Não é o mais comum, mas esta história não começa com videiras. Começa com legumes.

O protagonista desta narrativa é Ole Martin Siem, norueguês de origem e agricultor por vocação, que se instalou na Costa Vicentina, numa época em que esta faixa costeira do sudoeste alentejano era tudo menos uma rota óbvia.

Foi o primeiro estrangeiro a chegar à região movido por uma combinação improvável de intuição e oportunidade. Portugal preparava-se para entrar na então Comunidade Económica Europeia, e Ole Martin estudava agricultura no Reino Unido. Entre o clima desafiador da Noruega e a promessa de um território temperado, biodiverso e por explorar, decidiu arriscar tudo na segunda opção. Estávamos em 1984.

A sua primeira incursão foi no Algarve, mas a terra não correspondeu aquilo que procurava e cedo percebeu que o seu futuro passaria mais a norte, ao longo da costa. Com a mudança, nasceu a Frupor, empresa agrícola que hoje aposta em culturas pouco exploradas e apetecíveis a vários mercados como couve chinesa, miniaturas de cenouras e plantas ornamentais para arranjos florais.

Vicentino Wines: nada contra a robustez, mas este Alentejo prefere a brisa
Vicentino Wines: nada contra a robustez, mas este Alentejo prefere a brisa Ole Martin Siem é o responsável pelo projeto Vicentino. créditos: Divulgação

Tudo corria – e corre – bem, mas o chamamento para o vinho foi indo e vindo. Apesar de não ter experiência neste tipo de produção, Ole Martin foi pelo lado prático. “Sempre me disseram que bons vinhos vêm de boas uvas. E um bom cultivo é algo que sabemos fazer”, assume, enquanto nos conduz pelas vinhas. O projeto vínico atualmente tem cerca de 60 hectares.

A aposta definitiva deu-se em 2007, com a plantação das primeiras vinhas. A produção era, na altura, vendida à Cortes de Cima, casa com experiência na Vidigueira, mas curiosa com o potencial da Costa Vicentina.

O primeiro vinho com marca própria, um Sauvignon Blanc, só seria lançado em 2014, ano em que começaram a trabalhar com o enólogo Bernardo Cabral.

Vicentino Wines: nada contra a robustez, mas este Alentejo prefere a brisa
Vicentino Wines: nada contra a robustez, mas este Alentejo prefere a brisa Bernardo Cabral é o enólogo consultor da Vicentino Wines desde 2014. créditos: Divulgação

Como na agricultura, o tempo, em viticultura, é parte do método. E foi essencial para aprender. Até porque falamos de um projeto nascido da terra, mas moldado pela brisa atlântica, pelos nevoeiros matinais e pelo equilíbrio entre mar e sol. Mas o que lhe confere um terroir único pode ser, também, uma dor de cabeça.

As vinhas estão conduzidas em Guyot, uma técnica menos tradicional no Alentejo, mas mais eficaz neste contexto costeiro. O clima da Costa Vicentina, marcado por uma maior humidade, exige um controlo mais cuidadoso da vegetação. Algo que o sistema Guyot, ao permitir uma gestão mais precisa dos rebentos e da carga vegetativa, facilita melhor do que o sistema tradicional. É uma escolha técnica, feita com base nas condições da região, explica-nos Bernardo Cabral.

Em São Teotónio, junto à Zambujeira do Mar, as temperaturas são mais amenas em comparação com outras partes do Alentejo delimitadas pelo Cabo Sardão. A diferença pode chegar até aos 5 graus, criando condições muito favoráveis para a produção de vinho.

Vicentino Wines: nada contra a robustez, mas este Alentejo prefere a brisa
Vicentino Wines: nada contra a robustez, mas este Alentejo prefere a brisa As vinhas em Guyot são uma das características distintivas da região. créditos: Divulgação

“A agricultura é uma coisa fácil de se fazer, no sentido em que a informação está acessível a todos. O difícil é aplicar na prática, no momento certo”, explica Ole Martin.

A frase resume a filosofia da Vicentino e, na verdade, de qualquer vinho feito com seriedade: as decisões tomadas na vinha têm reflexo direto na adega. E isso sente-se nos vinhos Vicentino. Os nevoeiros matinais, as noites frescas, as brisas constantes e a forte influência marítima, combinadas com solos argilo-xistosos e arenosos, ajudam a preservar a acidez natural das uvas. O resultado é o Santo Graal das novas tendências: vinhos frescos e elegantes? Sim. Robustez? Nem por isso. Afinal, isto também é Alentejo, mas com outra cara.

O vinho na prática

Hoje, a Vicentino conta com mais de uma dezena de referências no portefólio, organizadas em cinco gamas distintas.

A Sunrise destaca-se pelos seis vinhos monovarietais que expressam com clareza cada casta, entre brancos (Sauvignon Blanc, Alvarinho, Arinto) e tintos (Syrah, Touriga Nacional, Merlot). A Sunset equilibra potência e frescura em dois vinhos (branco e tinto) que refletem os contrastes entre o calor do Alentejo e a influência atlântica. A gama Misty apresenta os vinhos Reserva fermentados e estagiados em barrica, ganhando complexidade aromática e persistência, sustentada por acidez marcada que evidencia o terroir. A Moonlight centra-se no cultivo rigoroso de Pinot Noir e Chardonnay, incluindo um tinto, rosé, branco e o espumante La Mer. Por fim, a Naked oferece vinhos sem passagem por madeira, simples e frescos, ideais para um consumo descontraído.

Em 2015, o projeto ganhou nova força com a entrada dos amigos e investidores de longa data, Antoinette e Olivier Lemens, uma aliança que se mantém até hoje em partes iguais.

A presença dos fundadores franceses viria a ganhar forma simbólica anos mais tarde, com o lançamento do espumante La Mer 2019 (dégorgement em 2024, gama Moonligth), coincidindo com a inauguração da nova adega. Produzido com Pinot Noir e Chardonnay em partes iguais, é um tributo ao estilo francês, mas coerente com o ADN do projeto. Foram lançadas apenas 1100 garrafas (PVP: 40€).

Vicentino Wines: nada contra a robustez, mas este Alentejo prefere a brisa
Vicentino Wines: nada contra a robustez, mas este Alentejo prefere a brisa créditos: Divulgação

Além deste espumante, houve outros vinhos em prova durante a nossa visita. O Alvarinho Sunrise 2021 (100% Alvarinho, 50% barrica e 50% cuba), com cerca de 14 mil garrafas produzidas, destaca-se pela acidez vincada e perfil aromático (PVP: 12,49€). O Reserva Branco 2022 (blend de Chardonnay em barrica usada e Arinto em inox) é outro exemplo da busca por equilíbrio entre complexidade e frescura (PVP: 15,99€).

A inovação continua com o Moonlight Chardonnay 2021, uma edição muito limitada (1200 garrafas) e vendida em exclusivo na loja da adega (PVP: 27€).

Nos tintos, a Vicentino trabalha castas como Aragonês, Touriga Nacional, Merlot, Pinot Noir e Syrah. O Reserva Tinto 2017 (100% Touriga Nacional) foge do perfil pesado típico da casta no Alentejo, com frescura e elegância (6700 garrafas, PVP: 15,99€). Já o Pinot Noir Moonlight 2022 (3400 garrafas, PVP: 35€) evidencia o cuidado na adaptação de uma casta exigente, pouco comum na região.

Vicentino Wines: nada contra a robustez, mas este Alentejo prefere a brisa
Vicentino Wines: nada contra a robustez, mas este Alentejo prefere a brisa As tulipas de cimento presentes na adega. créditos: Divulgação

A casta Sauvignon Blanc merece destaque especial. Afinal, foi a primeira a ser vinificada e tornou-se emblemática na casa. Desde então tem vindo a demonstrar um potencial de envelhecimento, como explica Bernardo Cabral. Já outras castas, como o Arinto, a Touriga Nacional e o Merlot, têm beneficiado do cimento. “Estou cada vez mais encantada com o cimento porque conseguimos preservar mais a parte varietal da casta, um tanino mais redondo. Dá-nos vinhos mais vibrantes, sobretudo nesta zona"”, afirma Ana Rita Bouça, enóloga residente, durante a visita à nova adega, onde se destacam as grandes e pesadas tulipas de cimento, trazidas propositadamente de Itália e que hoje fazem parte da identidade técnica e estética do projeto.

Uma janela para o universo Vicentino

Vicentino Wines: nada contra a robustez, mas este Alentejo prefere a brisa
Vicentino Wines: nada contra a robustez, mas este Alentejo prefere a brisa A adega foi inaugurada em 2024. créditos: Divulgação

Construída em 2023 e inaugurada em 2024, a adega Vicentino, é o resultado de anos de dedicação ao vinho. “Construímos uma adega com quase 10 anos de experiência em vinho e tentamos explorar os nossos pontos fortes", conta Ana Rita Bouça.

A nova adega, para além de dar suporte técnico e independência à produção, é também o centro de uma nova fase na vida da Vicentino: o enoturismo. Situada no meio das vinhas, oferece visitas guiadas que percorrem vinhas, zonas de fermentação, espaços de estágio e terminam como deve ser: com o vinho no copo.

Há diferentes provas disponíveis, pensadas para perfis e curiosidades distintas. A mais introdutória, “Os primeiros passos”, propõe uma prova de quatro vinhos que expressam a essência do projeto Vicentino e o carácter do terroir, numa abordagem que “abre a mente” para o que esta costa e esta vinha têm para dizer (20€ por pessoa). A opção “Conheça os mais vendidos” leva os visitantes por um percurso mais alargado, com oito referências que exploram o potencial das diferentes castas, solos e métodos de vinificação adotados pela casa (35€ por pessoa).

Já a prova “Quando a Noruega encontra a França no Alentejo” presta homenagem aos fundadores e à génese do projeto, com quatro vinhos feitos a partir de castas internacionais produzidas na região (35€ por pessoa). Por fim, a proposta “Mar e Terra, Unidos!” reúne seis vinhos — entre referências emblemáticas e produções mais exclusivas, como o espumante Vicentino, disponível apenas na loja da adega — numa celebração da identidade atlântica do projeto (45€ por pessoa).

Vicentino Wines: nada contra a robustez, mas este Alentejo prefere a brisa
Vicentino Wines: nada contra a robustez, mas este Alentejo prefere a brisa créditos: Francisco Rivotti

Para quem quiser levar os vinhos para casa, a loja permite o acesso a algumas edições que não se encontram no mercado tradicional. Um bom exemplo é o Moonlight Chardonnay, vinho de produção muito reduzida e vendido exclusivamente ali.

Sabia que…?

O nome Vicentino presta homenagem à lenda de São Vicente, que deu nome à Costa Vicentina?

Conta-se que, no tempo de D. Afonso Henriques, uma expedição partiu em busca das relíquias do santo, perdidas na costa algarvia. Ter-se-iam orientado graças a um grupo de corvos, que os guiou até ao local.

Duas dessas aves acompanharam o regresso a Lisboa e são lembradas até hoje como fiéis guardiãs da lenda. E agora, também do vinho.

Numa altura em que poucos olhavam para a Costa Vicentina como território de vinho, Ole Martin Siem arriscou e ficou. O projeto Vicentino cresceu sem pressas, sempre a tentar compreender melhor o potencial da região. Hoje, a sua história cruza pioneirismo, adaptação e respeito por um lugar onde o mar e o clima ditam o tom.

É certo que nem tudo foi feito “como manda a tradição”, mas talvez seja essa a maior virtude do projeto: a liberdade de começar do zero, com olhos de quem vem de fora, e o compromisso de quem ficou. E se a história começou com legumes, hoje os vinhos também contam, moldados pelo Atlântico, com rigor nórdico e alma portuguesa.