
Assim, conteúdos de violência sexual que anteriormente encontrávamos na Dark Web são agora expostos recorrentemente no Tik Tok como forma de levar os jovens e adultos a partilhar daquelas ideias e comportamentos e fomentá-las como exemplo a seguir.
O alcance de conteúdos desta natureza é incomensurável, pois multiplicam-se ao segundo e invadem as redes sociais de quem quer e quem não quer.
Inacreditavelmente, a violência sexual online alicia os jovens!
Sendo que, os crimes sexuais contra menores aumentaram 46% nos últimos três anos. Sabe-se que, a maioria dos agressores são pai ou a mãe, mas há também muitos abusadores online, utilizadores da internet que a usam como meio privilegiado da prática do crime.
A utilização do Tik Tok e visualização dos seus conteúdos tem tido um alcance verdadeiramente assustador, porque os jovens veem e partilham os conteúdos.
A recente violação de uma jovem foi filmada, divulgada online e vista por 32 mil pessoas. Ora, a violação não se filma, condena-se! E também não se partilha! A divulgação traduz a naturalização da violência sexual em Portugal.
Ao partilharem-se tais conteúdos, está-se a legitimar a filmagem, o ato em si e a propagar a ideologia do crime. Além de toda a revitimação das vítimas ao saberem das suas imagens divulgadas para milhares de pessoas.
A divulgação de violações no Tik Tok convoca-nos ainda à velha discussão a respeito da postura das vítimas, mulheres. A maldade praticada contra as mulheres radica sempre no querer arranjar uma justificação e desculpar para a violação. O que uma mulher diz, come ou veste não é um convite à violação! Nem tão pouco a forma como se comporta! Enquanto uma mulher não disser explicitamente que aceita e quer um ato sexual, teremos sempre um ato sexual não consentido, ato esse hediondo que vai marcar a vida dessa mulher.
Ora, banalizar-se um crime hediondo é uma aberração! É um perpetuar da violência contra as mulheres, por serem mulheres, é um cultivar do misoginismo que se tem por inaceitável na atualidade.
É essencial que os pais falem com os filhos sobre emoções, respeito, consentimento, significado do direito à igualdade e não discriminação, mas também que deem o exemplo porque as crianças têm tendência a replicar comportamentos. A masculinidade tóxica começa a ser transmitida cedo. Se um jovem já tem discursos misóginos aquando da puberdade ou adolescência, isso não surgiu de repente. A raiz do problema está na infância, normalmente nos modelos comportamentais da sua família nuclear e nas conversas com os pais.
A escola não pode ser uma prisão em conteúdos fechados, powerpoints com exercícios de resposta fechada em que não há lugar à reflexão e ao pensamento. Tudo o que é rigidificado é avaliado numericamente, controlado e normalizado. Formar pessoas não é isso! Onde não há espaço para construção de um ser humano pleno de ideias e convicções, com princípios assentes no respeito pelos Direitos Humanos, dá-se lugar à réplica do que já existe, bom e mau. Ensinar dá trabalho e é preciso saber. Para saber tem de se apostar na formação de quem ensina porque ensinar dá trabalho. Mas é uma das grandes soluções de qualquer sociedade violenta.
A violência é um problema global que afeta não apenas adultos, mas também crianças. Infelizmente, o impacto da violência na vida das crianças é muitas vezes desvalorizado, senão mesmo ignorado e legitimado.
Um artigo de opinião da advogada Ana Leonor Marciano, especialista em Direitos Humanos, violência de género, violência doméstica, Direitos das crianças.
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