Apesar de ainda ser relativamente desconhecida em Portugal a hipnose clínica tem vindo a assumir um papel cada vez mais relevante na saúde física e mental de doentes oncológicos e de pacientes com Síndrome de Tourett, com fibromialgia e com fobias.
Este método está a ser também usado para tratar situações de depressão infantil e casos de síndrome de abandono.
Mas também de hiperatividade e défice de atenção, entre outras patologias. Em território nacional, são muito poucos os profissionais habilitados a exercer a profissão no nosso país e a falta de conhecimentos sobre o tema, muitas vezes confundido com as atuações de hipnotizadores em espetáculos, leva a que o número de portugueses a recorrer a esta terapia seja ainda reduzido. Em entrevista à Saber Viver, Cristina Infante Borges hiponóloga clínica, desmistifica crenças e mitos e explica ainda como é que os hipnólogos clínicos podem ajudar pacientes a abandonar o estado de coma.
A hipnose cura?
A hipnose por si mesma não cura. Corpo e mente formam um sistema único, por isso é possível, através da hipnose, realizar uma reprogramação celular que ativa o processo autocurativo do paciente.
Por que é que a hipnose clínica ainda é uma técnica pouco conhecida em Portugal? Existe alguma resistência da parte do pessoal médico em exercer e divulgar a profissão?
Desde 6.000 a.C.que existe a prática da hipnose. No entanto, foi o seu lado místico que sobressaiu ao longo dos milénios. Tal facto faz com que a hipnose seja inicialmente observada como algo místico ou miraculoso, onde quem detém o poder, digamos assim, é o hipnotizador. Alguém com poderes mágicos ou a capacidade de ludibriar a mente e fazer com que outros façam ou digam o que lhes é sugerido.
Até ao século XX parecia difícil provar, através da ciência, o fenómeno da hipnose. Felizmente, com o avanço da neurociência e da imagiologia, fenómenos como a hipnose tornaram-se mais fáceis de explicar e de serem cientificamente comprovados. No entanto, ainda hoje o desconhecimento por parte da classe médica é notório e, inclusive, o trabalho do hipnólogo clínico é confundido com o de um hipnotizador.
Em Portugal, a hipnose é um tema ainda pouco falado. Normalmente, quando este tema é abordado são feitas referências às técnicas regressivas. Como as técnicas não são a especialidade, deparamos-nos com um conhecimento superior acerca de uma das técnicas utilizadas em hipnose clínica, mais do que acerca da acerca de uma das suas vantagens, nas mais diversas áreas da saúde.
Pessoalmente, não me deparo com resistências da parte da classe médica. Constato é um grande desconhecimento acerca destas matérias, lacuna que tem vindo a ser colmatada pela Faculdade de Medicina de Lisboa através de uma pós graduação em hipnose clínica.
A esperança média de vida dos doentes oncológicos aumenta com o recurso a esta técnica? Em que medida?
Sim.
Estudos efetuados em hospitais como Withington Hospital, em Manchester,
no Reino Unido, um hospital que utiliza a prática da hipnose clínica
para auxiliar pacientes, provam que a utilização desta prática prolonga a
esperança média de vida do paciente em cerca de um a dois anos.
Os efeitos da hipnose sentem-se logo após a primeira sessão ou só ao fim de algum tempo? Como é a evolução?
O
paciente oncológico deve recorrer à prática da hipnose clínica antes
mesmo de iniciar os tratamentos, durante e após terminá-los. Os
resultados são notórios logo após a primeira sessão e a vários níveis.
Um paciente oncológico com o auxílio da hipnose como que abraça a doença
e encara-a de forma positiva, facto que o fortalecerá durante todo o
processo.
Aceita melhor, fisicamente e psicologicamente, os
tratamentos oncológicos e consequentemente sofre menos dores, enjoos,
náuseas e tonturas. Um paciente com este tipo de auxílio não perde
cabelo. Fisicamente, sente-se muito mais resistente e mantém a sua
auto-estima e força de viver.
O que é que deve acontecer numa sessão de hipnose? Como se processa, de uma forma resumida?
Inicialmente,
o sujeito é sujeito a um processo de anamense (análise da sua história
clínica e familiar) e de despiste de traumas. É-lhe explicado
detalhadamente o que é hipnose clínica, quais serão os procedimentos, o
que é suposto acontecer durante o tratamento e quais são as suas
responsabilidades no processo. São eliminadas todas e quaisqueres falsas
expetativas quanto à especialidade e aos resultados. São
efetuados testes de sugestionabilidade.
O paciente é induzido, através
de sugestões de relaxamento físico e mental. É levado a um sono
hipnótico. No entanto, o paciente não está a dormir como num sono
fisiológico. Continua a ouvir tudo o que acontece à sua volta. Os
sons
parecem-lhe apenas estar apaziguados. O paciente tem de ouvir as
sugestões do terapeuta que vão gerar uma autossugestão. Recebe a terapia
e as sugestões pós hipnóticas e finalmente dá-se a saída do transe.
Que
efeitos produz a hipnose clínica na saúde mental e física de doentes
oncológicos ou que sofram de determinadas patologias, como a Síndrome de
Tourett?
O paciente oncológico não perde cabelo e,
fisicamente, sente-se muito mais resistente. Mantém a sua autoestima e
força de viver. Dou-lhe exemplos de outras situaçães. Um paciente com
Síndrome de Tourett aprende a respirar e a controlar os tiques. Um
paciente que sofra de fibriomialgia sente maior resistência muscular e
não sente prostração durante o tratamento. Consegue fazer uma vida
normal.
Um paciente que tenha que recorrer à hemodiálise fica
muito mais recetivo ao tratamento e, durante o mesmo, a prática de
técnicas de hipnose proporciona um forte relaxamento muscular,
fundamental durante o tratamento. Um paciente com inibição de libido
começa a sentir mais prazer e desinibição sexual com o seu parceiro.
Uma criança pode ser tratada com hipnose? E um bebé? A partir de que idade é recomendada e em que circunstâncias?
As
técnicas de relaxamento são aconselháveis a crianças, desde tenra
idade. Existem técnicas básicas que são aplicáveis a bebés de três meses
através de sons suaves e relaxantes.
As práticas de hipnose clínica
aplicada como terapia de programação mental para crianças é normalmente
aconselhável só a partir dos seis ou oito anos, mediante o
desenvolvimentos linguístico e cognitivo da criança.
Crianças e
adolescências recorrem à hipnose clínica principalmente para resolver
questões relacionadas com dificuldades na escola, com um défice de
atenção e concentração, hiperatividade e, ainda, por alterações
comportamentais e de humor, depressão infantil, síndrome de abandono,
tendência obsessiva compulsiva alimentar ou gaguez, entre outras.
As
crianças vítimas maus tratos ou de abusos sexuais também podem ser
tratadas por esta via. No caso dos adolescentes, encontramos situações
do foro sexual, depressão, dependências químicas, preparação para
exames, fobias e, muito especificamente, para o tratamento das fobias
relacionadas com o falar em público.
Por que é que é importante existirem parcerias entre os centros de hipnose clínica e as instituições médicas?
Estas
parcerias são muito importantes pois permitirão que os tratamentos
sejam realizados nas instalações hospitalares, o que consequentemente
reduz custos e chega a um maior número de pessoas. Para além disso,
quanto melhor e mais rápida for a recuperação de um utente, mais
aliviado fica o sistema e, consequentemente, melhor se sentirão os
utentes, que conseguem beneficiar de um sistema que lhes proporciona um
serviço mais eficaz e amplo em questões de saúde.
A hipnose já
é utilizada em hospitais portugueses? Se sim, em quais e em que tipo de
pacientes? E como é que funciona o acompanhamento nesses casos?
Sim,
a hipnose clínica já é utilizada em alguns hospitais portugueses,
nomeadamente no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, em pacientes com dor
crónica.
Algum hipnólogo clínico já teve sucesso a ajudar alguém a sair de coma? Essa é outra das áreas de intervenção desta prática…
Sim.
No entanto, não é fácil arranjar testemunhos nessa área. Tenho
conhecimento de colegas que utilizam as técnicas com sucesso, noutros
países. Em Portugal desconheço a existência desses casos.
No que é que consiste a psicogeografização de uma doença?
Sempre
que a pessoa passa por uma situação traumática, tem a tendência a
geografar no corpo tal acontecimento. E isso é notório através dos
predicados que utiliza e expressões gestuais e verbais, como é o caso de
«Fiquei com um nó na garganta», «Senti um nó no estômago» ou «Fiquei
com o coração despedaçado».
No caso das neoplasias de cancro de mama,
estão muitas vezes associadas a interrupções da gravidez ou à morte de
um parceiro ou de um filho.
No caso da neoplasia intestinal,
existe uma relação com a perca de um dos progenitores. Atenção, não
quero com isto dizer que todos os pacientes tenham passado por tais
situações traumáticas. Mas, sim, que estes factos ao acontecerem na vida
de um sujeito podem justificar o porquê da neoplasia aparecer numa
determinada zona do corpo e não noutra.
Esta relação
causa/efeito já esta a ser estudada e pretendo apresentar brevemente um
estudo científico que demonstre tal relação e os resultados positivos
que a hipnose clínica produz numa neoplasia mamária ou do intestino.
De
que modo é que fazer hipnose ajuda um paciente oncológico a não perder
cabelo, uma consequência positiva que tem sido elogiada
internacionalmente?
A hipnose parte do princípio que a mente
não distingue a realidade do sonho. Se a mente for programada para que o
tratamento de quimioterapia seja encarado como um multivitaminado ou
para que o tratamento oncológico tenha um efeito no seu corpo igual ou
melhor do que um poderoso suplemento vitamínico, o corpo recebê-lo-á
como tal. Por isso é que o tratamento é tão elogiado internacionalmente e
esse é um dos benefícios bem visíveis dos bons resultados
proporcionados pela hipnose clínica.
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