“Diploma complementar, que venha a referir-se aos Serviços Regionais de Saúde, que são autónomos, deverá, obviamente, envolver na sua elaboração os competentes órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira”, diz Marcelo Rebelo de Sousa, na carta hoje divulgada por Luis Garcia, presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores.
Na missiva, o Presidente da República (PR) reconhece que, “quanto ao acesso dos cidadãos aos serviços públicos de saúde, para a efetiva aplicação desse regime substantivo, o diploma [da morte medicamente assistida, aprovado na Assembleia da República] só se refere a estruturas competentes no território do continente (Serviço Nacional de Saúde, Inspeção-Geral das Atividades de Saúde, Direção-Geral de Saúde), em que não cabem as Regiões Autónomas”.
Relativamente ao facto de Garcia ter defendido que as regiões autónomas deviam ter sido ouvidas no processo de elaboração do diploma aprovado pela Assembleia da República, o PR considera que, “de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, parece não avultar, no regime substantivo do diploma, um interesse específico ou diferença particular das Regiões Autónomas”.
O presidente do parlamento dos Açores escreveu ao PR a 16 de dezembro, alertando que a pronuncia das regiões autónomas sobre a lei da morte medicamente assistida era “não só obrigatória como essencial”, nomeadamente por questões de “ordem prática”.
“Entendo que a pronuncia das regiões autónomas era não só obrigatória como essencial, para que o texto final atendesse às particularidades regionais, nomeadamente a dispersão geográfica e arquipelágica dos Açores e a especificidade do seu Serviço Regional de Saúde [SRS]”, disse Luís Garcia, na missiva dirigida a Marcelo Rebelo de Sousa.
Pedindo ao PR que tenha os argumentos “em conta aquando da análise final do diploma”, Luís Garcia alerta que os Açores têm seis ilhas sem hospital, onde “problemas de ordem prática poderão inviabilizar ou dificultar bastante a aplicação da lei” no arquipélago.
“Todas estas questões poderiam e deveriam ter sido devidamente consideradas e acauteladas se os órgãos de governo próprio das regiões autónomas tivessem sido ouvidos durante o processo legislativo, como decorre da nossa lei fundamental”, sustenta o presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores.
Na quarta-feira, o PR já tinha invocado a orientação do Tribunal Constitucional (TC) para não acolher, no seu pedido de fiscalização preventiva da eutanásia, a alegação de inconstitucionalidade colocada pelas assembleias regionais da Madeira e dos Açores.
Marcelo Rebelo de Sousa transmitiu esta sua posição sobre o processo legislativo do diploma sobre morte medicamente assistida em declarações aos jornalistas, pouco depois de ter dado posse a dois ministros e seis secretários de Estado do Governo liderado por António Costa.
O Presidente da República enviou na quarta-feira o decreto do parlamento que despenaliza a morte medicamente assistida para o Tribunal Constitucional para fiscalização preventiva da sua constitucionalidade, recordando que "em 2021, o TC formulou, de modo muito expressivo, exigências ao apreciá-lo – que considerou inconstitucional – e que o texto desse diploma foi substancialmente alterado pela Assembleia da República”.
“A certeza e a segurança jurídica são essenciais no domínio central dos direitos, liberdades e garantias”, salientou.
A segunda razão que motivou o PR a não acolher o pedido das assembleias regionais relacionou-se com o universo e a diversidade de cobertura do Serviço Nacional de Saúde (SNS) no território nacional e com a possibilidade de essas diferenças regionais serem posteriormente modeladas em regulamentação do diploma.
“É verdade que há serviços regionais de saúde que não autónomos do SNS. E é verdade que o diploma, na parte da aplicação, está pensado para o SNS e para entidades que, no fundo, só têm competência no território continental, mas isso é resolúvel na regulamentação do diploma”, defendeu.
Na perspetiva do chefe de Estado, ao regulamentar-se a aplicação à Região Autónoma dos Açores e da Madeira, caso a eutanásia venha a entrar em vigor, “aí têm de intervir” as instituições regionais.
Nessa altura, “trata-se de aplicar a lei, uma vez entrada em vigor, por serviços tão diferentes do território continental”, acrescentou.
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