Nos anos mais recentes multiplicam-se nos escaparates nacionais os livros que nos prometem o Santo Graal do caminho para a felicidade. Na introdução ao seu livro escreve que esta obra é diferente no que respeita a esta procura da felicidade. O que a faz diferente?
O que torna este livro diferente é o facto de não querer ser mais uma solução mágica, mas sim um guia para quem está disposto a olhar para dentro e a transformar-se. Escrevi-o com base em histórias reais e que demonstram que a felicidade não é uma linha reta. O meu foco foi desconstruir ideias pré-concebidas, questionar mitos e dar ao leitor ferramentas para que ele mesmo possa criar o seu caminho, ao invés de seguir uma fórmula que promete resultados universais. Este livro não é sobre o que falta, mas sobre o que já temos e muitas vezes não valorizamos. É sobre escolher viver com verdade, mesmo em momentos difíceis.
Também escreve que o remédio para a felicidade chega-nos inventado com “receitas de banha da cobra”. Quer pormenorizar?
A sociedade de hoje vive seduzida por promessas instantâneas, seja na forma de um novo curso, um suplemento milagroso ou uma técnica que transforma a vida em 24 horas. Mas estas "receitas" são ilusões que nos afastam do essencial: o trabalho interno e o respeito pelo nosso tempo. Estas promessas ignoram que cada pessoa tem uma história, feridas e sonhos únicos. É muito mais fácil vender uma solução pronta do que ensinar alguém a navegar pela sua própria jornada, enfrentando os desafios que surgem pelo caminho. A felicidade não é um remédio rápido é o resultado de um processo de crescimento e aceitação contínuos.
Um mito muito comum é o de que precisamos de ser positivos o tempo todo. Esta ideia gera mais ansiedade do que felicidade.
Acresce que refere que a felicidade é embrulhada e nos é oferecida sob a forma de soluções que, na realidade, se fundam em mitos. Quer, por favor, desmontar alguns destes mitos?
Um mito muito comum é o de que precisamos de ser positivos o tempo todo. Esta ideia gera mais ansiedade do que felicidade, porque nos força a suprimir emoções legítimas, como a tristeza ou a raiva, que também fazem parte da vida. Outro mito é o de que a felicidade está fora de nós – em bens materiais, no parceiro perfeito ou na carreira ideal. A realidade é que, mesmo quando alcançamos estas metas, a sensação de vazio pode permanecer. Por fim, há o mito da comparação, ou seja, medir a nossa felicidade pela régua dos outros. Este é particularmente perigoso na era das redes sociais, onde vemos versões editadas da vida das pessoas e acreditamos que estamos aquém. A desconstrução destes mitos é um passo essencial para descomplicar a nossa relação com a felicidade.
É possível traçar uma lei universal para a felicidade ou esta é uma condição subjetiva, inerente a cada humano?
A felicidade é profundamente subjetiva. O que faz sentido para mim pode não fazer para outra pessoa. Contudo, acredito que existem princípios universais que ajudam a criar um terreno fértil para a felicidade. Estes incluem a aceitação de nós mesmos, a capacidade de nos conectarmos com os outros e o cultivo da gratidão. Mas cada pessoa deve descobrir o que a faz vibrar, o que lhe traz paz e propósito. Não há uma "lei" universal, mas há escolhas que podemos fazer diariamente para nos aproximarmos dessa sensação de bem-estar e plenitude.
Enquanto psicóloga considera que um estado de permanente felicidade é produtivo ou será contraproducente?
Um estado permanente de felicidade, além de irrealista, pode ser contraproducente. A vida é feita de altos e baixos, e é precisamente nos momentos mais difíceis que aprendemos e evoluímos. Imagine um mundo onde nunca enfrentássemos desafios – seria um mundo sem crescimento, sem empatia, sem compaixão. A felicidade não deve ser encarada como um estado fixo, mas como um processo fluido. Ela ganha mais significado quando nos permitimos viver plenamente todas as emoções, aceitando que o sofrimento também faz parte do nosso caminho.
O seu livro antes de ser um manual para conquistarmos a felicidade pode ser entendido como um convite a (re)encontrarmos a nossa natureza e a nos (re)posicionarmos perante os outros?
Sim, essa é uma das grandes intenções do livro. O verdadeiro desafio não é encontrar algo que nos falta, mas sim lembrar quem já somos. Quando nos (re)encontramos, redescobrimos a nossa essência e percebemos o quanto nos afastámos dela ao longo do tempo, muitas vezes por tentarmos corresponder a expectativas externas. Este livro convida-nos a voltar a esse estado de autenticidade, a resgatar o que nos faz genuínos, e a partir daí, posicionarmo-nos com mais verdade, tanto connosco como com os outros.
O verdadeiro desafio não é encontrar algo que nos falta, mas sim lembrar quem já somos.
No seu livro fala amiúde na palavra “descomplicar”. Isso subentende que complicamos. Somos por natureza seres que complicam ou a sociedade em que vivemos empurra-nos para a complicação?
Eu acredito que somos uma mistura dos dois. Complicamos porque temos medos, inseguranças e padrões que nos fazem duvidar de nós mesmos. Mas a sociedade contribui muito, ao impor pressões constantes para sermos perfeitos, produtivos e felizes a qualquer custo. O "descomplicar" do livro é um apelo à simplicidade, ao foco no essencial e a questionar o que é realmente importante para nós, e não o que os outros esperam de nós.
O seu livro traz-nos as “sete chaves para a felicidade”. É da natureza das chaves abrirem portas. Que sete portas abrem estas suas chaves?
As sete chaves são metáforas para abrir portas que muitas vezes mantemos trancadas dentro de nós. A chave da aceitação abre a porta para a paz interior. A gratidão abre o caminho para valorizarmos o que temos. O perdão destranca feridas antigas que nos impedem de seguir em frente. A autenticidade permite-nos viver sem máscaras. A conexão liga-nos aos outros. O propósito dá sentido à nossa existência. E a leveza ensina-nos a não carregar pesos desnecessários. São chaves simples, mas poderosas, que podem transformar a forma como encaramos a vida.
O facto de nos aceitarmos tal como somos é um caminho para a felicidade? Mas, será que resulta quando não nos sentimos bem na “pele que vestimos”?
Aceitar-se é um ponto de partida, mas não o ponto final. Quando não nos sentimos bem na nossa própria pele, a aceitação deve andar de mãos dadas com a vontade de mudar o que nos incomoda, sem perder de vista quem somos. Por exemplo, se não gostamos da nossa autoestima, podemos trabalhar para melhorá-la, mas sem cair na armadilha de tentar ser quem não somos.
Aceitação não significa resignação. É olhar para quem somos com compaixão, reconhecendo o que é preciso transformar.
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