Garantir que os nossos bens estão organizados e arrumados em casa parece, a muitos de nós, algo trivial. No entanto, vivemos num mundo em que as casas são cada vez mais pequenas e os bens cada vez mais baratos e fáceis de adquirir. Tal significa que a acumulação de bens é quase inevitável e que a desarrumação é uma crescente possibilidade nas casas contemporâneas. 

Mas porque é que gostamos de ter posses em casa? O que nos impede de deitar fora alguns bens, que sabemos serem desnecessários? Até que ponto é que a acumulação de objetos é saudável e a partir de que ponto se torna problemática?

Na realidade, o conceito de “arrumado” ou “desarrumado” é relativo, variando de indivíduo para indivíduo, consoante a sua tolerância à acumulação e à arrumação dos objetos. Na criação de um “lar”, as pessoas necessitam de se rodear de objetos materiais que reflitam quem elas são: estes objetos representam experiências passadas, ganhos e objetivos concretizados e conexões com pessoas importantes para nós. A presença de bens pessoais em casa torna-nos mais ligados ao espaço onde vivemos, como uma forma de personalizar um determinado local. 

Porém, e como é o caso na maior parte dos comportamentos humanos, a medida em que as pessoas guardam e colecionam bens pode variar entre normal e ajustada a excessiva e problemática. No pior dos cenários, a acumulação e desarrumação podem ser sinais de uma perturbação psicológica que necessita de intervenção especializada. Em relação a pessoas saudáveis, indivíduos com problemas de acumulação e desarrumação tendem a manifestar, de forma excessiva:

  1. Hiperligação com os objetos;
  2. Dependência nos objetos para recordar eventos passados;
  3. Necessidade e desejo de manter o controlo sob os objetos;
  4. Sentido de responsabilidade sob os objetos.

A presença destas características, aliadas a um desconforto em descartar os bens pessoais, a uma incapacidade de viver adequadamente, a uma desinibição em adquirir e comprar bens, a uma antropomorfização dos objetos (ou seja, à atribuição de características e sentimentos humanos aos objetos) e à presença de procrastinação e indecisão pode apontar para uma perturbação de acumulação. 

O desenvolvimento de uma perturbação de acumulação tem na sua base fatores genéticos, neurocognitivos, da história de vida da pessoa, ou pode estar associada a características da personalidade desta (por exemplo, sujeitos perfecionistas e indecisos tendem a ser mais vulneráveis). Esta perturbação, por sua vez, está associada a outros problemas psicológicos, como depressão e ansiedade, assim como a dificuldades em estabelecer relacionamentos pessoais e consequente isolamento social. No entanto, não afeta apenas o próprio acumulador: a sua família, vizinhos e comunidade podem ser igualmente afetados. Por isso, uma perturbação de acumulação pode ser, não raras vezes, uma questão de saúde pública (por exemplo, uma casa repleta de objetos não essenciais e inúmeros animais, alguns deles já mortos, podem atrair determinadas pragas).

Crianças que residem em ambientes familiares caóticos e desarrumados tendem a apresentar piores desempenhos académicos e problemas ao nível da sua motivação para desempenhar tarefas. De igual modo, adolescentes que permanecem nestes ambientes tendem a ter mais dificuldades de leitura.

É, como tal, importante intervir sob esta necessidade de acumular bens e dificuldade em organizá-los e descartá-los, pelo que, em determinados casos, perante a incapacidade do contexto familiar, poderá justificar-se uma mobilização municipal e comunitária. A solução está, certo é, em descartar os objetos desnecessários e em excesso, mas muitas pessoas têm dificuldades em fazê-lo sozinhas. Nestes casos, o recurso a um profissional competente é fundamental, para promover mudanças na pessoa que acumula de forma problemática ou mesmo patológica, bem como evitar recaídas, por sinal frequentes, na ausência de uma atuação estruturada por profissional capacitado.

A intervenção individual é a mais comum, mas a intervenção em grupo revela-se igualmente eficaz no tratamento de pessoas com problemas de acumulação, dado que permite a partilha de experiências, preocupações e soluções a pessoas com problemas semelhantes, guiados por um profissional devidamente formado nesta temática.

Se sente que se debate com a acumulação excessiva de objetos e desarrumação, consulte um profissional; por si e pelos outros. Não está sozinho(a). 

Um artigo dos psicólogos clínicos Mariana Moniz e Mauro Paulino, da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.