Alguma vez sentiu uma sensação indescritível de que a realidade à sua volta, ou a sua própria identidade se tornou temporariamente estranha e irreal? Para além da estranheza e subjetividade inerente a estas ocorrências, pelo facto de serem experiências mais comuns do que faladas, os episódios denominados por despersonalização e desrealização podem ser eventos assustadores e causadores de muito mal-estar.
Apesar de serem relativamente semelhantes, estes conceitos têm objetos diferentes. Assim, para compreendê-los melhor, faz sentido primeiramente diferenciá-los.
A despersonalização caracteriza-se por um sentimento de estar distanciado, como se fosse um observador externo, dos próprios processos mentais, corpo ou ações (por exemplo, sentir que está num sonho, ter a sensação de falta de controlo, de tempo distorcida, ou de irrealidade de si mesmo. Podem ser acompanhados de anestesia emocional e/ou física). Neste tipo de episódios¸ o próprio sujeito é percecionado com grande estranheza («Não sou ninguém», «Não estou aqui», «os meus pensamentos/sentimentos não são meus»). Pode, inclusivamente, ter a sensação de estar fora do corpo, observando-se de fora.
Por sua vez, a desrealização diz respeito a um sentimento de estar distanciado, como se fosse um observador externo, do ambiente ao seu redor (por exemplo, as outras pessoas, ou objetos são percecionados como artificiais, irreais, nebulosos, sem vida ou distorcidos). Entre outras manifestações, é comum a presença de distorções visuais, como visão embaciada (como se existisse um vidro ou véu entre a pessoa e o exterior), ou um campo visual ampliado ou reduzido; e distorções auditivas (em que as vozes ou sons são mudos, ou mais intensos). Assim, o mundo em redor é percecionado com grande estranheza.
Estas experiências podem ocorrer separadamente, ou simultaneamente. No decorrer destes episódios, a pessoa pode manter a sua consciência e capacidade mental, levando a que sejam normalmente encarados como uma experiência desagradável. Um episódio destes tipos pode variar na sua duração, podendo ocorrer apenas durante uns minutos, até a algumas horas ou mesmo dias.
Apesar de transmitirem a sensação de que «estou a enlouquecer», episódios desta natureza podem surgir mesmo na ausência de perturbação mental, em momentos de stress muito elevado. Ainda assim, podem surgir como um sintoma de ataques de pânico ou estar associado a outras problemáticas como as perturbações de pânico, de humor, de personalidade, abuso de substâncias, ou trauma. Quando estes episódios se tornam muito frequentes, e causam um sofrimento e/ou dificuldades significativas no funcionamento do dia-a-dia, estamos perante uma Perturbação de Despersonalização/Desrealização (que se define pela persistência e recorrência de episódios deste tipo).
Considerando que são experiências que provocam agitação interna e mal-estar, importa saber o que fazer. Neste sentido, estratégias de regulação emocional e relaxamento são particularmente relevantes para gerir estes episódios. Assim, como forma de se regular, pode:
- Focar-se nos seus 5 sentidos, de forma a contactar com a realidade e o momento presente. Isto poderá ser feito de várias formas, por exemplo, descalçando-se e focando na sensação dos pés no chão (sentir a temperatura, textura), ou focando em elementos à sua volta de natureza visual (identificar objetos, cores e formas), auditiva (distinguir e nomear os sons), olfativa (procurar cheiros), ou até a partir do paladar (levar toda a atenção para o sabor de determinada comida ou bebida);
- Aplicar técnicas de relaxamento, como por exemplo, respirar calma e controladamente, trazendo o foco para a respiração. Um exemplo poderá ser a respiração diafragmática, em que a respiração é controlada pela barriga, ou seja, ao inspirar a barriga expande, e ao expirar a barriga volta para dentro;
- Falar consigo mesmo(a), reconhecendo o que está a acontecer, e que se trata de algo temporário, que irá passar dentro de momentos.
É importante manter ainda presente que, na presença de sofrimento e desconforto elevado a procura de apoio psicológico revela-se essencial, com vista, não só trabalhar a regulação nestes momentos, mas também compreender o que os causa, e reduzir a sua ocorrência. Não adie para amanhã a ajuda que lhe trará benefícios receber hoje.
Um artigo dos psicólogos clínicos Samuel Silva e Mauro Paulino, da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.
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