Se nasceu antes dos anos 80, então poderá ser um espectador, mais ou menos ativo, de como os vídeojogos foram assumindo um papel cada vez mais sólido no mundo contemporâneo. Foi, provavelmente, alguém que teve a experiencia da televisão desde tenra idade, quando existiam apenas dois canais, numa altura em que o Festival Eurovisão da Canção era um acontecimento grandioso, e tinha que estar à espera até adiantadas horas da noite para poder ver um filme que apenas passaria nesse momento, e que depois não se voltaria a repetir. Provavelmente assistiu a telenovelas, a séries e a outras modalidades de entretenimento que eram disponibilizadas através do pequeno ecrã quadrado. Foi exposto a conteúdos de alegria, de animação, de excitação e também de violência.
O debate sobre o impacto da violência visionada através da televisão é ainda mais antigo que o dos vídeojogos. E provavelmente assim será com todas as modalidades que estarão por inventar no futuro e que o farão sentir um leque variado de emoções. A investigação realizada ao longo dos anos sob este tema não é linear: existem estudos que apontam para uma influencia significativa dos conteúdos violentos na conduta do indivíduo e outros que não encontram tal impacto.
Se está a ler este artigo e nasceu nos anos 80 ou depois, então é muito provável que já tenha tido várias experiências com vídeojogos. Provavelmente até assistiu à evolução dos mesmos ao longo do tempo, começando por simples jogos monocromáticos em que o objetivo era mover duas barras e impedir que um quadrado branco ultrapassasse o limite do ecrã, simulando uma partida de ténis; ou tomou conhecimento do ZX Spectrum, o primeiro computador dedicado ao entretenimento a chegar à casa dos portugueses na década de 80, trazendo melhorias de som e de gráficos à experiência do utilizador. Foi provavelmente fã de jogos de PC e assistiu à evolução das consolas, desde as Super Nintendo, às máquinas produzidas pela Sega, como a Mega Drive e a Saturn, chegando hoje em dia às grandes máquinas de jogos que são os computadores fixos e as consolas de última geração. Se este é o seu caso, então a probabilidade de ter estado exposto a conteúdos violentos transmitidos pelos vídeojogos é muito elevada.
A associação que os media fazem entre a violência nos vídeojogos e assassinatos brutais é demasiado tentadora para ser deixada em branco. Veja-se o caso de Anders Breivik, que alvejou 68 pessoas num campo de jovens do Partido Trabalhador da Noruega. Descobriu-se que era um grande entusiasta de vídeojogos e que inclusive utilizou um videojogo em particular para simular e treinar o tiroteio que se veio a concretizar. Ou um jovem de 14 anos, Evan Ramsey, que entrou na sua escola com uma espingarda e alvejou um colega e o diretor e feriu mais dois jovens. Quando questionado porque o fez, referiu que não sabia que uma pessoa morria quando levasse apenas um tiro. No videojogo que costumava jogar, cada monstro precisava de oito ou nove tiros para morrer.
Uma investigação levada a cabo pelo Professor Craig Anderson da Universidade Estatal do Iowa em 2010, fez uma revisão exaustiva de artigos desde 2005 relacionados com a interação entre a violência dos vídeojogos e o comportamento agressivo. Na conclusão do seu estudo, foi referido que, de facto, a violência dos vídeojogos é uma variável significativa que contribui para a alteração dos comportamentos, pensamento e emoções associados à agressividade. Foi também relatado que havia diminuição, a longo prazo, de comportamentos pró-sociais, de empatia e foi reportada uma dessensibilização face a conteúdos agressivos.
Por outro lado, outra meta análise, conduzida por outro investigador em 2007, revelou que não se manifestavam efeitos negativos, a nível comportamental, a partir da exposição a videojogos violentos. Pelo contrário, o autor notou que existiam até alguns efeitos positivos resultantes da exposição a este tipo de videojogos, nomeadamente, um aumento na capacidade visuoespacial.
Se existe alguma investigação que aponta para o benefício da exposição aos videojogos, mesmo aqueles que incorporam conteúdos agressivos na sua experiência, também os media, por vezes, direcionam a sua atenção para alguns episódios que resultam de uma adequada utilização das aprendizagens realizadas em videojogos. É o caso de um rapaz norueguês de oito anos, que salvou a vida da sua irmã mais nova ao colocar a sua própria vida em perigo, perante a investida de um alce, começando por tentar atacar o animal e posteriormente fingir que estava morto quando o alce o começou a atacar. Isto terá sido suficiente para afastar a ameaça. Quando questionado mais tarde sobre o sucedido, o rapaz disse que tinha aprendido as técnicas num videojogo de sobrevivência.
O debate na comunidade científica mantém-se, dependendo muito do tipo de estudo e variáveis que são utilizadas para medir o tamanho do efeito pretendido. Até ao presente, é possível concluir que a exposição a conteúdos violentos nos videojogos constitui-se como um fator de risco para o desenvolvimento de comportamentos agressivos. Porém, por si só, este fator não apresenta um peso significativo para explicar, individualmente, o desenvolvimento de condutas, pensamentos ou emoções agressivas, nem para explicar em exclusividade a diminuição da empatia e dos comportamentos pró-sociais.
Contudo, outro problema associado aos videojogos e que desencadeia fortes comportamentos agressivos parece estar a emergir cada vez mais na sociedade atual. Trata-se da adição aos videojogos, que cada vez mais se manifesta clinicamente em crianças e jovens. Um dos principais sinais do vício adquirido é um comportamento violento quando o jogador é privado do jogo, sobretudo se isto acontecer subitamente, como quando se desliga uma consola da corrente porque após o quinto “já está na hora de desligar”, a criança ou o jovem volta a repetir “só mais dois minutos”. Outros sintomas deste problema são: a) dificuldades de sono; b) pensar recorrentemente no jogo, mesmo quando está afastado do computador ou da consola; c) o jogo tornar-se o único interesse, com consequente desinvestimento em atividades que anteriormente eram realizadas; d) diminuição do rendimento escolar e e) mentir sobre o tempo que esteve a jogar.
Mais intensa que a agressividade gerada a partir da exposição a conteúdos agressivos nos videojogos, é provavelmente a violência gerada pela dependência destes, podendo escalar para situações de grande tensão, quer no contexto familiar, quer no contexto escolar. A prevenção da dependência dos videojogos, através de medidas aplicadas pelos principais agentes educativos, sejam estes pais ou professores, poderá impedir uma trajetória negativa na vida da criança ou do jovem. Caso a adição já esteja instalada, poderá ser necessário recorrer a apoio clínico no sentido de diminuir sintomas e retomar hábitos mais adaptados.
Em forma de conclusão, a exposição aos conteúdos dos videojogos parece ter impacto no desenvolvimento de comportamentos, pensamentos e emoções naqueles que os jogam. A investigação demonstra que estes efeitos poderão ser positivos e negativos, não existindo um consenso em relação a qual das duas valências prevalece. Um maior consenso existe em relação à violência gerada pela privação dos videojogos naqueles que sofrem de uma adição aos mesmos. A prevenção e a intervenção assumem um caráter de relevo nestes casos.
João Faria – joao.faria@pin.com.pt
Psicólogo Clínico
Núcleo de Intervenção na Internet e nas Telecomunicações
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