A discussão que ronda a temática de tiroteios em massa emergiu nos últimos 50 anos e está longe de estar terminada. Depois do ataque numa escola em Uvalde, Texas, a 24 de maio, onde morreram 19 crianças e 2 professores, só na passada semana, em plenos festejos do Dia da Independência, os Estados Unidos viram 220 dos seus cidadãos mortos como consequência do uso de armas e o mais recente tiroteio em massa, em Highland Park, Chicago, nesse mesmo dia, matou 7 pessoas e feriu outras 47.
Por “tiroteio em massa”, entendemos todos os tiroteios intencionais e planeados, cujo objetivo final é matar ou ferir múltiplas pessoas, habitualmente em escolas, locais de trabalho ou outros espaços públicos. As vítimas são usualmente aleatórias e não são pré-identificadas pelos atiradores, sendo o tiroteio um ato simbólico para estes, que reflete a sua raiva e necessidade de vingar ataques percebidos à sua valência social. Muitos atiradores em massa são altamente sensíveis à crítica e rejeição e reportam sentimentos de perseguição e vitimização por parte de colegas e conhecidos. Os seus sentimentos de desespero alternam sistematicamente com sentimentos contrastantes de omnipotência.
O impacto psicológico que os tiroteios em massa têm nas suas vítimas e nas comunidades envolvidas é inegável. Desde ansiedade e trauma ao desenvolvimento de depressões, todos os que, de algum modo, foram expostos a estes episódios de atriz violência são afetados.
Por outro lado, o escrutínio público que tais eventos atraem e a exaustiva cobertura feita pelos órgãos de comunicação social (e que inclui, não raras vezes, imagens gráficas das vítimas e relatos emocionados de testemunhas, vítimas e familiares de vítimas) servem para intensificar os sintomas reportados, aumentando a preocupação e ansiedade associadas a episódios passados e a potenciais episódios futuros.
Mas como responder a estes ataques? Muitos estados americanos recorreram a medidas de reforço de segurança que passam pela fortificação das escolas (com vidros à prova-de-bala em todas as estruturas, detetores de metal às entradas, instalação de sistemas de videovigilância, presença de agentes da autoridade nas escolas e até o armamento de professores), mas tais medidas têm-se mostrado insuficientes para dar resposta à crescente frequência e gravidade de ataques desta natureza.
A necessidade da adoção de leis de controlo do porte de armas é inquestionável (dado que países com menos armas têm menos registos destes episódios), mas a adoção de medidas de prevenção, que passem pela monitorização e gestão de risco de potenciais perpetradores poderá ser uma estratégia fulcral na luta contra este tipo de violência, como se verá em seguida.
As reportagens feitas sobre tiroteios em massa frequentemente associam a perpetração destes crimes à existência de doença mental. O estado mental dos perpetradores e o papel que a doença mental destes desempenha na tragédia é examinado em detalhe e reforça a crença errónea de que a doença mental e a perigosidade andam de mão-em-mão.
Contudo, a maior parte das pessoas com doença mental não são perigosas e muitas pessoas perigosas não têm doença mental grave. Assim, a prevenção de tiroteios em massa não se deverá focar unicamente na avaliação da doença mental, mas antes numa avaliação de risco para o uso de violência nos sujeitos, em que a presença de doença mental é apenas um dos vários tópicos a analisar num conjunto de múltiplos fatores relacionados com o uso de violência e a perpetração de crimes (por exemplo, a existência de um histórico de problemas familiares, escolares e/ou sociais).
Não há uma só causa explicativa para a perpretação de tiroteios em massa e, na verdade, um ato de violência desta dimensão é, muitas vezes, o ponto final de um processo em que variados aspetos psicológicos, situacionais e interpessoais interagem. O uso de instrumentos de avaliação de risco baseados em evidência e ajustados às características dos sujeitos é fundamental para a deteção de potenciais perpetradores e para o encaminhamento para serviços especializados que, por seu turno, poderão abordar os conflitos ou problemas percebidos, prevenindo, assim, a escalada da situação.
Estudos demonstram que cerca de 80% dos atiradores em massa comunicaram as suas intenções a alguém, por vezes, com recurso a plataformas digitais. A identificação de potenciais agressores por meio da aplicação de instrumentos de avaliação do risco e a denúncia de suspeitas às autoridades competentes é fundamental para a prevenção de um ato violento. Não mantenha o silêncio.
Um artigo dos psicólogos clínicos e forenses Mauro Paulino e Mariana Moniz, da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.
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