Depois de acabar o curso de Medicina e se ter especializado em Psiquiatria, o norte-americano Phil Stutz teve de enfrentar a dura realidade; pouco podia fazer pelos seus pacientes. Mais de cinco anos passados a dar consultas, numa prisão e num consultório particular, levaram-no a procurar outros caminhos – que culminariam no desenvolvimento de "O Método", com Barry Michaels. Nesse momento, Stutz tinha nas mãos uma terapia. Ao longo das décadas seguintes pô-la à prova com milhares de pacientes, muitos dos quais famosos, o que lhe granjeou o rótulo de “O Psiquiatra das Estrelas” e um documentário na Netflix.

O autor apercebeu-se de uma evidência; nós temos a tendência para ver a vida como uma bela foto de um momento mágico – ou pelo menos é essa a imagem que nos vendem os media e as redes sociais. Na verdade, porém, a vida é uma sequência de acontecimentos nem sempre agradáveis. Se aceitarmos plenamente essa verdade, que a vida é um processo em constante mudança, teremos dado o primeiro passo para acolher tudo o que de bom e de mau nos acontece.

O livro Lições Para a Vida (edição Lua de Papel) apresenta-nos uma síntese do método de Stutz para enfrentar a adversidade, para abraçar igualmente o amor e a perda, o sucesso e o fracasso, a esperança e o arrependimento, a vida e a morte. "Sempre ancorados numa fé, numa força transcendente, chamemos-lhe Deus ou o Universo, que nos ampara as quedas e nos levanta (sempre) de novo", lemos na sinopse à obra.

Do livro, publicamos o excerto abaixo.

Tire o melhor partido dos seus maus hábitos

Uma vez trabalhei com um agente fotográfico cuja vida estava a desmoronar-se em todas as direções ao mesmo tempo. Com excesso de peso, distraído e um pouco desleixado, parecia um miúdo crescido que não se lembrava de pôr a camisa para dentro. Nunca imaginaria que ele dirigia uma grande agência. Na verdade, era ela que o geria a ele. Estava às ordens de uma longa lista de artistas exigentes. “Sou como uma mãe com 30 bebés que estão sempre com fome”. Incapaz de dizer “não” aos seus clientes, chegava à beira da exaustão todos os dias. Recompensava o seu sofrimento com um conjunto de indulgências pessoais que o enfraqueciam física e emocionalmente. Fumava erva várias vezes ao dia, nunca deixava escapar um bife e contava compulsivamente os seus problemas a qualquer pessoa que estivesse ao seu alcance, quer esta quisesse ouvi-los ou não.

O negócio ia bem, mas a vida dele era um desastre caótico. Precisava de um novo escritório, mas não tinha energia para se mudar. Vinha de se livrar de vários clientes pouco razoáveis, mas tinha medo do confronto. Apesar de se ter vindo a afastar da sua mulher, não conseguia encontrar tempo para se voltar a aproximar. Por mais miúdo que parecesse, por dentro sentia-se velho, “como se estivesse perto da morte”. Disse-lhe que podia voltar a dar um propósito à sua vida e, com ele, recuperar a sua força vital. Mas havia um preço – teria de mudar os seus maus hábitos. A erva, a comida em excesso ou o desabafo emocional, tudo isso teria de acabar.

Phil Stutz formou-se em Medicina na New York University, trabalhou como psiquiatra na prisão de Rikers Island e, mais tarde, teve um consultório em Nova Iorque. Mudou-se daí para Los Angeles, onde exerce desde 1982.
Juntamente com Barry Michels, escreveu o bestseller O Método e foi ainda protagonista do documentário Stutz, da Netflix, realizado por um dos seus pacientes, o ator Jonah Hill.
Um dos mais procurados psiquiatras de Hollywood e "o segredo mais mal guardado" da meca do cinema segundo a revista New Yorker, Stutz tem entre os seus clientes numerosos escritores, argumentistas, atores, produtores e CEOs.

A ideia deixou-o em pânico. “Não consigo passar o dia sem essas coisas. Porque é que não posso mudar as outras coisas primeiro?” “Porque é impossível”, respondi-lhe.

Os seus maus hábitos não só ameaçavam a sua saúde, como também lhe drenavam a energia necessária para avançar com a vida. Os impulsos para todos os nossos maus hábitos percorrem o mesmo caminho – um tiro certeiro para a gratificação imediata através daquilo a que chamo o canal inferior. Quer peguemos num biscoito ou num cigarro, ou demos vazão a uma explosão de queixumes ou raiva, estamos à procura de uma recompensa instantânea. Os nossos desejos chegam através do canal inferior, numa descarga impulsiva que proclama: “Quero isto agora”.

Muitos de nós fazem tudo através do canal inferior.

O impulso deste homem para servir os seus clientes mais do que deveria era, na verdade, uma tentativa desesperada de conquistar o seu amor. O funcionamento do canal inferior é um desastre. Quando o prazer acaba, ficamos sem nada. No entanto, a maioria de nós acha impossível ficar fora do canal inferior, mesmo quando sabemos que os resultados serão prejudiciais para nós.

Os nossos maus hábitos são impulsionados por uma parte demoníaca de nós que quer bloquear o nosso movimento para a frente. Esta força interior – a nossa Parte X – é um adversário astuto que prega partidas à nossa mente. O seu poder vem da sua capacidade de nos colocar num estado alterado, um estado em que agimos como se não houvesse consequências negativas para os nossos maus hábitos. O meu paciente diria:“Sei que a comida e as drogas não são boas para mim, mas quando consumo, os perigos não parecem reais. Tudo o que consigo sentir é o meu desejo”. Quando se comporta como se não houvesse consequências, perde o seu sentido do futuro. O prazer imediato é tudo o que existe. Sem um futuro, a vida torna-se sem sentido. A genialidade da Parte X é que o faz acreditar que não pode funcionar sem os seus maus hábitos.

Mas é claro que pode, porque já o fez.

A vida é uma luta. Faz parte da natureza humana querermos uma recompensa em troca da nossa dor e esforço. Na maior parte das vezes somos recompensados, mas não há certezas sobre quando a recompensa virá ou qual será. Esta é a lei do Universo e exige que tenhamos fé no futuro. Mas X diz-nos que somos especiais e que não precisamos de estar sujeitos à lei. Vemos o direito de ser pagos agora mesmo. De facto, X diz-nos que a única coisa em que devemos confiar é na gratificação imediata. A fé é desnecessária. Mas as pessoas sem fé tornam-se fracas. Este homem não podia fazer qualquer esforço sem a garantia das suas pequenas recompensas. Estava cego para a verdade. O que ele via como recompensas eram, na verdade, castigos, pondo em risco a sua saúde e mantendo-o infantil. A Parte X tinha-o enganado completamente.

Sem um travão, esta força transforma os seus impulsos em vícios. Todos os impulsos dos canais inferiores o levam para fora de si para obter gratificação. Mas nós somos seres espirituais e a única satisfação real vem da conexão com forças superiores. O nome que damos a essas forças – Deus, o fluxo ou o inconsciente, como fiz ao longo deste livro – é irrelevante. São forças infinitas, que só se encontram dentro de nós. Quanto mais sairmos para o mundo material, mais nos afastamos destas forças e mais vazios nos sentimos. De uma forma ou de outra, todos nós sentimos esse vazio interior, esse buraco dentro de nós. A Parte X mente, dizendo-nos para sairmos de nós próprios para mais um charro ou uma fatia de bolo ou uma explosão de raiva – isto irá finalmente preencher o buraco. Depois, afastamo-nos ainda mais das forças interiores que poderiam realmente satisfazer o vazio. É um ciclo que se intensifica. Quanto mais agirmos de acordo com o nosso impulso, maior será o buraco.

Esta é a essência de um vício: tentamos preencher um buraco infnito som uma experiência finita.

Há um velho provérbio que define insanidade como fazer a mesma coisa vezes sem conta na esperança de obter um resultado diferente.

Por muito destrutivos que sejam estes padrões, são muito difíceis de mudar. No momento em que negamos a nós próprios uma gratificação, sentimo-nos privados. A Parte X apela ao nosso egoísmo, dizendo-nos que nunca nos deveríamos sentir privados.

Como tirar partido em benefício próprio dos seus maus hábitos? As explicações do
Como tirar partido em benefício próprio dos seus maus hábitos? As explicações do créditos: Lua de Papel

A única forma de combater isto é termos uma razão igualmente egoísta para não cedermos aos nossos impulsos. Por outras palavras, temos de encontrar uma recompensa na nossa privação. No canal inferior, no mundo puramente material, isto parece impossível. Mas quando vemos a vida em termos de energias, em vez de apenas coisas, tudo muda. E muda rapidamente.

Cada vez que restringe os seus impulsos, fecha o canal inferior. Ocorre uma inversão dinâmica – quando refreia o impulso, inverte a sua energia, mantendo-a dentro de si. Esta energia é transformada e depois emerge numa forma mais poderosa através do canal superior. Este caminho tem o poder de criar. O canal superior liga-o ao fluxo do mundo, com as suas forças infinitas. Quando funciona a partir do canal superior, as forças superiores ajudam-no a atingir os seus objetivos.

Esta energia poderosa é a recompensa que recebe quando se priva de um vício. E neste canal superior, a energia acumula-se. Cada ato de contenção coloca mais no seu mealheiro.

Está a fazer um investimento em si próprio. A energia do canal superior dá-lhe coragem, criatividade e um propósito à sua vida.

Esta inversão dinâmica de energia não é apenas um conceito, é uma ferramenta que pode usar sempre que tiver um impulso destrutivo. Vamos supor que lhe apetece uma tablete de chocolate. O prazer antecipado é o que abre o canal inferior. Descobri que a melhor maneira de o fechar é sentir dor, provavelmente porque os vícios do canal inferior acabam sempre por conduzir à dor. No momento em que sentir o desejo de comer açúcar, imagine essa sensação de dor. Quanto mais praticar, mais fácil isto se torna. Sinta a dor a fechar literalmente o canal. Depois, silenciosamente, peça ajuda. Faça-o da forma mais apaixonada possível. Imagine que um grupo de guias espirituais desce para o tirar do canal inferior. Eu vejo-os com vestes brancas; mas pode usar qualquer imagem que funcione para si. Se o conceito de guias o incomoda, pense neles como forças puras vindas do seu próprio inconsciente. Finalmente, imagine-se a caminhar pelo mundo na companhia destas figuras orientadoras. Agora o seu objetivo é estar ao serviço do mundo. Mais uma vez, habitue-se a criar rapidamente este espírito de entrega e dedicação. Sermos úteis é a forma mais direta de abrir o canal superior. Sentirá literalmente o seu impulso para o açúcar dissolver-se.

Somos uma sociedade viciada. A gratificação imediata é a nossa religião. Por isso, procurar resposta no autocontrolo não é suficiente. A única forma de nos ajudarmos a nós próprios verdadeiramente é mudando os nossos hábitos. É isso que põe em movimento uma força capaz de mudar o nosso futuro.

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