No lado oposto à mesa de madeira robusta que ocupo num bar lisboeta, olham-me 32 anos de experiência apurada no fabrico de rum e de ligação à mesma casa produtora. Nelson Hernandez, 62 anos, nascido na Venezuela, América do Sul, está de visita a Lisboa. Marcamos esta conversa no dia em que este venezuelano profere na lusa capital uma aula para jovens estudantes de hotelaria. Para este Maestro Ronero (Mestre Misturador), que podemos comparar, com as devidas ressalvas e diferenças, ao enólogo das nossas latitudes de clima temperado, saem naturais e apaixonadas as palavras que expressam o seu apego à bebida cujas origens remontam ao século XVII.

Nelson Hernandez, um engenheiro mecânico de formação académica e que trabalhou na indústria petrolífera, é desde os anos de 1980 um dos vértices de um trio de Maestros Roneros a trabalhar para a mesma destilaria, a Rum Diplomático, marca atualmente presente em 60 países, incluindo Portugal. Uma tríplice aliança que se completa com Gilberto Briceno e Tico Cordero. Juntos, estes mestres do rum, acumulam mais de 90 anos de labor em destilarias. “Cada Maestro tem uma determinada personalidade, que é muito pessoal. Como tal existem diferenças nos produtos que fazemos e isso faz parte da marca Diplomático”, conta-me este venezuelano de expressão afável e palavras com a doçura das latitudes equatoriais sul americanas.

Nelson Hernandez o Mestre venezuelano que nos ensina como beber rum
Nelson Hernandez o Mestre venezuelano que nos ensina como beber rum Rum Diplomático

Nelson, Gilberto e Tico são os orquestradores da química complexa que junta água (e não é uma qualquer) e melaço ou mel proveniente da cana-de-açúcar. Uma fórmula natural, base para diferentes métodos de fermentação, mais ou menos longa, para obter runs pesados, intermédios e ligeiros, a que sucedem processos de destilação, envelhecimento e blends, a mistura de diferentes runs. Uma matriz complexa que congemina para produzir runs com personalidades distintivas, blindadas face às ideias feitas que associam esta bebida a uma menos nobre tradição.

Começar no rum depende da idade e da personalidade de cada um. Os mais jovens, entre os 18 e os 35 anos, devem apreciar um rum ligeiro, um `Mantuano`ou ´Planas`, pois mais fáceis de beber, podendo ser consumidos puro ou combinados com outra bebidas

Uma tradição que nascendo dos produtos sobrantes das antigas fazendas de cana-de-açúcar do período colonial, encontrou na fermentação e destilação o caminho para extrair esta bebida espirituosa, tida séculos atrás com propriedades curativas, mais tarde alimentando o imaginário da pirataria caribenha e cunhando ai, de acordo com algumas versões, a origem do termo Rum. Terá nascido de Rumbullion, gíria inglesa para descrever os excessos provocados pelos piratas nas ilhas das caraíbas. Outra corrente defende que decorre do termo latino Saccharum (açúcar).

nelson hernandez
nelson hernandez Preparação para o estágio em barris de carvalho branco norte-americano onde antes estagiou whisky de malte.

Aqui, em Lisboa, os copos de rum que eu e Nelson Hernandez agitamos com afabilidade, estão distantes destas histórias conturbadas meridionais. “Como bebida destilada não tem relação com o brandy ou conhaque, o rum é uma bebida de alegria de partilha”, sublinha o Maestro , acrescentando que o rum em apreço saiu de uma empresa integralmente familiar, uma destilaria de capital 100% venezuelano, fundada em 1959 e em laboração continua até este 2017. Da Rum Diplomático só verte rum com Denominação de Origem Controlada, o “Ron de Venezuela”, enfatiza Nelson.

Uma marca de rum que funda o seu nome numa figura tornada quase um mito. Don Juancho Nieto Meléndez tem a sua imagem reproduzida nos rótulos do Diplomático. Homem do século XIX, apaixonou-se pelo fabrico de rum. Estudou-lhe o terroir, para perceber como este exerce influência na produção desta bebida. Don Juancho colecionou ao longo da sua vida milhares de licores sul-americanos. Uma coleção que ficou conhecida como “Las Reservas del Embasador”.

Nelson Hernandez o Mestre venezuelano que nos ensina a beber rum
Nelson Hernandez o Mestre venezuelano que nos ensina a beber rum A destilação com a extração do espírito da bebida.

Saber degustar um rum

Entre mãos seguro “uma preciosidade” como me diz o Maestro. Um “Reserva Exclusiva” com assinatura da Rum Diplomático, envelhecido por 12 anos em barricas usadas de carvalho branco norte-americano que, antes, acomodou whisky de malte. Um rum que integra a Gama Tradição da Diplomático, que inclui o “Mantuano” (mistura de runs envelhecidos, oito anos de estágio em barrica e na prova olfativa e do palato com canela, chocolate e frutos secos) e o “Planas”, “um rum transparente porque filtrado com carvão vegetal. Estagia seis anos em barrica e na prova percebemos-lhe coco e frutos tropicais. Pode ser consumido puro ou com gelo”, enquadra o nosso interlocutor.

No caso vertente, este “Reserva Exclusiva” perdeu a cor cristalina original, para ganhar um tom caramelo. No aroma não engana esse mesmo caramelo, como também nos atrai, no palato, a baunilha, os frutos secos, o chocolate e o fumo. “É sedoso e pode ser, por exemplo, um bom ingrediente para cocktails clássicos como por exemplo ´Old Fashioned Manhattan`”, explica Hernandez. Uma suavidade contradita pelo teor alcoólico, 40º. Isto numa bebida que resulta não de um mas de três métodos de destilação tradicional, a espanhola, a americana e a britânica.

“Devemos aproximar o nariz do bordo do copo e respirar de forma normal. Não inspirar profundamente. Primeiro no bordo do copo e só depois a meio do mesmo. Os aromas chegam rápido ao nariz.

No que respeita à prova nada de confusões com o vinho, fugindo aqui à tentação de um inspirar profundo nos confins do copo. Dou voz ao especialista que acompanha as palavras com gestos sabedores: “Devemos aproximar o nariz do bordo do copo e respirar de forma normal. Não inspirar profundamente. Primeiro no bordo do copo e só depois a meio do mesmo. Os aromas chegam rápido ao nariz. De seguida, damos um trago, degustando a bebida na ponta da língua e sobre a mesma. Finalmente via garganta”. Mais de 85% do sabor entra primeiro pelo nariz. O sabor prolonga-se pelo menos dois minutos, complementa Nelson.

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nelson hernandez Don Juancho Nieto Meléndez tem a sua imagem reproduzida nos rótulos do Diplomático. Homem do século XIX, apaixonou-se pelo fabrico de rum. Estudou-lhe o terroir, para perceber como influencia a produção desta bebida.

Uma prova que nos remete para a origem, o território, o Vale de Planas, no noroeste da Venezuela, onde nasce o produto base para este rum, a cana-de-açúcar, de onde é extraído o mel (usado nos runs “pesados” e o melaço usado nos runs “ligeiros”). É Nelson que me faz viajar nas suas palavras para a Venezuela. “As condições geográficas para o processo do rum são excelentes. Por um lado temos o mar das Caraíbas, a proximidade da floresta Amazónica, a cordilheira andina, a linha do equador. Os dias são cálidos, as noites frescas”.

Nelson Hernandez o Mestre venezuelano que nos ensina a beber rum
Nelson Hernandez o Mestre venezuelano que nos ensina a beber rum Em certos mercados o Diplomático denomina-se "Botucal". O termo decorre da palavra indígena "Botuka" que significa Colina Verde. créditos: Rum Diplomático

Nelson Hernandez aproveitou a passagem por Lisboa para apresentar as duas novas referências Diplomático: um rum “Single Batch Kettle” e um outro “Single Barbet Column” (juntam-se às gamas Tradição e Prestige). O primeiro usando um método de destilação canadiano para whisky, usando mel de cana-de-açúcar e estágio em barricas. Na prova, percebemos caramelo tostado e sabores de frutos vermelhos maduros. O segundo lançamento, o “Single Barbet Column”, utiliza um método de destilaria francesa, a partir de melaço de cana-de- açúcar. Estagia em barris de carvalho-americano.

nelson hernandez
nelson hernandez

“Como bebem os portugueses os runs que cria e como podemos comparar com a restante Europa?”, pergunto a Nelson: “Portugal tem apresentado uma substancial subida em relação ao consumo da nossa marca de rum. Acresce que há uma importante comunidade portuguesa na Venezuela o que suscita afinidades entre os dois povos. Fora da origem, França é o país com mais volume de vendas. No caso da República Checa, obtemos uma excelente relação entre o Rum Diplomático face ao número de habitantes. A Alemanha também tem uma excelente relação de consumo per capita”.

Finda esta prova em privado com o Maestro Ronero, confesso-lhe alguma ingenuidade na abordagem ao rum, terreno ainda pouco trilhado por mim. Nelson deixa-me um conselho. “Começar no rum depende da idade e da personalidade de cada um. Os mais jovens, entre os 18 e os 35 anos, devem apreciar um rum ligeiro, um `Mantuano`ou ´Planas`, pois mais fáceis de beber, podendo ser consumidos puro ou combinados com outra bebidas. Para pessoas mais maduras, a partir dos 35 anos, aconselho um `Reserva Exclusiva´, ´Single Vintage`ou ´Ambassador`, runs com mais personalidade que combinem bem com chocolate ou com um bom charuto”.

No caso vertente, o deste humilde articulista, cabe bem o “Reserva Exclusiva” casando preferencialmente com o docinho do chocolate.