Que a psicoterapia é estigmatizada, não é nenhuma novidade. Seja pelo seu passado denso, seja pela invisibilidade dos métodos a que recorre, seja por inseguranças pessoais de quem não se sente confortável com esta entrega de intimidade, devemos respeitar a opinião de cada um. Ser tolerante é apenas uma virtude quando o conseguimos fazer com quem não concordamos. Contudo, sendo eu suspeita, vou além do óbvio, na importância e pertinência de acompanhamento psicoterapêutico ser uma ferramenta fulcral. Considerar alguém fraco ou vulgo “maluco” porque escolhe investir na sua saúde mental, diz muito mais acerca de quem profere esse julgamento, do que da pessoa que quer uma vida mais feliz e procura apoio profissional para o fazer, de forma eficaz.
Frequentemente, para que eu não tenha a audácia de confundir ninguém por alguém que não é, partilham comigo diversos argumentos muito claros, justificando o porquê de não ver relevância na terapia, sempre adoçados com “estou aqui agora mas…”. É um advérbio que vem carregado de argumentos do género “mas nunca precisei de ninguém”, “mas sempre soube lidar com os meus problemas”, “mas tenho amigos que me ouvem” ou até “eu próprio sempre fui meio psicólogo”. Certo, eu pessoalmente prefiro aqueles com cédula e investimento profissional, mas respeito. Contudo, não me inibo de lançar a polémica constatação de que considero a terapia um acto de coragem. Conhecermo-nos e reconhecer que existe uma ampla margem para melhoria individual, pode ser assustador. Compreender os processos que nos construíram na pessoa única que somos hoje, percebendo a pertinência de intrincados mecanismos, aceitar as nossas características e investir em melhores hábitos de vida, editando os sentimentos em relação a tudo isto, podem ser trabalhos mais árduo e exigentes do que os doze trabalhos do Hércules. Portanto concordo, a terapia não é para os fracos do coração, nem para pessoas sem juízo, é o preciso oposto disso.
Sentar-se no sofá da psicoterapia é das atividades radicais mais aventureiras que conheço, senão vejamos. Vivemos enredados num quotidiano em que somos estimulados de tantas formas, a uma velocidade tão alucinante, que o desafio é sermos capazes de respirar fundo e poder olhar para dentro de nós próprios, já para nem falar sobre refletir. Vivemos, essencialmente, em piloto automático, envolvidos em semanas difíceis a sucederem-se e a atropelarem-nos entre trabalho, problemas e a conciliação perfeita das múltiplas esferas da nossa vida, brindando com ganas quando surgem alguns dias para pausar. Neste sentido, não será pertinente o esforço (sim, a terapia, normalmente, exige empenho) de plantar algumas soluções estratégicas, um momento para respirar, que nos sirva de bolha de oxigénio para lidar connosco, com os outros, com a vida? Tenho a ousadia de assegurar que as consultas de psicologia têm essa função. Essa e muitas mais.
Além do mais, sejamos honestos, é sempre muito mais simples analisar e avaliar as vidas dos outros. Conseguimos arranjar solução para qualquer melodrama alheio que apanhemos por aí, num estalar de dedos, às vezes até parecem exagerar e sentimos que os nossos problemas são bem mais complexos. Hoje em dia, é mais desafiante conseguirmos usufruir de um momento de qualidade a sós, ou sequer encontrar o tempo, nem mencionando a capacidade, de não estarmos assoberbados ao ponto de nem conseguirmos alguma perspetiva emocional sobre o que nos apoquenta. Isto pode gerar, muitas vezes, uma espiral de stress, desespero e impotência sobre nós mesmos. Novamente, a psicoterapia ajuda nisto, criando-nos o espaço e o tempo necessários para que vejamos a nossa vida tão descodificada quanto nos parecem as dos outros. Incrível, eu sei.
Reconhecer outros pontos de vista, aceitar que podemos não possuir a verdade toda, ousando mudar para melhor, com empenho e resiliência, aprender a vermo-nos de forma mais positiva, perceber que a nossa zona de conforto pode ser uma zona de guerra, apanhar a tempo aquela dúvida relâmpago que gosta de se instalar quando estamos com um estado de espírito mais optimista e deixar-lhe bem claro quem manda, tudo isto são feitos bem heróicos, a que pode ter acesso num consultório de psicologia perto de si. Ter um espaço confidencial, privado, seguro, com a companhia de alguém cuja única função é escutar ativamente, sem julgamentos ou críticas, e oferecer orientação e compreensão, por onde pretendemos seguir. A mim soa-me bem, e a si? Visitar um local onde pode, com a regularidade que entender, investir em si, reunir mais ferramentas para lidar com a adversidade (a não ser que já tenha muitas, nesse caso agradeço que me contacte!) ou simplesmente poder ventilar as dificuldades e pesos opressores, sem sobrecarregar as pessoas próximas, podendo, assim, ter mais tempo de qualidade com quem gosta.
Apostar nesta opção, na minha opinião enquanto psicóloga clínica, apenas traduz uma saudável inteligência emocional e quase parece bom demais para ser verdade. E podemos também considerar que é, porque existem condições menos positivas. Ter apoio psicológico exige investimento de dois bens preciosos: tempo e dinheiro. E a prioridade que atribuímos à nossa saúde mental e bem-estar nem sempre é um dado adquirido. Contudo, tendo noção da sua relevância e repercussões em múltiplas camadas da nossa vida, acho que é uma equação simples de concluir. Deixo, assim este teaser sobre o que pode descobrir ao escolher ter a companhia de um psicólogo na sua equipa pessoal e deixo também à sua consideração, fará parte dos bravos que usam a terapia em seu proveito? Concluo com a melhor dica que posso partilhar, se escolher fazer terapia e sentir que não ficou satisfeito, desista do terapeuta, nunca da terapia. Uma relação terapêutica de confiança e com boa química profissional, é essencial para um acompanhamento psicológico de sucesso!
Por Isabel Filipe, Psicóloga Clínica e autora do blogue Agir e Sentir.
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