Esta realidade, cada vez mais comum, de criar um filho sozinho e não num contexto de casal não tem de ser um problema nem para os pais nem para as crianças.

 

Há dificuldades por não ter com quem partilhar a educação ou as tarefas? Há.

 

Existem dúvidas se cumprem o papel da melhor forma? Sim. E muitas. E soluções? Também. Para o psicólogo Vítor Rodrigues, «qualquer pessoa, homem ou mulher, que ame os filhos pode fazer um bom papel», o que não invalida a importância do contributo de um pai e uma mãe extremosos.

 

No final de contas, importa é mesmo ter em conta que «todas as crianças precisam de amor, atenção, segurança, de sentir-se vistas, apreciadas e, se possivelmente amadas incondicionalmente por quem são e não por aquilo que fazem ou mostram», observa.


Ser dois em um


Tiago, 38 anos, divorciado, tem a seu cargo o Diogo, de 13 anos, desde os três meses de idade, altura em que se separou da mãe do filho e foram viver com a avó (mãe de Tiago). «Tratei sempre dele sozinho, mas reconheço que a minha mãe é uma grande ajuda», constata. A mãe de Diogo rejeitou-o desde a nascença e apenas pontualmente procura o filho», revela, apontando que a maior dificuldade é o estigma social.

 

«Se fosse mãe solteira teria sido muito mais bem acolhido, no trabalho, na escola, e o meu filho também». Este pai a solo admite que tentou compensar a falta da mãe, dando tudo o que podia ao Diogo, mas hoje sente que consegue exercer a sua autoridade de pai sem se impor à força ou ter de ceder sem limites.

 

«Alguns pais tornam-se quase obsessivos na tentativa de compensar a criança por não ter ambos os pais», comenta o psicólogo Vítor Rodrigues, que realça que o importante é saber aceitar a situação e perceber que não vale a pena ambicionar a perfeição. Em lugar disso, há que adotar «uma certa razoabilidade, desportivismo, a ausência de sentimentos de culpa em, por vezes, deixar os filhos entregues aos cuidados de alguém em quem se confia», sugere.

Sentir stress e limitação pessoal


Sara, 41 anos, divorciada, é mãe de Bernardo, 15 anos (filho do primeiro casamento), de Luna, dez anos, e de Miguel, três anos (filhos do segundo casamento).

 

O mais velho foi viver com o pai há três anos. Há dois anos, separou-se do pai dos dois mais novos, que ficaram ao seu encargo, e sente-se sobrecarregada.

 

«Não consigo ter um acordo com o pai das crianças em relação a quando é que ele fica com elas, porque sempre que tem um trabalho (também é freelancer como eu), não consegue coordenar a vida dele com a dos filhos», refere.

 

Sara diz que ser mãe a solo implica «um grande espírito de sacrifício» e uma das maiores dificuldades é ter tempo para estar sozinha e descansar. O psicólogo reconhece que o cansaço agravado pode ser um problema, junto com o stress e as dúvidas que possam surgir.

 

Por isso, realça que é preciso «preservar tempo de qualidade para as crianças mas também para si mesma. Sem cuidar de nós, teremos dificuldade em cuidar dos outros. Uns minutos para se reequilibrar, o recurso a técnicas de relaxamento, a adoção de jogos e passatempos (como passeios) que possam ser feitos com os filhos sem grande desgaste mas, se possível, com bastante diversão, ajudam».

 

Cada casa a sua sentença


Rui, 41 anos, divorciado há ano e meio, é pai de Gonçalo (13 anos), Sofia (11 anos) e André (8 anos). Este pai alterna à semana a paternidade com a mãe das crianças. A grande dificuldade é a comunicação conflituosa entre os dois progenitores e a necessidade de chegarem a acordo constantemente sobre a educação dos filhos.

 

«Há padrões e regras diferentes e isso cria alguma instabilidade nas crianças», critica. Rui diz que «ainda há muita mágoa e esse desequilíbrio também está a causar impacto nas crianças. O maior esforço é não passar esse conflito para elas». Rui admite que ser pai a solo dá mais trabalho, mas acaba por ser mais proveitoso para todas as partes.

 

Vítor Rodrigues observa que alguns pais em situação de monoparentalidade tendem a denegrir a imagem da pessoa ausente, «muitas vezes por causa de um ressentimento que não acaba, mais do que por essa pessoa ser assim tão má». O psicólogo aconselha que o melhor para todas as partes envolvidas será «sempre que possível, permitir que a criança tenha uma imagem despreconceituosa acerca dos seres humanos percebendo que todos podemos cometer erros, ter personalidades diferentes, e assim por diante».

Sentir o peso da sobrecarga


Rosário, 49 anos, divorciada, é mãe de André de 21 anos e criou o filho na ausência do pai desde que ele tinha um ano.

 

Esta mãe diz que o maior desafio é a total responsabilidade pela subsistência, educação, necessidades, anseios do filho, ou seja, «significa não poder morrer». Não obstante as dificuldades que encontrou no caminho, Rosário vê mais prós do que contras em ter criado o seu filho sozinha.

 

«Se tivesse continuado casada com o pai do André provavelmente teríamos uma família disfuncional», salienta. «Só os dois funcionamos muito bem e o resultado é excelente», verifica. Alguns pais a solo podem sentir-se vítimas e desenvolver sentimentos de revolta face à sua situação e às limitações que ela comporta.

 

Para o psicólogo, a solução passa por saber aceitar a situação com coragem e fazer valer o amor que é o melhor bom conselheiro. «O amor aos filhos traz consigo uma alegria própria, que ajuda a lidar com a monoparentalidade», sublinha o especialista.

 

Dividir tarefas e atenções


Teresa, 45 anos, mãe de Tomás (14 anos), Marta, (13 anos) e Daniel (11 anos), tomou a decisão de se divorciar há três anos e alterna à semana a educação dos filhos com o outro progenitor. Teresa observa que existe uma complementaridade às rotinas, valores e formas de viver nas duas casas. A maior dificuldade admite ser mesmo na partilha de tarefas com outro adulto.

 

Esta mãe passou por um processo de culpa, que conseguiu ultrapassar, e já não se sente limitada, apesar de admitir que «a monoparentalidade implica sempre um esforço para todos os envolvidos». Mais, diz que «quando a situação ideal (que seria ter a família junta) deixa de o ser, há que seguir em frente e ir resolvendo o melhor possível.»

 

Alguns progenitores tendem a sentir-se culpados pela separação, sentindo que os filhos perdem muito por não terem ambos os pais presentes em simultâneo. Como realça Vítor Rodrigues, mesmo para os filhos «vale mais uma boa separação, em que sintam que os pais não se separam deles, que um mau casamento».

 

Assim, é essencial adotar «o sentimento positivo de, agora e dada a situação, fazer o possível por levar o seu barco a bom porto. Mesmo que existam de facto culpas, a redenção real e psicológica consiste em fazer melhor muito mais que lamentar o passado», diz o psicólogo.

Impacto da separação nas crianças


A idade da criança, o grau de afeto, a qualidade de vida de que pode desfrutar e a rede social circundante são alguns dos fatores que determinam o impacto da monoparentalidade no desenvolvimento da criança. Assim, cabe ao pai ou à mãe que educam a solo «desempenhar esta tarefa com bom senso, proporcionando contatos com pessoas de ambos os sexos que sejam afetuosas e próximas», aconselha Vítor Rodrigues.

 

Estar só com um dos pais tem a vantagem de «fornecer uma situação coerente em termos de princípios e práticas educativas», refere.

 

«Isso nem sempre acontece entre casais quando há guarda partilhada. Às vezes com guerra entre os pais mesmo após um divórcio», salienta o especialista, habituado a lidar com este tipo de casos.

 

Alerta vermelho


As seis armadilhas a evitar no exercício da monoparentalidade:

 

1. Vitimização
Evite vitimizar-se ou vitimizar a criança pela situação. Aceite a monoparentalidade com coragem e faça valer o amor que tem ao seu filho.

 

2. Sentimentos de culpa


Pare de lamentar o passado. Assuma o sentimento positivo de fazer tudo ao seu alcance para ser o melhor pai ou mãe para o seu filho.

 

3. Stress e cansaço


Reserve tempo de qualidade com a criança, e também consigo própria para evitar o desgaste. Invista no seu equilíbrio, relaxe, descanse e divirta-se.

 

4. Isolamento social


Proporcione ao seu filho atividades pedagógicas e que impliquem convívio. É fundamental que ele amadureça socialmente, para os pais poderem relaxar e terem tempo e espaço para a sua vida pessoal e social.

 

5. Autoexigência excessiva


Evite tentar compensar obsessivamente o seu filho por não ter os pais juntos e aceite que nada pode ser perfeito. Adote uma atitude razoável, descontraída, e livre-se de sentimentos de culpa.

 

6. Demonização do parceiro ausente


Não diga mal ou denigra a imagem da pessoa ausente. Permita que a criança tenha uma imagem despreconceituosa, percebendo que as pessoas cometem erros e têm personalidades diferentes.

 

Texto: Sónia Gomes Costa com Vítor Rodrigues (psicólogo clínico)