Para muitos, recorrer a ajuda psicológica continua a ser um tabu pesado e difícil de quebrar. Essa é uma das razões pelas quais iniciar um processo terapêutico pode ser um desafio que levanta várias preocupações e dúvidas. À semelhança de qualquer outra área das nossas vidas, a preparação pode ser uma forma de apaziguar a ansiedade associada a esta decisão.

A relação estabelecida em consultório é uma relação única, que dificilmente terá experienciado fora desse contexto. Esta relação, apesar de humana e com proximidade emocional, está protegida por um código deontológico, que define princípios e limites, de modo a assegurar o bem-estar do cliente, assim como o foco no mesmo. Pode ser intimidante partilhar informação íntima e pessoal com uma pessoa estranha, mas saiba que um psicólogo não o irá julgar. Se sente que este passo é uma grande barreira para si, desafiamo-lo a experimentar marcar uma primeira sessão e começar por referir algo como “gostava de partilhar consigo sobre mim, mas não sei se posso confiar em si para o fazer”. O seguimento deste diálogo poderá surpreendê-lo/a.

É, assim, sobre esta relação de confiança que todo o trabalho terapêutico ocorre, pelo que, caso não se sinta confortável com um profissional, é importante que o expresse e que, caso o desconforto persista, procure outro terapeuta. Esta relação é chamada de “relação terapêutica” porque, pela sua genuinidade e ausência de julgamento, é, em si mesma, terapêutica. Compreendendo esta premissa, importa saber o que pode fazer para se preparar para um processo terapêutico e tirar o máximo proveito deste:

  • Compreenda o seu papel. Um terapeuta é um especialista na matéria psicológica e terapêutica. No entanto, o cliente é o maior especialista em si e protagonista da sua história. Por isso, é importante compreender que na sua terapia, deve assumir um papel ativo. O trabalho desenvolvido dentro do consultório deve ser levado para fora deste (o que, naturalmente, requererá algum esforço). Caso contrário, dificilmente o processo terá mudanças desejadas.
  • Liste as razões/ problemas que o levam a procurar ajuda. Em momentos de dúvida, pode ser útil fazer uma lista onde clarifica o porquê de estar a procurar ajuda, assim como eventuais prós e contras de o fazer. Saber a razão que o leva a procurar ajuda é um fator que pode ajudar a reconhecer melhor a mudança, quando esta ocorrer. Pode ser útil fazê-lo de forma bastante descritiva. Por exemplo, se o problema é “falta de confiança”, explore o problema (em que situações se expressa? De que forma de expressa? Quais são as consequências? Como lida com o problema?). Naturalmente, este será um processo que o profissional procurará fazer consigo, mas que, se quiser, poderá preparar em antemão. Outra pergunta relevante a refletir é “O que significa «melhorar»?”, ou seja, “Num cenário em que o problema foi resolvido, o que mudou?”. Esta pergunta é útil para definir o seu objetivo e monitorizar o sucesso da intervenção.
  • Coloque as suas dúvidas. É normal ter dúvidas e, por isso, é aconselhável também que as expresse, sendo que o profissional não irá julgá-lo por isso. Dúvidas frequentes passam por:
  1. Quanto custa uma sessão? Quanto tempo é cada sessão? Qual é a política em situações de desmarcação, atraso ou falta sem aviso prévio? São perguntas importantes para compreender melhor as condições do terapeuta/ clínica.
  2. O que devo esperar da primeira sessão? Profissionais diferentes poderão ter formas distintas de trabalhar a primeira sessão. No entanto, esta tende a ser uma sessão de caráter exploratório, sobre si e o problema que o levou à terapia.
  3. Quantas sessões serão necessárias? Isto dependerá de vários fatores, como qual o problema em questão, e sua extensão, assim como outros fatores internos (motivação, envolvimento) e externos (contexto e acontecimentos de vida).
  4. Qual a abordagem do profissional? Existem várias terapias disponíveis e diferentes profissionais poderão ter formas diferentes de conceptualizar e trabalhar um problema. Deve procurar alguém com quem se identifique com a forma de trabalhar, para que estejam os dois na mesma página.
  • Seja genuíno/a. Todos gostamos de transmitir uma boa impressão. Recorde-se de que o profissional à sua frente não o irá julgar e procurará sempre compreendê-lo. Se der por si a mentir ao seu psicólogo, não está sozinho. Um estudo feito em 2015 pelos psicólogos americanos Matt Blanchard e Barry Farber, revelou que, de 547 adultos inquiridos, 93% assumiu ter mentido ao psicólogo pelo menos uma vez. Apesar destas mentiras nos protegerem da crítica, embaraço e outras emoções desagradáveis, e poderem ter como objetivo agradar o terapeuta, dar feedback genuíno é muito relevante. Não se esqueça de que o processo terapêutico é seu e que estas podem de alguma forma prejudicar os seus objetivos. Estes são momentos úteis para explorar e trabalhar o porquê de ter sido tão difícil ser honesto no tema em questão. Pode partilhar diretamente, por exemplo que “não fui sincero, porque tinha receio de ser julgado”.
  • Seja corajoso/a e curioso/a. Iniciar um acompanhamento psicológico é um ato de coragem. Nesta viagem, irá partilhar e contactar com partes de si mais difíceis e, por vezes, terá de se desafiar. É natural haver sessões em que sai mais animado e outras em que sai menos. Tudo isto pode fazer parte do processo terapêutico, que dificilmente se desenrolará de forma linear.

Seja qual for a sua dificuldade, saiba que poderá procurar ajuda num profissional, que se mostrará interessado e fará o seu melhor para o ajudar. A melhor altura para começar é agora. Não está sozinho/a.

Um artigo de Samuel Silva e Mauro Paulino, psicólogos clínicos na MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.