Enquanto experiência traumática, o suicídio pode ser o evento de vida mais avassalador e violento, do ponto de vista emocional, que uma família pode viver ao longo de todo o ciclo da vida. Este processo de luto relaciona-se com um elevado risco de patologia, como sintomas de depressão, ansiedade e perturbação do stress pós-traumático (por exemplo, pensamentos e imagens automáticas negativas e intrusivas – as designadas memórias traumáticas - do corpo da pessoa perdida que impedem a pessoa em luto de dormir ou de cumprir com uma rotina diária sem sofrimento e dificuldades de concentração).
Este processo de luto associa-se não apenas a sentimentos de culpa e vergonha, mas também de rejeição, dado o afastamento da rede de suporte social que tende a alimentar sentimentos de solidão, abandono e frustração.
Não raras vezes, o distanciar dos demais é motivado pelo estigma social e mitos da sociedade em relação ao suicídio.Estes mitos tendem a responsabilizar as famílias (por exemplo, “Se a pessoa estava doente, era obrigação da família conseguir um internamento”, “O suicídio é hereditário, só tinham de estar atentos”).
Estes mitos facilitam com que exista no seio da própria família a tendência para responsabilizar o outro pelo suicídio e, por sua vez, originar conflitos e o afastamento emocional entre os membros. Este comportamento é, na maioria das vezes, resultado da sensação de impotência e culpa da própria pessoa por não ter impedido a morte. Por exemplo, quando o suicídio é cometido por um idoso, o cuidador tende a ser invadido por pensamentos de responsabilização, bem como por sensações como a raiva e a indignação, ao percecionar o suicídio como um ato de egoísmo e desvalorização pelos cuidados prestados.
Nas situações em existiram ameaças que foram desvalorizadas pela família, potencialmente resultado dos mitos associados à terceira idade (por exemplo, que a tristeza e o isolamento são expectáveis na velhice e não um sinal de depressão), ou ao próprio suicídio (por exemplo, “Quando alguém comete suicídio, não faz ameaças, guarda os planos em segredo”), podem ser alimentados (e numa maior intensidade) os mencionados sentimentos de culpa.
E o mesmo se aplica a outras fases do ciclo da vida, como a adolescência. Podem existir situações em que as mencionadas ameaças são desvalorizadas pela família por considerarem que os adolescentes, não raras vezes, tendem a ser teatrais e a dramatizar os seus sentimentos. Contudo, o suicídio na adolescência não é um mito.
Outro fator de risco para o processo de luto e mal-estar familiar é outro mito da sociedade, segundo o qual todas as pessoas da família vão apresentar as mesmas reações de luto e perda.
Enquanto para alguns membros da família é importante dialogar sobre a morte, identificar rituais do luto individuais e também familiares, para outros é imperativo estar em silêncio, na própria companhia, a processar a dor. Ambas as necessidades emocionais são válidas e nenhuma delas é representativa do (maior ou menor) sofrimento.
No entanto, para o bem-estar e coesão familiar, são importantes padrões de comunicação saudáveis, ainda que as reações ao luto podem ser distintas. Enquanto algumas famílias privilegiam a comunicação aberta acerca do impacto emocional do suicídio, para outras é o diálogo reduzido, ou até mesmo o silêncio, a curto-prazo, que permite manter um aparente, mas frágil, equilíbrio familiar.
Os conflitos tendem a surgir quando um membro deseja expressar-se acerca da perda e os restantes exigem que seja mantido o silêncio, numa tentativa de evitar o contacto com o sofrimento. Devido aos papeis de género e expectativas sociais de que os homens devem assumir o papel de cuidador inabalável, surgem dificuldades em comunicar e expressar a dor, originando conflitos conjugais.
É imperativo que a família seja capaz de comunicar as suas necessidades, como é exemplo “eu preciso de mais tempo e espaço antes de falar do que aconteceu. Prometo que o faço, mas preciso que respeites o meu espaço”. O desejo de falar sobre a morte não é, de todo, uma negação da mesma, assim como o silencio não é representativo de que a pessoa não está a sofrer ou que pretende esquecer a pessoa perdida, fingir que nada aconteceu.
Uma vez que as famílias sobrevivem ao suicídio, mas nunca ao sofrimento da perda, a ajuda precoce pode ser benéfica. Enquanto lugar seguro e ausente de julgamentos, a consulta especializada de apoio ao luto pode providenciar ferramentas para gerir o sofrimento do próprio e as mudanças nas dinâmicas familiares, no sentido de alcançar o bem-estar pessoal e familiar.
Os grupos de ajuda, pela sensação de ser partilhada uma experiencia traumática comum e consequentes sentimentos de empatia, compreensão e tendencial proximidade emocional e papel ativo para ajudar e ser ajudado, podem ser um importante recurso complementar à terapia individual. Peça ajuda! Não se encontra sozinho(a)!
As explicações são de Sofia Gabriel e de Mauro Paulino da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.
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