A quarentena imposta em vários países de todo o mundo nos períodos mais negros da pandemia viral de COVID-19 veio dar hipótese aos casais que geralmente passam o dia sem se ver de estarem mais tempo juntos. O problema é que este é um tempo de incerteza e que nos limita a um espaço que, embora seja confortável para o casal, pode tornar-se perigoso, têm vindo a alertar milhares de especialistas um pouco por todo o planeta. Isto se a rotina e as regras não estiverem bem definidas, insistem.
Um exemplo disso é o aumento de pedidos de divórcio após o período de quarentena por toda a China, sobretudo em Xi’na, situada a 800 quilómetros de Wuhan, onde começou o surto. "A sobreconvivência pode levar à exacerbação de dificuldades que os casais já têm, bem como a uma diminuição da capacidade de olhar construtivamente para elas e de encontrar soluções em conjunto, pelo estado de tensão em que as pessoas se encontram", alerta Rita Fonseca de Castro, psicóloga clínica e terapeuta familiar e de casal.
Esta será a causa mais comum e mais simples. Mas a quarentena, tal como qualquer outra situação em que a sua rotina seja alterada e exija passar mais tempo com o seu parceiro, pode também levar ao aparecimento de outras divergências que o casal, até então, desconhecia. Passar mais tempo com o seu parceiro é um verdadeiro teste para a relação, principalmente para os casais que já estão juntos há muito tempo, com filhos e que, ao longo dos anos, nem sempre têm dado a atenção necessária à relação.
Os desafios que se colocam
Só gostar do outro não chega. Não é suficiente. Nunca o é. O espaço, o tempo e a comunicação são três pilares de qualquer relação e devem ser sempre tidos em conta quaisquer que forem as circunstâncias do casal. "Com a passagem do tempo, algumas pessoas podem começar a sentir o impacto negativo de terem pouco espaço disponível para si, para estarem a sós, o que pode ter implicações a nível emocional, como por exemplo, uma maior irritabilidade e tolerância para com o outro", adverte.
A esta questão está associada também, segundo Rita Fonseca de Castro, o problema do tempo pessoal, caso não exista um bom planeamento feito pelo casal. Existe um aumento das tarefas domésticas e a realização de outras atividades que eram regulares, como a atividade física ou os encontros com os amigos não existem, o que pode levar a uma "sensação de escassez do tempo para exercitar a individualidade, o que vai ter consequências negativas para a dinâmica do casal", esclarece a psicóloga.
O último pilar, a comunicação, também pode ser afetado pela nova realidade do casal. Em primeiro lugar, porque podem surgir novos temas, alguns deles delicados, que precisam de ser discutidos, como questões de saúde ou preocupações financeiras. A juntar a isto, está a ansiedade provocada pela incerteza do momento que pode prejudicar a clareza da comunicação e levar a discussões que poderiam ser evitadas com um simples escape, como ida à rua, que numa situação de confinamento não é possível.
A importância dos limites
Para que os desafios que surgem possam ser superados, é necessário, em primeiro lugar, que o casal os reconheça. Nem sempre sucede. Depois, há que ter um plano que antecipe os conflitos e as situações inesperadas, mas "tem de ser realista e concretizável", refere a especialista. "O estabelecimento e o cumprimento de horários e rotinas terá um papel estruturante e organizador que não é possível dispensar", afirma ainda Rita Fonseca de Castro. O plano deverá ser discutido em família, caso o casal tenha filhos.
"Cada pessoa precisa de ter tempo e espaço para trabalhar, para estar só, para estar com os filhos, para fazer tarefas de casa", acrescenta. A comunicação deve, por isso, ser clara, objetiva e empática. O casal deve funcionar em equipa e deverá reconhecer que agora não é o momento para resolver problemas que têm vindo a acompanhar a relação. Para que não coloque em perigo uma boa comunicação, a psicóloga aconselha os elementos do casal a não julgarem o outro e a alterarem a forma de se expressar, evitando generalizações como o sempre ou o nunca. Substitua, por exemplo, frases como "Tu nunca me compreendes" por outras como "Gostava que tivesses compreendido como me senti quando o meu chefe me telefonou".
Por outro lado, não refira negativamente aspetos da personalidade do parceiro. Por exemplo, troque afirmações como "És mesmo egoísta" por declarações como "Gostava que tivesses parado de trabalhar para almoçarmos juntos". Outra das estratégias passa por "tentar usar mais afirmações positivas do que negativas", aconselha a psicóloga. Mas isso não significa deixar assuntos pendentes e, mais do que isso, deve introduzir um ritual diário de diálogo do casal para que juntos façam o balanço do dia.
“Embora possa parecer que não têm nada a dizer, já que passaram todo o dia juntos, com certeza que sentiram coisas que não expressaram ou leram e/ou viram qualquer coisa que não tiveram oportunidade de partilhar. Este pode ser um bom momento para o casal dedicar apenas a si", aconselha Rita Fonseca de Castro. "Se implementarem este hábito agora, será uma mais-valia para quando a quarentena acabar", assegura. No caso dos casais em regime de teletrabalho, essa também deverá ser uma regra a seguir.
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