
Inúmeras estudos confirmam que cerca de 20% das pessoas - crianças, jovens e adultos - sofrem de uma ou mais perturbações mentais. Profissionais de saúde mental e do ensino -do pré-primário ao universitário- acham que esta estimativa está muito aquém da realidade.
Perturbações mentais existem de facto e são coisas bem reais
As “Perturbações mentais, comportamentais ou do neurodesenvolvimento”, estão perfeitamente definidas e o seu diagnóstico obedece a critérios que a Organização Mundial de Saúde expõe na sua Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados com a Saúde, na sua 11ª edição (ICD-11). Este manual é utilizado em todo o mundo, por todos os profissionais da saúde que necessitam de classificar uma doença, seja ela qual for, antes de a tratarem.
Uma criança ou um jovem que sofre de uma perturbação mental -muitas das quais se desenvolvem já no útero da mãe ou nos três primeiros anos de vida- viveu situações de desconforto agudo, sensações aflitivas e ameaçadoras como o abandono e a indiferença que provocam grande insegurança, angústia e pânico. O stresse que tais situações provocam na criança alteram o seu desenvolvimento neurobiológico e hormonal normal. Esta perturbação do desenvolvimento normal vai-se manifestar mais tarde, por vezes passados anos, em perceções, sensações, pensamentos e comportamentos não expectáveis e bastante perturbadores. Exemplos de perturbações mentais comuns em crianças e jovens são: Perturbações de Ansiedade ou Relacionadas com o Medo, Perturbação do Espectro Autista, Perturbação de Déficit de Atenção e Hiperatividade, Perturbação Desafiante de Oposição, Perturbação do Desenvolvimento da Aprendizagem (leitura/expressão escrita/matemática) e Perturbações do Desenvolvimento da Fala ou da Linguagem.
A qualidade emocional do meio ambiente das pessoas, particularmente dos bebés e das crianças muito jovens, é de extrema importância para o seu desenvolvimento normal e saudável.
A criança, mesmo no útero da sua mãe, necessita sentir-se intensamente amada, acarinhada, respeitada e protegida, necessita sentir esta resposta quando se sente ameaçada, carente e insegura.
O facto de sabermos que o nosso cérebro é um órgão com uma enorme capacidade de se transformar e se adaptar às informações que recebe -pois nunca deixamos de aprender, de refletir e de recriar quem somos- ajuda-nos a perceber porque é que as perturbações mentais são tratáveis e a compreender como fazê-lo.
Provavelmente, na maioria dos agregados familiares e seguramente em todos os estratos sociais, em todas as classes em todas as creches, escolas e universidades encontramos crianças e jovens com perturbações mentais. Em Portugal, tal significa que dos dois milhões de crianças e jovens entre os 3 e os 18 anos, mais de 400 mil sofrem de uma ou mais perturbações. Muitos adoram falar, não se calam, são bem-dispostos e ativos, mas para além de não conseguirem estar quietos, têm grande dificuldade em se concentrarem. Por vezes isolam-se e zangam-se. Outros parecem ser sempre do contra, não fazem o que se lhes pede, discutem, opõem-se aos adultos, provocam-nos, desafiam-nos e insultam-mos, acham-se injustiçados e não suportam um não. Há pais que não se atrevem ir a uma loja com a criança. Há crianças e jovens com tiques e preocupações permanentes que tentam esconder o que não conseguem controlar. Há crianças e jovens que têm grande dificuldade em compreender os outros, que ouvem o que mais ninguém ouve, ou que são demasiado tímidos, ou demasiado angustiados. Há muitas crianças e jovens que quase não se atrevem a falar, não percebem nada de aritmética, tentam passar despercebidos e evitam alguns lugares públicos ou espaços fechados. Há crianças e jovens que fazem mal aos outros ou que de repente explodem, atiram com cadeiras e choram, desesperados. Há crianças e jovens, de tal forma traumatizados, que retrocedem no seu desenvolvimento, perdem rapidamente cabelo e peso, deixam de falar e de brincar, perdem o contacto com o mundo exterior.
Estas crianças e jovens não podem ser culpabilizadas pelo que lhes aconteceu, nem pelo que lhes acontece a todo o instante e tanto as magoa. Ignora-las é vergonhoso.
No Pré-primário, como no Ensino Básico, Universitário ou em qualquer outro tipo de ensino todas estas crianças e jovens sentem que têm problemas graves e, frequentemente, dificuldades acrescidas com a leitura, a escrita, a aritmética, a oralidade, o trabalho de grupo, a organização do estudo, a motivação e o relacionamento social. Há também muitas crianças e jovens extremamente inteligentes e perspicazes, que se entediam com o ensino. Qualquer professor, com alguns anos de experiência, deteta facilmente e assinala estas crianças e jovens. No entanto, estas crianças e jovens são muito raramente diagnosticadas e tratadas, algo a que têm direito, pois sofrem de um problema de saúde. O apoio pedagógico didáctico que algumas crianças e jovens recebem nas escolas, não faz sentido e não tem qualquer relevância. O problema não é de ordem pedagógico-didática. O Serviço Nacional de Saúde, os serviços de saúde privados e a sociedade civil não respondem às necessidades de cuidados de saúde (mental) destas centenas de milhares de crianças e jovens. É uma crueldade e uma vergonha, que podemos facilmente evitar.
Os professores não são especialistas de saúde mental
É necessário evitar que as crianças e os jovens continuem a ser vítimas dos erros e da falta de cuidado dos adultos. Quanto às crianças e aos jovens com problemas graves de saúde, como perturbações mentais, a minha experiência profissional, de mais de 40 anos como psicólogo e fundador de uma escola em Amesterdão (Europaschool), é que estas crianças e jovens devem ser, o mais cedo possível, assinaladas, examinadas, diagnosticadas e tratadas. É preciso ouvir os pais e os professores, ganhar a sua confiança e colocarmo-nos, incondicionalmente, ao seu lado. Isto porque não faria muito sentido tratar as crianças e os jovens e, no fim deste difícil percurso, ´mandá-las de volta´ para o mesmo meio familiar, escolar e social, que lhes afetou a saúde de forma tão grave. O diagnóstico, o tratamento e a recuperação das aprendizagens e competências escolares -que não foram adquiridas e que provocaram anos de atraso escolar- devem ser integrados e realizados ao mesmo tempo, pelo mesmo psicólogo da saúde, com formação adicional especializada de ensino. A sociedade civil, mais próxima das famílias, pode ser a força que é necessária para realizar as transformações indispensáveis, tanto nas instituições como na sociedade.
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