Projetos de vida em comum, compatibilidade psicológica, atração sexual, ciclos de vida, compromisso e capacidade de lidar com diferenças. Estas são as seis dimensões do casamento e da vida quotidiana a dois que, segundo Luiz Hanns, psicólogo e psicanalista, permitem desvendar as fortalezas e as fraquezas de uma relação. Juntas compõem uma equação, a partir da qual se podem apurar os "ajustes de desejos que cada um tem de fazer", sublinha o especialista. "Consigo e também com o seu companheiro", refere.
A isso, junta a necessidade premente de "aprender novas competências para lidar com os desafios de estar casado hoje em dia", explica o especialista brasileiro, terapeuta de casais há mais de 20 anos, que esteve em Portugal em 2014 para o lançamento do seu livro "A equação do casamento", publicado pela editora Vogais. Uma obra que funciona como um guia orientador. "Não fomos ensinados a conviver numa relação que exige tanto, sendo quase impossível cumprir todas as expetativas", adverte, contudo.
Parar para analisarmos a nossa relação pode trazer-nos mais felicidade ou, por outro lado, consciencializar-nos para a nossa insatisfação?
Regra geral, quem está satisfeito com a relação quer apenas prevenir e aperfeiçoá-la. É muito raro que alguém que se sinta plenamente satisfeito, ao entrar em contacto com esta equação, perceba subitamente que está insatisfeito. Por outro lado, se há uma insatisfação latente, esta análise pode ser útil e acelerar a perceção de que algo não está bem, que pode ser abordado e talvez corrigido, antes que a relação se torne insustentável.
Qual a importância de fazer esta análise?
Há mais de 40 anos que têm sido realizadas pesquisas sobre casamento e que comprovam a eficácia da prevenção. Alguns casais optam por, antes de se casarem ou no início de uma crise, analisar a sua relação e identificar áreas deficitárias e reforçar fortalezas.
Para tal, é fundamental desenvolver as competências de convívio a dois, isto é, a capacidade de lidar com divergências e com a etiqueta de casamento e, acima de tudo, trabalhar na conexão emocional. Normalmente, entre uma a seis sessões focadas nas competências necessárias para um bom convívio a dois, se realizadas antes do casamento, contribuem, em muito, para a diminuição da taxa de divórcios e de insatisfação.
Tais competências também podem ser ensinadas logo ao início das primeiras crises e contribuem em muito para a sua resolução mas, infelizmente, em média, os casais recorrem a terapia seis anos após esta ter começado, quando já há um grande desgaste. Ainda assim, aprender as habilidades necessárias para conviver a dois tem grande efeito.
A equação altera-se ao longo da relação?
A alteração é constante. É importante que o casal tenha competência para fazer permanentemente ajustes no casamento, de forma natural, no quotidiano. Isto permite que, em conjunto, consigam corrigir problemas. A equação é constituída por fatores cujos pesos vão variando. Um deles é a convergência dos projetos em comum, como os valores e interesses, e o outro é a atração sexual.
Por exemplo, é possível que, ao longo do tempo, para um dos parceiros, a questão dos projetos pessoais venha a adquirir um peso maior que a atração sexual, que, não deixando de ser importante, pode não ter o mesmo valor que teve numa outra fase de vida e, para um outro cônjuge, pode ser o inverso.
Qual é a chave para construir uma relação feliz e duradoura?
Ter um casamento feliz e duradouro não deveria ser a nossa meta, pois esta é idealizada e dependente de fatores externos ao casamento e fora do nosso controlo. A meta deve ser ter um casamento que valha a pena, ainda que possa ter dificuldades. Por exemplo, para algumas pessoas pode valer a pena ter um parceiro difícil, mas que é instigante, carismático e mais atraente do que outro que é bonzinho, mas tedioso.
No entanto, um certo grau de bem-estar é importante. As pesquisas indicam que as relações mais duradouras, que relatam maior felicidade, têm três aspetos frequentes. Em primeiro lugar, a existência de compatibilidade psicológica em termos de personalidade.
Em segundo lugar, têm afinidades e interesses em comum e os mesmos projetos de vida. Por fim, é importante que haja um grau satisfatório de atração sexual. Mas, se tivermos de escolher um fator crucial, as pesquisas apontam para a conexão emocional, pois permite maior capacidade para fazer ajustes, tolerar imperfeições e conversar.
Quais os grandes inimigos de uma relação saudável?
Um deles é a falta de competência para o convívio a dois. Não fomos ensinados a conviver numa relação que exige tanto, sendo quase impossível cumprir todas as expetativas. Começando pela etiqueta de casamento, cometemos deslizes quotidianos que poderiam ser evitados se alguém nos instruísse a seu respeito.
Além disso, não aprendemos a lidar com divergências. Isso é algo de fundamental, tendo em conta que o casamento é um sítio de negociação, administração de frustrações e investimento numa vida em comum. Assim, vamos acumulando ressentimentos e entramos em confrontos destrutivos.
Por outro lado, imersas nas tarefas do quotidiano, as pessoas deixam de cultivar o relacionamento e prestar atenção ao outro, vivem vidas paralelas. Há ainda outro grande inimigo. O stresse, que se vai instalando insidiosamente na relação e, quando o casal se apercebe, já existe um grande desgaste.
Como demonstrar o nosso descontentamento?
Em geral, o melhor é não fazê-lo no momento exato em que o evento ocorre, esperando que a situação acalme. Além disso, é importante não generalizar com frases como "Você sempre ou você nunca". O que pode fazer com que o parceiro se sinta injustiçado e perca o foco na questão. É melhor, em vez de acusar, mencionar como determinada ação o afetou, falando dos seus sentimentos e desejos e tentar negociar uma solução.
O divórcio é uma derrota do casal?
O divórcio é um fenómeno cultural do casamento contemporâneo. O casamento é um projeto de felicidade e de realização pessoal e, após algum tempo, as pessoas podem mudar ou perceber que o relacionamento se deteriorou a um ponto de não resgate e veem o divórcio como uma possível saída.
Não é correto encarar todos os casais que se separam como incompetentes na capacidade de conviver. Faz parte da vida mudar de expetativas e necessidades, não devendo o divórcio ser encarado como um fracasso.
Há momentos em que as crises são mais frequentes?
Há vários eventos que criam tensão. Por exemplo, em geral, cerca de um ano e meio após o início da relação, um período apaixonante, surge o efeito habituação. As pessoas tornam-se mais críticas e menos entusiasmadas com tudo. Depois há talvez o nascimento de filhos, um evento que diminui os momentos de prazer sexual e coloca o casal sob maior stresse.
A existência de filhos deve levar o casal a ponderar com mais cuidado a separação?
Sim, não querendo isto dizer que estes devam ser a razão para manter um casamento. Neste caso, as consequências de uma separação deixam de envolver apenas dois adultos, passando a afetar os filhos que, embora se possam adaptar com a ajuda de terapeutas, sofrem uma perda. Em caso de filhos, vale a pena examinar com mais paciência e calma a situação, do que o que aconteceria no caso de um casal sem filhos.
O que fazer para não voltar a entrar em crise?
Uma crise que não é resgatada e superada em profundidade, isto é, à qual o casal fecha os olhos e com o passar do tempo volta a relacionar-se, entrando novamente na rotina, sem voltar a tocar no assunto, permanece latente, existindo uma grande probabilidade de voltar a acontecer. Também não costuma funcionar apenas ter boa vontade ou ser positivo. A melhor solução é enfrentar uma crise através de uma comunicação franca e eventualmente contar com ajuda de algumas sessões de terapia de casal.
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