínico no PIN Porto.