Quem com olhos de ver atenta nos rótulos dos vinhos da Quinta da Boa Esperança, produtor do concelho de Torres Vedras, não ficará indiferente à figura telúrica, de feição de contornos míticos e sabedores, ali impressa.

Em 2015 havia que encontrar a imagem de marca para um projeto de vinhos que nascia na Zibreira, território de solos férteis, sopros atlânticos, temperados por 20 quilómetros de colinas de permeio até ao mar e pela presença próxima dos contrafortes da Serra de Montejunto.

Um casal de inspirados empreendedores, Artur Gama e Eva Moura Guedes, olhava para os perto de 15 hectares de terreno que haviam adquirido em finais de 2014 e viam-lhes impresso um futuro de Boa Esperança. Como o Cabo longínquo na África Meridional e com um rosto de deus Celta, sátiro, telúrico, em comunhão com a natureza. Artur, natural da Ericeira, e Eva, juntos há perto de duas décadas, queriam acalmar, longe quanto baste, da turbilhona de Lisboa.

A Oeste vivem serenos os vinhos da Boa Esperança
O "Homem Verde" impresso em todos os rótulos dos vinhos da Quinta da Boa Esperança. créditos: Quinta da Boa Esperança

Quanto ao referido fauno que chama por “Homem Verde”, conhecia-o Eva Guedes desde menina de um entalhe num móvel de família. O mesmo artefacto que, agora, repousa na grande sala que faz as honras de acolhimento de quem visita a Quinta da Boa Esperança. Melhor dizemos, um salão de confraternização, de mesa larga para alguns petiscos harmonizados com vinho; de cadeirões ao abrigo de uma salamandra de calor crepitante; de janela ampla para as vinhas e campos da região Oeste, território vitivinícola de Lisboa, de bons solos, clima temperado e relevo ondulante.

A oeste vivem serenos os vinhos da boa esperança
Da esquerda para a direita três das dez referências da Quinta da Boa Esperança. Quinta da Boa Esperança – Rosé, 2016. Quinta da Boa Esperança - Fernão Pires, 2016. Quinta da Boa Esperança - Alicante Bouschet, 2016.

Artur e Eva são o rosto da alegria de ver aos poucos uma propriedade cansada, com mais de cem anos e que serviu a Adega Cooperativa de Dois Portos, se converter num território de renovação e experimentação vinícola. Onde, por exemplo, a vinha velha, cuidada respeitada e rentabilizada em prol da qualidade (reduzindo, por exemplo, na quantidade de uva por videira), coexiste com uma pequena mancha de um hectare de vinha recentemente plantada com a casta Alicante Bouchet.

A Oeste vivem serenos os vinhos da Boa Esperança
Artur e Eva os dois empreendedores que desde 2015 apostam num projeto amigo do território e assente na sustentabilidade.

Neste momento há, ainda, um lote em produção orgânica. Sob olhar atento. Há que dar tempo a estas incursões nos vinhos orgânicos, no caso vertente a casta Touriga Nacional. Outro objetivo futuro, passa por isentar toda a vinha de herbicidas. Passos largos dados num local de onde, ainda há pouco mais de dois anos, saíram 36 camiões de entulho, acumulado décadas a fio.

Vinhos Quinta da Boa Esperança colheitas 2016

Quinta da Boa Esperança – Colheita Tinto (Castas: Aragonez, Castelão e Syrah);

Quinta da Boa Esperança – Syrah (Castas: Monovarietal Syrah);

Quinta da Boa Esperança – Touriga Nacional (Castas: Monovarietal Touriga Nacional);

Quinta da Boa Esperança – Alicante Bouschet (Castas: Monovarietal Alicante Bouschet);

Quinta da Boa Esperança – Colheita Branco (Castas: Fernão Pires, Arinto);

Quinta da Boa Esperança – Fernão Pires (Castas: Monovarietal Fernão Pires);

Quinta da Boa Esperança – Arinto (Castas: Monovarietal Arinto);

Quinta da Boa Esperança – Sauvignon Blanc (Castas: Monovarietal Sauvignon Blanc);

Quinta da Boa Esperança – Reserva Branco (Castas: Arinto, Fernão Pires);

Quinta da Boa Esperança – Rosé (Castas: Castelão, Touriga Nacional e Syrah).

Desde o projeto até à concretização nunca esteve nas cabeças de Artur e Eva, construírem uma adega de design. Antes manter a ligação à terra e total concentração nos vinhos que produzem, recuperando as estruturas já existentes na propriedade e construindo de raiz, sem devaneios arquitetónicos, uma adega de vinificação com capacidade para 120 mil litros em exploração máxima. Neste momento nas cubas de inox descansam perto de 50 mil litros.

Do inox para a madeira, mais especificamente para as barricas novas de carvalho francês da sala de estágio, medeiam poucos metros nesta propriedade aninhada em colinas de olival, hortas e explorações frutícolas. Uma sala impregnada de carácter, de alvas paredes robustas, traves e travessões de madeira sustentando o telhado, de um imponente lagar de pisa a pé da uva e de um antigo portento em forma de tanque de vinificação.

Como figuras centrais neste espaço fresco e de sombras, a bateria com mais de três dezenas de barricas, com capacidade de armazenamento entre os 500 e os 700 litros. O investimento foi avultado. Todas as pipas foram construídas de raiz com mão de tanoaria estrangeira. Dentro dos bojos dormentes de madeira, repousam vinhos saídos da safra de 2015, o primeiro ano de produção. Um aparte: só uma pequena fatia da produção da Boa Esperança passa por estas madeiras. O estágio faz-se preponderantemente em inox, no armazém de vinificação.

Vinhos em edições limitadas, algumas numeradas, porque o projeto quer-se construído sustentável. Para Eva e Artur não há lugares cativos no portefólio neste momento com dez referências entre brancos, tintos e rosé, provindo das castas Caladoc, Aragonez, Castelão, Touriga Nacional e Alicante Bouchet (tintos) e Arinto, Fernão Pires e Sauvignon Blanc (brancos). Um panteão de castas que também segue debaixo de olho atento por parte de proprietários e enólogos que não descartam ainda este 2018 lançar um Reserva Tinto (blend de Alicante Bouchet, Syrah e Touriga Nacional) e, num futuro a médio prazo, um Grande Reserva Tinto  (Alicante Bouchet e Touriga Nacional). Deem-lhes tempo.

A Oeste vivem serenos os vinhos da Boa Esperança
créditos: Quinta da Boa Esperança

Nestes perto de três anos de empresa houve já que tomar decisões duras. Como a que se perspetiva, a de arrancar as castas Caladoc e Aragonês, por apresentarem resultados menos satisfatórios e empreenderem o plantio das castas Arinto e Sauvignon Blanc.

Decisões onde pesa a opinião da dupla de enólogos de serviço aos néctares da Quinta da Boa Esperança. Paula Fernandes é a enóloga residente que bem conhece os caprichos do terroir onde respira a propriedade. Paula ingressou no projeto ainda no berço deste, em 2014. No currículo a enóloga traz um percurso por várias adegas como José Maria da Fonseca, em Setúbal, ou a Sociedade Agrícola Dona Joana, no Alto Alentejo.

A Oeste vivem serenos os vinhos da Boa Esperança

Por seu turno, como enólogo consultor desta Boa Esperança no Oeste, está Rodrigo Martins que faz consultoria em projetos desde o Douro, Alcobaça, Cadaval, zona do Oeste, Rio Maior e Alentejo.

Viver o território não significa no entanto, no caso da Quinta da Boa Esperança, fechar-se no território. Os vinhos são para ser partilhados, embora aqui concretamente, dadas as edições pequenas - entre 300 e 30 mil garrafas - , com controlo e moderação. Para além da presença em garrafeiras, Artur e Eva, apostam na restauração como é o caso de um dos espaços do chefe de cozinha José Avillez.

A experiência de Artur Gama na representação de vinhos no estrangeiro também abre portas. Mais de 60% da produção sai para o exterior, para dez países. Lidera o Reino Unido com um terço do valor apontado. Dinamarca, Suécia, Líbano, Estados Unidos também estão entre os mercados que dizem "gosto" aos vinhos da Boa Esperança. Só na capital britânica, Londres, há mais de 30 restaurantes com as referências do produtor da região Oeste.

Uma casa que não se fecha também ao casamento entre cozinha de topo e vinhos. Um grupo de chefes de cozinha ingleses, um deles três estrelas Michelin, vai visitar a quinta. Durante uma semana cozinharão e harmonizarão as suas criações com os vinhos da Boa Esperança.

É caso para dizer que a Oeste há algo de novo. E que nos desculpem a apropriação deturpada da frase de autor terceiro.