Lembro-me da primeira vez que ouvi falar do novo coronavírus: estávamos em meados de janeiro e começavam a circular as primeiras notícias sobre um misterioso vírus que estava a afetar uma região específica da China, Wuhan. Aparentemente, os casos estavam todos relacionados com um mercado local e os infetados ou trabalhavam lá ou tinham estado de visita por lá.

Lembro-me de perguntar ao Nuno de Noronha, editor de Saúde do SAPO Lifestyle, se tínhamos alguma coisa sobre isso e se podíamos ter um artigo explicativo sobre o que se sabia até ao momento. O artigo saiu a 16 de janeiro e olhando agora, há distância de meses, parece que foi noutra vida. Era outra vida para nós na altura.

Contextualizando: nessa altura, estava no quinto mês de gravidez, poucas pessoas sabiam desse facto (durante algum tempo guardei essa informação e não a partilhei com o mundo, apenas com algumas pessoas. Foi por esses dias que partilhei a boa-nova) e pouco ou nada se sabia sobre este novo vírus. Mas houve ali qualquer coisa que fez disparar os meus alarmes, um sexto sentido qualquer que me colocou de sobreaviso para a importância que aquilo poderia ter. Infelizmente, em pouco tempo isso acabou por se confirmar, com a multiplicação de notícias sobre a COVID-19.

Ainda nesse mês, mais precisamente a 24 de janeiro, fiz aquela que seria a minha última viagem internacional enquanto grávida: um fim de semana prolongado a Viena e Budapeste. Nos aeroportos não havia nada que nos alertasse para o novo coronavírus. Em Viena tudo se passou normalmente, em Budapeste também e a única coisa que nos lembrou que um vírus andava a espalhar-se por aí foi no dia de regresso, no aeroporto em Budapeste, quando começamos a ver algumas pessoas com máscara. E não eram apenas grupos de chineses, habituados a isso.

Naquela altura, fim de janeiro, já começava a haver notícias sobre discriminação e boicote a restaurantes e lojas chinesas e de chineses a queixarem-se de tratamento diferenciado.

Fast forward

Depois de vários casos suspeitos negativos e de se multiplicarem as piadas sobre isso em Portugal, eis que as primeiras duas confirmações são divulgadas. Estávamos a 2 de março. Daí até os números começarem a multiplicar-se é o que sabemos até hoje: todos os dias há novos casos diagnosticados – uns dias acima da média, outros dias abaixo da média –, de acordo com os testes disponíveis.

O dia 11 de março foi o último em que estive no SAPO. No dia anterior saiu a comunicação da empresa que mandava para regime de teletrabalho grupos de risco, entre eles grávidas e doentes oncológicos. Fui ainda à redação nessa manhã de quarta-feira para ter as últimas reuniões presenciais.

Naquele dia tive a minha primeira experiência num hospital, em plena pandemia de COVID-19

Pela hora de almoço iria a uma consulta no hospital em que estou a ser seguida e dali iria diretamente para casa onde continuaria a trabalhar remotamente. Ao contrário de outras empresas, para nós o regime de trabalho remoto é uma realidade há anos. Quando aqui cheguei, em agosto de 2013, já todos tinham computador portátil e, ao fim de semana ou em situações justificadas, trabalhava-se a partir de casa.

Quando saí, uma colega despede-se com um "Adeus, Daniela. Tem um resto de boa gravidez! Que tudo corra bem". Confesso que na altura fiquei confusa e achei que aquela não seria a última vez que iria estar com os meus colegas. Pelo menos fisicamente (digitalmente continuamos juntos todos os dias). A verdade é que nunca mais voltei e no fim dessa semana os restantes também foram enviados em regime de teletrabalho. A avaliar pela evolução da situação, muito dificilmente voltarei a estar com eles antes do nascimento do bebé.

E chegamos a este ponto: naquele dia tive a minha primeira experiência num hospital, em plena pandemia de COVID-19 (foi precisamente nesse dia que a OMS anunciou o pior cenário).

No hospital encontrei um ambiente calmo, estranhamente calmo. Associei ao facto de ser hora de almoço e talvez haver poucas consultas a essa hora. A enfermeira que me atendeu em primeiro lugar explicou-me que havia muitas pessoas a desmarcar consultas e que isso se refletia numa menor afluência aos serviços. Mas também partilhou que, no dia anterior, uma grávida tinha estado ali porque queria confirmar se era mesmo necessário cumprir o tempo de quarentena uma vez que tinha sido enviada para casa, pela empresa, para cumprir um período de isolamento, depois de uma viagem a Itália.

Aí tive noção de várias coisas: as pessoas, por mais informação que já houvesse, colocavam em risco terceiros sem pensar muito bem nas consequências dos seus atos; que o vírus podia andar em qualquer lado, fosse pelo desconhecimento de se estar infetado, fosse pela falta de noção dos riscos; que os hospitais eram os piores sítios para uma pessoa estar naquele momento. Logo ali, senti-me solidária com os profissionais de saúde, que estavam expostos a toda aquela situação.

Em consulta com a minha obstetra, não havia ainda muita coisa para me dizer sobre o vírus: não se sabia verdadeiramente qual o risco que as grávidas corriam – haviam algumas publicações científicas, mas nada muito concreto – a DGS não tinha ainda referenciado nada sobre o assunto e na prática ninguém ainda sabia nada.

Os únicos conselhos eram: resguardo, evitar sair de casa e ter cuidados redobrados em casa no contacto com pessoas que continuassem a sair à rua. Questionou-me se eu continuava a ir para o trabalho ou se podia continuar a fazê-lo a partir de casa. Expliquei os acontecimentos recentes e ela ficou mais tranquila com o meu caso.

Mas (há sempre um mas) como ficavam as consultas e os exames que precisava de continuar a fazer?

Um aparte: dois dias depois, o meu companheiro foi enviado para casa, em regime de teletrabalho, dada a minha condição – não faria sentido eu estar em casa e ele não, colocando-me em risco. Felizmente, a situação resolveu-se rapidamente. Falei com colegas nesses dias de transição que partilhavam comigo a ansiedade que sentiam nos transportes públicos. Eu própria tinha passado por essa situação, no início da semana: estar num autocarro cheio de uma ponta à outra, em pé, depois de suprimirem uma carreira em plena hora de ponta, enquanto uma senhora com uma criança de colo constatava o óbvio: "fecham-se estádios de futebol para não juntar pessoas e depois temos de vir aqui nestas condições".

Mas (há sempre um mas) como ficavam as consultas e os exames que precisava de continuar a fazer? Estava a chegar aquele momento em que devia fazer o teste da glicose e fazer nova recolha de sangue. Era para manter? Esperava-se até ao limite? Nesta coisa da gravidez, há prazos a cumprir de acordo com a evolução das semanas.

Sim, tinha de continuar a fazer essas coisas. As credenciais para as ecografias futuras foram passadas, os exames prescritos. O que aconteceu depois é tema para os próximos capítulos.


Daniela Costa chegou ao SAPO em agosto de 2013, depois de uma passagem por produtoras de televisão em que fez um pouco de tudo: desde programas para a RTP 2 sobre agricultura, pescas e desenvolvimento rural, programas sobre lusofonia, na RTP África ou programas para a RTP Internacional sobre o melhor que se fazia em Portugal nos anos de crise financeira, entre outros. Entrou na equipa do SAPO Lifestyle, em novembro de 2015, e desde fevereiro de 2017 que assume a função de editora.