O jogo é uma atividade altamente atraente para o ser humano, devido à componente de aprendizagem e treino que lhe é atribuída e que, por isso, pode ganhar uma natureza aditiva – ou seja, tornar-se num vício.
Em Portugal, no ano de 2023, uma investigação do Conselho Económico e Social revelou que cerca de 100 mil portugueses eram viciados em jogar raspadinhas, dos quais 30 mil já tinham sido diagnosticados com perturbação do jogo patológico. Neste estudo, foi destacado um predomínio de pessoas vulneráveis, isto é, mais velhas e com menos recursos financeiros.
No que diz respeito aos mais jovens, como os adolescentes, destacam-se as longas horas dedicadas a jogar online e quanto à população jovem-adulta, as apostas desportivas, à distância de um clique. Em horário nobre, somos confrontados com anúncios constantes referentes a aplicações de apostas online, numa desconsideração do impacto que o fenómeno dos jogos tem em alguns indivíduos e dinâmicas familiares.
Mas o que é o jogo patológico?
Este conceito remete para a perda de controlo, constante ou durante um período, em relação ao ato de jogar, associada a dois elementos: uma enorme preocupação em jogar ou obter dinheiro para o fazer; e um conjunto de pensamentos irracionais que atenuam a compreensão das consequências adversas desse ato.
Estes pensamentos irracionais, denominados por “distorções cognitivas”, são pensamentos, crenças e significados que surgem de forma automática na mente da pessoa e que, como mencionado, alimentam o comportamento de adição. Destacam-se como exemplos:
- Ilusão de controlo: quando a pessoa considera que probabilidade de um acontecimento aleatório acontecer é controlada por elementos como a sorte, a prática, ganhos anteriores, familiaridade com o jogo, sentimento de superioridade.
- Ilusão de responsabilidade: quando as experiências são positivas e o jogador ganha, este atribuí a responsabilidade a si mesmo e às suas competências, mas, quando as experiencias são negativas, a pessoa declara que estas se devem a fatores e influências externas, como o azar, a manipulação ou intervenção de terceiros.
- Ilusão de (falsos) ganhos: tendência a acreditar que ganhou tanto ou mais do que aquilo que perdeu em apostas no ano anterior. Por acréscimo, existe ainda o predomínio da crença de que o dinheiro é a causa ou solução para todos os problemas. Apesar de parecer dinheiro fácil, a recuperação é difícil.
É importante referir que as pessoas com um risco elevado de jogo patológico apresentam características como uma elevada necessidade e procura da aprovação de terceiros, um acentuado sentido de competição, níveis elevados de energia e confiança e uma tendência à superstição (por exemplo, considerar que “partir um espelho dá 7 anos de azar”).
E quais são os comportamentos que tendem a definir o funcionamento de um jogador patológico? Eis os principais exemplos:
- Uma preocupação significativa com o jogo, por exemplo planear novas jogadas (por exemplo, jogo online) ou novas formas de obter dinheiro para voltar a jogar (por exemplo, raspadinhas).
- A sensação de ser incapaz de parar de jogar, apesar do papel ativo para reduzir ou quiçá parar o comportamento, associada ao predomínio de emoções como a inquietação e a irritabilidade aquando das tentativas de diminuição do ato de jogar.
- A procura de uma sensação de excitação, euforia e ativação constantes, o que exige que a pessoa faça apostas progressivamente maiores ou mais arriscadas.
- A presença de um padrão para “resgatar” perdas, isto é, tentativa de reparar uma ou mais perdas anteriores com recurso a maiores apostas, associadas a maiores riscos (por exemplo, apostar tudo o que resta numa só jogada para reaver tudo o que foi perdido).
- A existência de situações problemáticas na vida da pessoa, a qual tende a usar o jogo como uma forma de escape ou como uma tentativa de gerir sintomas de humor definido por sentimentos de tristeza, vazio, desapontamento.
- O recurso à mentira para esconder a extensão do envolvimento no jogo (familiares e amigos, até ao próprio psicólogo).
- Um padrão de relações interpessoais pobres, dada a tendência a colocar em risco as mesmas pelo jogo, assim como existe uma tendencial fragmentação da capacidade de manter uma carreira estável ou vida académica de sucesso.
- A existência de pedidos constantes de dinheiro à família e amigos e/ou ao Banco, de empréstimos, dada a situação financeira precária associada aos investimentos contínuos no jogo.
- Quando esgotados os recursos financeiros, por exemplo, podem incorrer em fraude, falsificação, roubo, venda de património familiar – sempre com o intuito de obter dinheiro para alimentar a adição ao jogo, o que tentam fazer às escondidas.
Os estudos apontam para uma relação entre o jogo patológico e sintomas de depressão, ansiedade, ideação suicida e, inclusive, um historial de tentativas de suicídio. Como consequência, existe ainda uma tendência para recorrer ao consumo de álcool e drogas - existindo, assim, uma clara degradação da saúde física (pela tendência a desenvolver estados físicos associados ao stress, como enxaquecas ou hipertensão) e mental.
Peça ajuda, não se encontra sozinho(a)! Seja destinada para si ou para uma pessoa próxima que identifica este padrão de funcionamento, a ajuda psicológica especializada pode ser imperativa para quebrar o círculo vicioso e destrutivo que define uma adição.
As explicações são de Sofia Gabriel e de Mauro Paulino da MIND | Psicologia Clínica e Forense.
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