A 10 de setembro, assinala-se, anualmente, o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio. Em Portugal, calcula-se que todos os anos ocorram cerca de 1.000 suicídios e perto de 30.000 para-suicídios, casos em que uma pessoa, numa situação de cólera e/ou frustração, expressa a revolta ou o desespero através de métodos não violentos que incluem cortes e sobredosagens medicamentosas. O panorama atual é preocupante.
Segundo dados internacionais, o suicídio aumentou 60% nos últimos 45 anos. Um quadro que tem levado a comunidade médica a debruçar-se sobre as causas e soluções para o problema. Em entrevista à edição impressa da Prevenir, na condição de coordenador da consulta de prevenção do suicídio dos Hospitais da Universidade de Coimbra, Carlos Braz Saraiva, psiquiatra, aborda o problema.
O que deve fazer quem pensa de forma recorrente no suicídio?
Criar proximidades e não se isolar. Assim, é mais fácil tentar perceber outras alternativas que não a morte. Deve também procurar ajuda especializada, por exemplo através de consultas diferenciadas que existem em alguns hospitais psiquiátricos.
Pode também consultar o médico de família ou outros psicoterapeutas, preferencialmente com conhecimentos na área da suicidologia. Os centros de ajuda telefónica que existem também podem dar uma ajuda, bem como a consulta de sites especializados que fornecem muita informação sobre as melhores formas de lidar com o desespero.
Que percentagem de pessoas com depressão tenta o suicídio?
Cerca de 30% das pessoas com depressão pensa no suicídio e 10% chega mesmo a cometê-lo, nessa depressão ou no futuro. A principal doença associada ao suicídio é a depressão, responsável por entre 50% a 80% dos casos, segundo alguns dos estudos internacionais.
Há outras doenças associadas ao suicídio?
A esquizofrenia. A taxa de suicídio nos esquizofrénicos ronda os 15% e, nos deprimidos, os 10% a 15%.
O suicídio também é praticado por quem não sofre de uma doença do foro psiquiátrico?
Em cerca de 90% por cento dos casos, consegue-se perceber o porquê do suicídio e, portanto, há uma franja, de um em cada dez, para a qual não há resposta. O estigma da insanidade mental é válido para a quase totalidade dos suicidas mas não para todos.
O que pensa um suicida?
Sabemos que a maior parte das crises suicidárias, a pessoa ter o plano e andar a cogitar sobre ele, são relativamente curtas. Duram menos de um mês, podendo ser intermitentes. Segundo os sobreviventes, naquele momento, eles queriam mesmo morrer. Mas se, duas semanas depois, falarmos com eles, só 10% é que acha que deveria ter morrido.
São pessoas que estão a sofrer e consideram que a dimensão desse sofrimento é interminável e intolerável e o suicídio surgiria como a única forma de acabar com isso. Não têm capacidade de concetualizar no horizonte outras alternativas. Afunilam as perspetivas, já perderam a esperança. Agora, penso que a ambivalência vai até ao fim...
Querem viver e morrer ao mesmo tempo?
Sim. No fundo, as pessoas gostariam de estar nos dois mundos porque há o medo do desconhecido, que é muitas vezes suficientemente poderoso para a pessoa se torturar pela dúvida e isso faz com que haja essa tal ambivalência.
Muitos destes indivíduos deixam o destino decidir se é suposto viverem ou morrerem. Há pessoas que sobreviveram a tentativas de suicídio por métodos violentos e dizem "Se Deus não quis que eu morresse, é porque tenho de viver"... Dá-lhes um sinal que não tinham.
Se pudessem, parariam o processo de suicídio?
Às vezes, há sinais de última hora. Como o caso de um doente que se ia suicidar e o cão começou a ladrar e ele pensou "Preciso do meu cão". E aí parou! São situações que funcionam como uma revelação. Muitos destes suicidas são torturados pela ambivalência e, muitas vezes, precisam de um sinal forte e poderoso que, se surgir, pode travar o processo suicida.
O problema é que, às vezes, ele não aparece. Muitos destes indivíduos perderam a capacidade de criar proximidade e alternativas. Quando alguém está com uma ideação suicida consistente, a primeira coisa que tem de fazer é falar com alguém e deve ter um grupo de amigos.
O suicídio é um ato impulsivo?
É um puzzle que se vai montando. Daí, falar-se em processo ou crise suicida. A maior parte dos atos suicidas é impulsiva. É como uma instalação elétrica em que só falta o interruptor, que é o precipitante, o clique final, aquilo que às vezes aos outros parece fútil mas que é determinante para desencadear o suicídio.
Por exemplo, o pai não emprestar o carro, o namorado dizer que não vai ao cinema e isso ser sentido como uma rejeição. A rapariga que se zanga com o namorado, ele vai-se embora, ela fica furiosa, vai à varanda e atira-se para cair em cima do carro dele. São coisas assim...
Com que objetivo?
É algo para marcar. Os suicídios são sempre públicos, normalmente não há suicídios solitários. É muito raro um indivíduo suicidar-se para ser ignorado. Por isso é que alguns autores defendem que o suicídio não é um fim mas o princípio de uma mensagem. As pessoas querem sinalizar, marcar no tempo a sua imortalidade, apesar da mortalidade.
Existe predisposição genética para o suicídio?
Existe predisposição genética para as doenças com mais potencial de suicídio. Depois, o que acontece é que há famílias onde existem, de facto, vários casos de suicídio e, muitas vezes, o que fica na dúvida é se o suicídio que ocorreu é devido ao património genético ou ao modelo do suicídio perante determinado problema.
É relativamente comum uma pessoa deprimida dizer "O meu avô teve um problema e enforcou-se. Eu, se calhar, devia fazer como ele"... Portanto, há uma confluência de genes e modelos, por imitação.
Conflitos na esfera dos afetos podem levar ao suicídio?
Sim e aí a mulher é mais vulnerável do que o homem. Sentir-se rejeitado ou não amado, marginalizado, é demasiado penoso para o comum das pessoas. Quando se fazem entrevistas sobre o passado de algumas pessoas que sofrem esse tipo de comportamentos, é comum enfatizarem a dimensão dessa rejeição e como isso lhes causa sofrimento.
Problemas profissionais surgem como motivações para o suicídio?
No caso dos homens, sim. Tudo o que tem a ver com a perda de status, de património e/ou de dignidade. Mas também há homens que não aceitam a traição, o adultério...
Quais são os mitos que vigoram em relação ao suicídio?
A ideia de que quem diz que se vai suicidar não se suicida é falso. Assim como a de que o suicídio é dos fracos ou só atinge determinadas classes sociais.
Qual o retrato do suicida?
É um homem acima dos 45 anos que vive ao sul de Santarém, deprimido, muitas vezes alcoólico, com vários internamentos anteriores, com falta de sentido para a vida, num processo de desesperança, isolado, por vezes não religioso, que comete suicídio por método violento, normalmente o enforcamento, o recurso a uma arma de fogo ou ainda através do uso de pesticidas.
Qual dos dois sexos mais se suicida?
Em todo o mundo, os homens suicidam-se mais do que as mulheres, com exceção das áreas mais rurais da China. Os métodos violentos não são tão comuns no sexo feminino. As mulheres têm preocupação pela imagem do corpo no período pós morte e evitam mais, por exemplo, a trucidação ou a precipitação.
Que sinais de alarme podem indicar que alguém está a pensar no suicídio?
Entre outros, o afastamento dos amigos e da família, depressão, dor psicológica intolerável, perda de autoestima, isolamento, sensação de que nada vale a pena... Comentários acerca da morte ou suicídio, assim como preparativos para a morte são, por vezes, sinais.
Por exemplo, a doação de objetos pessoais de elevado valor sentimental ou escrever cartas aos amigos. Contudo, algumas pessoas podem não mostrar sinais. A única forma de ter a certeza é perguntando. Fazê-lo permite reduzir o seu isolamento e perceberem que os outros compreendem a forma como se sentem, a sua dor.
Pode acontecer que essa intenção não seja detetável por pessoas chegadas?
70% a 80% dos suicidas disseram que iam cometer esse ato. O que acontece é que alguns transmitem avisos subtis, simbólicos e metafóricos, designadamente os homens que, por vezes, são impercetíveis às pessoas que os rodeiam.
Se alguém disser que quer cometer o suicídio o que podemos fazer?
O primeiro passo é escutar essa pessoa, dizer-lhe que não se quer que ela morra, estar-se disponível para a ouvir... Deve pedir-se que prometa que não vai cometer o suicídio e que, caso sinta que tem vontade de se magoar, que fale consigo ou com alguém que a possa ajudar.
É importante partilhar a situação com quem tem habilitações para intervir nestes casos, como é o caso dos médicos. Também podem encaminhar a pessoa para um departamento de urgência hospitalar, caso haja fortes indícios suicidas. Isto sem esquecer que é possível recorrer aos telefones SOS, que são atendidos por pessoal habilitado na prevenção do suicídio.
Texto: Nazaré Tocha com Carlos Braz Saraiva (psiquiatra)
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