“Todos procrastinamos. Somos humanos, é normal que isso aconteça. Seja porque não nos apetece mesmo nada ir às compras, ajudar os miúdos com os trabalhos de casa ou fazer aquele relatório aborrecido para o trabalho, adiar ou protelar uma tarefa é tão natural quanto respirar. O problema surge quando não conseguimos evitá-lo: quando a procrastinação é uma constante, as consequências vão muito além do nosso desempenho. Ela corrói tudo à nossa volta - até a nossa saúde mental”, lemos na sinopse ao livro Vencer a Procrastinação (edição Manuscrito), obra assinada por Paulo Moreira, especialista em Inteligência Emocional.
De acordo com este especialista “ao adiar uma tarefa, aumentamos os níveis de stresse. Quando pensamos nas inúmeras consequências negativas que daí podem advir, a nossa amiga ansiedade bate-nos à porta. E vem acompanhada da culpa e da vergonha, que não demoram muito a afetar a autoestima. Nesta onda de mal-estar, é difícil fazer o que quer que seja. Por isso, procrastinamos mais um pouco… e entramos em desespero, porque não sabemos o que fazer para romper o ciclo”.
O que Paulo Moreira nos propõe é que rompamos com este ciclo. Para tal, o mestre em Psicologia Cognitiva e Social desafia-nos a vencer o jogo da procrastinação com recurso a 36 estratégias práticas que podemos, de acordo com o autor do livro, “introduzir ainda hoje na nossa vida. Encare este desafio como uma diversão em que, no fim, vai alcançar o maior prémio de todos: tempo. Na verdade, tempo que não nos é roubado pela procrastinação é tempo que nos sobra para nos dedicarmos a algo que nos vai trazer realização, propósito e até felicidade”.
Do livro, publicamos o excerto abaixo.
Mitos sobre a procrastinação
1.º Mito: Todo o adiamento é negativo
Já referi as consequências negativas que surgem com a procrastinação: stresse, ansiedade, culpa, vergonha e um baixo desempenho. Então, se temos um cocktail de emoções negativas e os nossos objetivos ficam aquém do esperado, como é que a procrastinação pode ser boa? Em regra, não é boa. Pelo menos, a procrastinação pura ou passiva, como alguns autores lhe chamam. Jin Nam Choi, professor da Universidade Nacional de Seul, dividiu os procrastinadores em dois tipos: os passivos e os ativos.
Os procrastinadores passivos são aqueles que não querem procrastinar, mas acabam constantemente por adiar aquilo que precisam de fazer, por não conseguirem tomar as decisões que têm de tomar. Estes procrastinadores desistem mais vezes e mais rapidamente, não conseguem concluir as suas tarefas e a sua motivação é reduzida.
Por outro lado, os procrastinadores ativos são capazes de agir de acordo com as suas decisões, persistem mais e conseguem completar as suas tarefas. Então, porque é que o fazem? Muitos deles preferem trabalhar sob pressão e decidem, de forma deliberada e ativa, procrastinar.
Quando o tempo começa a escassear, utilizam a motivação que surge devido à proximidade do prazo e gerem o seu tempo e o seu estado emocional com eficácia, para lidarem com as suas tarefas.
Jin Nam Choi e Angela Hsin Chun Chu, da Universidade da Colômbia, testaram uma escala para distinguir estes dois tipos de procrastinadores. Verificaram que, embora os procrastinadores passivos e ativos demonstrassem o mesmo nível de procrastinação, os ativos utilizavam o seu tempo de forma mais adaptativa, geriam melhor o seu stresse e tinham um desempenho idêntico àqueles que afirmavam não procrastinar.
No fundo, se tens de fazer exercício físico e adias esse momento, porque sabes que, no fim do dia, vais ter tempo e vais fazê-lo de forma mais produtiva, isso é uma procrastinação ativa ou um adiamento propositado.
Agora, se adias o exercício físico, empurrando-o para o fim do dia, apenas para afastares o desconforto da tarefa, e se, quando chega a altura, utilizas o argumento de que estás muito cansado, então trata-se de uma procrastinação passiva.
Assim, quando me refiro a «procrastinação», no livro, estou a focar-me na procrastinação passiva. Não devemos confundir um atraso intencional e pensado com o atraso que vem da falta de regulação emocional, conhecido como procrastinação.
2.º Mito: A procrastinação é preguiça
“Ele não faz os trabalhos de casa, porque é preguiçoso.”
“Se não fosses preguiçosa, já tinhas começado a fazer exercício físico.”
É muito habitual ouvirmos ou verbalizarmos estas frases, mas elas são muito limitativas no que toca aos motivos pelos quais procrastinamos. A procrastinação e a preguiça são dois fenómenos diferentes. A preguiça é a relutância em investir o esforço necessário numa tarefa, enquanto a procrastinação é o adiamento desnecessário de uma tarefa. Por exemplo, já deste por ti a pôr de lado uma tarefa muito importante e a organizar a tua roupa por cores? Ou a passar a ferro? Ou a arquivar e-mails? Se sim, não se trata de preguiça, pois é preciso alguma energia e foco para essas tarefas.
Claro que também procrastinamos ficando sentados no sofá a ver Netflix ou as notícias durante largos minutos ou horas. E essas tarefas já não requerem esforço. No entanto, tal não significa automaticamente que sejam conduzidas pela preguiça. Estas tarefas podem, inclusive, ser conduzidas por emoções muito intensas, como a ansiedade ou o stresse gerados pela tarefa que nos leva a procrastinar.
Por outro lado, podemos sentir preguiça e não procrastinar. A tarefa pode ser feita de forma mais vagarosa, mas não é adiada, logo não se trata de procrastinação.
Resumindo: embora realmente possamos procrastinar por preguiça, a procrastinação não é preguiça nem esta costuma ser o motor principal do nosso comportamento procrastinador.
3.º Mito: A procrastinação é um problema de gestão de tempo
Durante muito tempo, pensou-se que a causa da procrastinação era um problema de gestão de tempo. Ou seja, pelo facto de não se agendar corretamente o cumprimento das tarefas, estas não eram concluídas ou apareciam imprevistos que faziam com que as adiássemos. A solução passaria então por agendar muito bem a realização das tarefas e, dessa forma, a procrastinação desapareceria. No entanto, novos estudos deitaram esta teoria por terra.
Num estudo conduzido por Tym Pychyl, professor de Psicologia e membro do Procrastination Research Group, na Universidade de Carleton, foram inquiridos 32 estudantes. Os investigadores avaliaram os seus planos de estudo para dois exames académicos, mediram o seu nível de procrastinação habitual, verificaram quando começavam efetivamente a estudar e que quantidade de estudo era dedicada a esses exames.
Os resultados mostraram que a elaboração dos planos de estudo dos estudantes que habitualmente procrastinavam muito e dos estudantes que habitualmente procrastinavam pouco era muito similar. Ou seja, a forma como agendavam os momentos de estudo era muito parecida.
A diferença verificou-se no tempo e na quantidade de estudo, sendo que os estudantes que habitualmente procrastinavam muito estudaram mais perto das datas dos exames e durante menos tempo.
Assim, se os estudantes tinham feito uma gestão de tempo parecida, mas, no momento em que deviam estudar, uns procrastinaram mais do que outros, a razão não se prendia com a gestão de tempo (embora, claro, uma boa gestão de tempo facilite a realização de tarefas, em comparação com o que acontece com quem não gere bem o seu tempo). Como Tym Pychyl disse: “A procrastinação é um problema de regulação emocional, não de gestão de tempo.” O facto de procrastinarmos parece dever-se mais às emoções desconfortáveis que surgem quando pensamos na tarefa que temos de realizar. E a gestão de tempo pouco ajuda a enfrentar essas emoções.
4.º Mito: Temos de ser duros connosco próprios para deixarmos de procrastinar
Se entendermos o grande motivo por trás da procrastinação — o evitamento de emoções desagradáveis —, a ideia de sermos duros connosco próprios para deixarmos de procrastinar não parece fazer muito sentido, certo?
Quando procrastinamos, já sentimos emoções desagradáveis, como stresse, ansiedade e vergonha. Estas emoções, por sua vez, acumulam-se e fazem com que queiramos evitar ainda mais a tarefa. Então, se adicionarmos culpabilização a este cocktail explosivo, a motivação para procrastinar aumenta ainda mais.
O psicólogo Michael Wohl, da Universidade de Carleton, verificou isso mesmo num dos seus estudos, através do qual avaliou o nível de procrastinação com uma tarefa num primeiro momento e o nível de procrastinação com a mesma tarefa num segundo momento, comparando‑os depois com o nível de perdão que os participantes concediam a si próprios quando procrastinavam pela primeira vez. O objetivo era verificar se os estudantes que se perdoavam mais, quando procrastinavam pela primeira vez, iriam procrastinar menos na segunda vez. E foi mesmo isso que Wohl verificou. Quando os estudantes se perdoavam mais após a primeira procrastinação, tinham menos tendência para procrastinar no segundo momento. Isto aconteceu porque o perdão reduziu a intensidade das emoções desagradáveis.
Para deixarmos de procrastinar, não temos nem devemos ser duros connosco próprios.
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