Na breve biografia que acompanha o seu livro lemos que “acredita plenamente que é possível falar mais e melhor sobre saúde (e doença) mental”. Não estamos a saber, ou a conseguir, comunicar nesta área com a população em geral?
Apesar de estarmos a comunicar cada vez mais, e melhor, sobre saúde e doença mental, ainda temos um longo caminho a percorrer. A Saúde Mental, desde a altura da pandemia COVID-19, tornou-se um tema mais mediático... uma moda. Mas isto não se reflete necessariamente num aumento de literacia de saúde mental. Continuam a existir muitos mitos, ideias erradas e preconceitos acerca deste tema. Mais uma vez, acho que estamos a caminhar no bom sentido, mas ainda há muito a fazer no sentido da clarificação e literacia emocional da população em geral.
No seu livro não esconde a preocupação pelas consequências para a saúde mental advindas deste mundo frenético em que vivemos. Da experiência que traz da sua prática clínica é lícito afirmar que a forma como vivemos está a concorrer para enfraquecer a nossa saúde mental?
De facto, vivemos numa era de cada vez mais estímulos, distrações, pressões, competições e, se assim o quisermos chamar, frenesim. A evidência dos estudos científicos, feitos de forma repetida ao longo dos anos, indica que estamos perante números cada vez maiores de incidência de perturbações mentais a nível mundial. Claro que não é possível colocar uma causa única nas alterações sociais, pois todas as perturbações mentais são multifatoriais e de origem bio-psico-social. Mas sem dúvida que o stresse cronico tão típico dos nossos dias, é um componente importantíssimo e que pode despoletar a doença em pessoas com vulnerabilidades biológicas ou psicológicas.
A Saúde Mental, desde a altura da pandemia COVID-19, tornou-se um tema mais mediático... uma moda. Mas isto não se reflete necessariamente num aumento de literacia de saúde mental.
De entre os fatores que mais concorrem atualmente para a precariedade da saúde mental há algum ou alguns que queira elencar? E porquê?
Há múltiplos fatores. A começar pela questão da literacia em saúde mental. Sem conhecimento adequado como podemos promover bons hábitos que ajudem a nossa saúde mental? Como reconhecer que se pode estar a sofrer de uma perturbação mental se não se sabe quais os sinais de alarme? No meio dos mitos e dos medos sobre a doença, como levar as pessoas a pedir ajuda sem que se sintam estigmatizadas? É muito importante haver cada vez mais e melhor informação sobre estes temas, poder-se falar livremente sobre saúde e doença mental, para eliminar preconceitos e ideias erradas. Depois esta é uma área em que tradicionalmente há pouco investimento, tanto a nível dos serviços de saúde, como a nível de campanhas de informação para o público em geral. Outros fatores que considero importantes estão relacionados com determinadas “normas” culturais, cada vez mais enraizadas como “as únicas corretas”, como por exemplo a padronização do sucesso, como se cada um de nós não pudesse ter a sua medida de sucesso; a cultura do “nunca falhar”, como se errar não fosse a melhor forma de aprender; ou esta necessidade de termos de estar sempre em todo o lado ao mesmo tempo, quando isso não é humanamente possível.
O seu livro pormenoriza 18 hábitos para melhorar a saúde mental. Como determinou estes hábitos e qual a sua articulação?
Estes 18 hábitos foram escolhidos por serem aqueles que têm uma maior fundamentação científica, no que diz respeito ao seu potencial papel de promoção da saúde mental. Apesar de este ser um livro que tenta falar numa linguagem extremamente acessível, a verdade é que envolveu estudo e procura de validação científica. Apesar de, numa primeira passagem, eles parecem todos muito separados uns dos outros, na verdade eles estão todos interligados. Cada um dos leitores irá perceber que para dominar bem um hábito, tem também de desbloquear os outros. E, imagino eu, será interessante ver que certas pessoas terão mais dificuldades nuns que para outras será algo mais fácil. Por exemplo “seja um bom gestor de stresse”, para criar ou promover este hábito convém prestar atenção ao que se sente, convém ter bons hábitos de sono e desportivos, convém saber incentivar o ócio e saber impor limites.
Escreve na introdução ao livro que “ao aplicar estes hábitos, estará a criar fundações sólidas para uma mente resiliente”. O que de tão abonatório há nestes hábitos que tornam a nossa mente resiliente?
Cada um destes hábitos, mesmo de forma isolada, está associado a melhorias ao nível de vários aspetos da nossa saúde mental. E se nós promovermos uma boa saúde mental, no fundo uma maior reserva de saúde, teremos menos probabilidades de ficar doentes. O que não quer dizer que por melhores hábitos que se tenha a pessoa não venha a ficar doente, mas sem dúvida que está a reduzir a probabilidade de isso acontecer.
Se tivesse de escolher um argumento sólido capaz de nos levar a romper com velhos hábitos e a empreendermos um novo caminho em prol da nossa saúde mental, qual elegeria?
O meu argumento é o seguinte: se quiser viver com melhor qualidade de vida e bem-estar, cuidar da sua saúde mental é fundamental. Se tem maus hábitos, que prejudicam a sua saúde, o que o leva a mantê-los? A mudança é possível, sempre.
Stresse cronico tão típico dos nossos dias, é um componente importantíssimo e que pode despoletar a doença em pessoas com vulnerabilidades biológicas ou psicológicas.
Ainda sobre os hábitos. Muitos destes hábitos estão de tal forma enraizados nos nossos comportamentos que não encontramos distanciamento para os identificarmos e alterarmos. De que forma conseguimos exercer a crítica construtiva sobre os nossos hábitos tendendo a alterá-los?
De uma forma simples, parando para pensar. Bem sei que parar é considerado um luxo, mas na realidade é mesmo uma necessidade. Precisamos de estar atentos às nossas rotinas, ao nosso comportamento, às nossas interações, aos nossos sentimentos. Só assim é possível ganhar consciência sobre o que nos faz bem e o que nos faz mal, assim como o que queremos ou não alterar.
Escreve que o seu livro exerce uma leitura disruptiva. É sua intenção criar incómodo ao leitor no sentido de o levar a uma ação?
Sim. Não quero que este livro seja apenas para ler, quero que seja uma chamada à ação. Nesse sentido, entre a explicação da relevância de cada hábito e ideias práticas para a sua implementação, surgem uns desafios para pensar. Com espaço para a escrita. O leitor pode escrever no livro, tirar notar, voltar a escrever por cima. De nada serve saber, se não aplicarmos na prática e isso pode ser feito com o incómodo de por o leitor “a trabalhar” em vez de ser apenas um espetador passivo.
Elenca como primeiro hábito “prestar atenção”. Desaprendemos o exercício de prestar atenção?
Muitos de nós temos problemas em prestar atenção, mais uma vez exige um esforço intencional de carregar no botão de pausa ou no travão. Precisamos de olhar bem para fora, para o mundo e para as pessoas que nos rodeiam. Precisamos também de olhar para dentro, para perceber as importantes mensagens que o nosso corpo e a nossa mente nos dão. O frenesim da nossa era, a constante demanda pela nossa atenção, a tecnologia que nunca nos larga, a pressão por número e produtividade, levam muita da nossa atenção. Talvez ao ponto de estarmos destreinados em prestar atenção ao que realmente importa.
Ao leitor poderá causar espanto um dos hábitos que elege, “ser um bom garfo”. Porque enfatiza esta dimensão?
Muitos dos títulos dos hábitos tem títulos provocadores, mais uma vez para chamar o leitor ao livro, para o por a questionar e para o levar a ação, nem que seja ler o capítulo porque ficou curioso. Ser um bom garfo significa ter hábitos alimentares saudáveis. Aquilo que ingerimos, como fazemos as nossas refeições são fatores muito importantes para a nossa saúde mental, afinal a nossa mente é uma maquinaria que funciona 24 por dia, sete dias por semana, desde que nascemos até que morremos, convém que esteja bem nutrida.
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