Agradeço a sua disponibilidade em ter vindo, disse o coordenador do curso do Rui (nome fictício). Nós estamos um pouco sem saber como lidar com alguns dos desafios colocados pelo aluno, seja em termos práticos mas também na relação com ele. Além disso, alguns professores têm estado mais reticentes em relação às avaliações e de transitar ou não o aluno. E outros têm estado mais intransigentes em relação a algumas atitudes do Rui em sala de aula e na relação com alguns colegas, refere. Como é que acha que nos pode ajudar?
Este breve resumo de um diálogo maior mostra parte da realidade vivida em muitas instituições do Ensino Superior em Portugal e não só. Sejam responsáveis académicos, coordenadores de curso, pessoal docente e não docente, para além dos próprios alunos com diagnóstico do espectro do autismo e os seus pais. Todas estas pessoas envolvidas no processo estão com uma sensação de não saber como e o que fazer em relação ao facto de haver alunos com este diagnóstico neste nível de ensino.
Seja porque não existe uma legislação para as universidades e politécnicos tal como existe para a escolaridade obrigatória e que se inscreve no Decreto-Lei 54/2018. Mas também porque muitos docentes universitários e outros responsáveis sentem que não têm a formação adequada para conhecer estes quadros clínicos e respectivo perfil de funcionamento e de como lidar com os alunos com este diagnóstico. Mas também, os próprios alunos que se sentem desorientados e com falta de apoio e respostas adequadas às suas necessidades. Como tal, é imperativo conhecer de forma mais aprofundada a experiência que os alunos universitários com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo têm na sua vivência no Ensino Superior. No presente momento não sabemos o números de alunos com este diagnóstico a frequentar o Ensino Superior. Bem como aquilo que são as suas necessidades e desafios sentidos.
Por exemplo, podemos ler no relatório Inquérito às Necessidades Educativas Especiais no Ensino Superior, que no ano lectivo de 2021/2022, foram indicados 2.779 alunos com estas características. Ou seja, dentro deste número estarão certamente alunos com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Face a este número poderíamos reagir com um certo contentamento. Afinal de contas, as pessoas com estas características estão a concorrer ao Ensino Superior e a prosseguir a sua formação. Contudo, se olharmos para o relatório das Necessidades Educativas Especiais para o Ensino Secundário, podemos verificar que no ano lectivo de 2017/2018 estavam inscritos no Ensino Secundário 15.015 alunos. O que me faz pensar o que aconteceu a cerca de 12.000 alunos? Não prosseguiram os seus estudos, abandonaram a escolaridade obrigatória, não solicitaram a integração na educação inclusiva no ensino superior, etc.? As perguntas são muitas e as respostas ainda não são as suficientes e adequadas. E ainda que mais e mais instituições do Ensino Superior se vão capacitando a este nível. As respostas parecem ser muito individuais e pouco adaptadas às enormes variações observadas devido à própria heterogeneidade observada no perfil de funcionamento da pessoa com o diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo.
E se sabemos que há cada vez mais pessoas autistas a concorrer ao Ensino Superior, também é importante perceber o que lhes acontece. Ou seja, terminam os seus estudos a este nível? Continuam a sua formação pós-graduada? E destes que terminam, como são os níveis de sucesso na integração no mercado de trabalho? Não são questões novas, mas são-no para este grupo específico. Por exemplo, os estabelecimentos de ensino superior reportaram 528 diplomados em 2020/2021 com necessidades especiais de educação. De entre os 528 diplomados em 2020/2021, 11,6% formaram-se em cursos técnicos superiores profissionais; 71,4% em ciclos de estudos de licenciatura; 9,8% em ciclos de estudos de mestrado, 6,6% em ciclos de estudo de mestrado integrado e 0,6% em ciclos de estudo de doutoramento. Ou seja, estes números parecem-nos apontar para uma redução progressiva dos alunos com estas características ao longo do tempo de permanência no Ensino Superior. E que nos leva a suspeitar aquilo que a própria literatura cientifica em outros países vêm demonstrando. Ou seja, dos alunos com este diagnóstico que entram no Ensino Superior, cerca de 60% destes acaba por desistir devido a muitas das dificuldades sentidas ao longo do processo de formação.
Como tal, urge conhecer a realidade dos alunos universitários com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo no Ensino Superior. E como este percepcionam a sua vivência neste contexto e como avaliam as respostas providenciadas para as suas necessidades. Bem como, quais as propostas que fazem face à sua própria experiência e conhecimento da sua pessoa. Para tal, procuramos num recente estudo que estamos no presente momento a recolher dados, através de um questionário online (ver aqui - https://forms.gle/4AD5BNZe89UBpCkB7), conhecer precisamente essa mesma realidade. E com isso, poder ajudar toda a comunidade académica a como melhor transformar a realidade destes alunos.
Um artigo de Pedro Rodrigues (pedro.rodrigues@pin.com.pt), psicólogo clínico no Núcleo de Perturbação do Espectro do Autismo na consulta do adulto no PIN – Partners in Neuroscience.
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