
Vanessa Fidalgo, lisboeta, jornalista, é também uma contadora de histórias. Fê-lo anteriormente em livros sobre o Portugal assombrado, investigou o fenómeno OVNI no nosso país, explorou lugares abandonados e mergulhou nas origens insólitas dos nomes das povoações portuguesas. No seu mais recente livro, Vanessa viaja pelo vasto mundo dos nomes próprios. Em Porque se Chama Assim? (edição Oficina do Livro), a autora traça a genealogia dos nomes próprios. Será que existem nomes exclusivamente portugueses? Quais as restrições impostas à escolha de um nome? E o que leva um nome a passar de moda? Ao longo da conversa que mantivemos com Vanessa Fidalgo respondemos a estas perguntas e também percebemos os desafios inerentes à escrita de um livro tão tasto quanto o exige a complexa teia de permutas no tempo e nas geografias que leva à constituição dos nomes.
Vanessa, no prefácio ao livro, o professor João Paulo Silvestre vinca a fronteira desta obra em relação a outras sobre nomes. O que distingue verdadeiramente o seu livro? No fundo, qual foi o objetivo principal que a levou a escrevê-lo?
Prendeu-se com o desejo de explicar e aprofundar o tema. Na verdade, a ideia surgiu a partir de uma conversa com o meu editor. Inicialmente, falávamos sobre planos para livros e, como se costuma dizer, as conversas são como as cerejas. A partir desse diálogo, questionámo-nos sobre nomes que fossem estritamente portugueses.
Na altura, ainda não tinha consciência da extensão desta questão, mas interrogava-me sobre se haveria nomes que tivessem realmente nascido em Portugal ou que fossem exclusivamente utilizados na língua portuguesa. Fizemos um pequeno exercício mental e percebemos que, quase sempre, qualquer nome que nos venha à cabeça tem um equivalente noutra língua. Decidi, então, comprometer-me no final da conversa a investigar essa questão mais a fundo.
Descobri que, de facto, existiam muitos nomes patronímicos, ou seja, sobrenomes, formados a partir do português, como Vasques, Nunes, Lopes ou Marques. No entanto, no que toca a nomes próprios, a situação é diferente, no fundo por uma questão linguística. A nossa língua deriva do latim, e desse latim herdámos uma série de nomes que também foram assimilados por outras línguas de origem semelhante. Contudo, nomes como Nuno e Gonçalo, devido ao uso e à tradição, são hoje essencialmente portugueses. Encontramos Nunes em espanhol, mas é apelido e o Gonçalo, no espanhol, surge por influência da próximidade com a fronteira portuguesa.
Foi esta reflexão que me levou à ideia central do livro. Embora não fosse possível criar uma obra apenas com nomes exclusivamente portugueses, achei interessante explicar as suas origens. Muitos nomes tradicionalmente portugueses, como Constança, Martim ou Afonso, fazem parte de uma herança linguística partilhada. A minha intenção foi justamente explorar essa trajetória, desde as suas raízes latinas até ao português.
Outro aspeto curioso é a relação entre nomes que parecem distintos, mas que têm a mesma origem. Por exemplo, Tiago, Santiago e Iago derivam todos de Jacob [Ya’acov, no hebraico], que, ao longo do tempo, foi sendo adaptado às diferentes línguas e contextos históricos. O mesmo nome chegou ao inglês como James, que depois, pela influência inglesa, adotámos como Jaime. Mais tarde, com o domínio filipino, herdámos Diego, que deu origem ao nosso Diogo. No fundo, os nomes são verdadeiras árvores genealógicas e também grandes viajantes.
Todos os livros apresentam desafios na sua conceção. Durante a investigação para este livro, quais foram as principais dificuldades que enfrentou?
No início, o maior desafio foi precisamente descobrir as ligações entre os nomes, ou seja, as árvores de “famílias” de nomes. Comecei por trabalhar nome a nome, mas rapidamente percebi que fazia mais sentido organizá-los por "famílias". No entanto, essa perceção chegou depois de já ter escrito cerca de 100 páginas. Quando finalmente encontrei as fontes corretas, percebi que faltava muita informação e que teria de voltar atrás para reformular parte do trabalho.
Foi um processo angustiante, até porque tinha prazos a cumprir. Mas, ao mesmo tempo, senti que o conteúdo valia a pena e que estava realmente a descobrir algo novo, apesar de tratar-se de uma temática antiga.
Na parte final, surgiu outra pequena angústia, desta vez relacionada com a organização do livro. Apesar de os nomes estarem dispostos por ordem alfabética, há casos em que, sempre que existe um nome relacionado, este pode não aparecer exatamente onde a pessoa espera. Dou um exemplo: uma colega minha, chamada Vânia, disse-me que não encontrava o seu nome no livro. Expliquei-lhe que, na verdade, ele estava lá, mas incluído na entrada do nome Ivo, cujo feminino pode ser Iva, Ivone, Ivete ou, precisamente, Vânia. Assim, Vânia aparece na letra I. Claro que o livro inclui uma lista remissiva, onde os nomes remetem para a página correta, mas este foi mais um exercício de organização que inicialmente não tinha previsto e que acabou por ser necessário fazer.

Ou seja, a estruturação do livro foi um quebra-cabeças. Como organizou cada entrada?
Sim, foi um processo bastante trabalhoso e moroso. Cada entrada segue critérios específicos, incluindo nomes equivalentes noutras línguas, referências históricas e culturais, traços de personalidade, diminutivos e figuras célebres. Muitas vezes, ao trabalhar numa secção, descobria novas variantes que me obrigavam a voltar atrás para completar informações.
Fiquei surpreendida ao descobrir que muitos nomes que consideramos portugueses existem também em países anglo-saxónicos e eslavos
No livro, aborda também as regras para a composição dos nomes. Regras que foram mudando ao longo do tempo. Atualmente, a legislação é mais flexível, permitindo nomes menos convencionais. Como vê essa evolução?
A primeira grande regulamentação, ou se quisermos, o primeiro livro de estilo dos nomes, surgiu com a implantação da República, quando se fixou a grafia dos nomes. Antes disso, era comum encontrar a mesma palavra escrita de várias maneiras. Rui, por exemplo, podia ser escrito com Y ou com I.
Mais tarde, sobretudo após o 25 de Abril de 1974, houve uma maior abertura devido à chegada de portugueses retornados e de outras influências linguísticas. Nomes como o meu, Vanessa, e outros como Kátia, foram sendo aceites. Mais recentemente, no século XXI, a legislação flexibilizou-se ainda mais devido às dinâmicas de emigração e imigração e a respetiva integração. Não valia a pena privar as pessoas de nomes pelos quais tinham grande estima. Atualmente, um nome pode ser aprovado se existir na cultura linguística dos pais. Isso explica o aparecimento de nomes, diria, mais excêntricos, como Cereja, Melodia ou Zénite, que, apesar de parecerem invulgares para nós, têm origem e significado em outras culturas.
O nome Cereja leva-nos logo a associar ao fruto. Mas, noutra língua, essa mesma designação do fruto é também utilizado para designar mulheres. Em Portugal, temos vários exemplos de nomes de flores que são atribuídos a pessoas, como Margarida ou Dália. Porque não Cereja? Em certos países, esse é um nome comum para mulheres. Aliás, nesta lista encontram-se nomes que reconhecemos de filmes bíblicos ou de estrelas de cinema, nomes que são práticos e usados noutras culturas. Com o tempo, vão sendo incorporados na nossa realidade, por mais estranho que nos possa parecer.
Para alguns puristas da língua, este fenómeno pode ser um choque...
Sim, acredito que sim. Como em tudo, existem opiniões divergentes e este é um tema que não gera consenso. Em Portugal, existe uma corrente mais conservadora que se mantém fiel aos nomes tradicionais. Claro que houve momentos históricos de maior revolução nesta área, por vezes também associados a convulsões.
Por exemplo, na Primeira República os nomes eram também uma forma de afirmação social e política...
Exatamente. Quem estava ligado à maçonaria, por exemplo, escolhia nomes para os filhos e afilhados que os identificassem como tal. A escolha do nome vai além de uma questão estética, traduzindo o que os pais e a família querem manifestar perante a sociedade. Por isso, ainda hoje, vemos uma forte presença de nomes tradicionais. Por outro lado, pais com visões mais alternativas podem preferir nomes mais originais ou naturalistas. Isto reflete a identidade e os valores da família. Naquela época, era uma forma de afirmação ideológica.

Quase conseguimos catalogar os nomes por épocas e décadas. Nas últimas duas ou três décadas, consegue identificar tendências?
Sim, depois da fase das Vanessas, Sónias e Susanas, houve um regresso aos nomes tradicionais, mas com uma diferença em relação ao passado.
Em décadas anteriores, o nome Maria, a ocupar o primeiro lugar no ranking feminino, era frequentemente combinado com outro nome. Maria é um nome que se presta muito ao binómio. As senhoras eram quase todas Maria. “Casava-se” o nome Maria com quase tudo: Maria da Luz, Maria Felismina, Maria da Graça, Maria Luísa, Maria Leonor, Maria Carolina. E hoje não. Estes nomes mais tradicionais surgem a maior parte das vezes sozinhos, autonomizaram-se.
Será um fenómeno de mimetismo? Influenciado pela comunicação social e figuras públicas?
Sim, sem dúvida. Sempre houve essa tendência, como nos anos de 1980 com as novelas brasileiras. Hoje, as novelas portuguesas e as personagens influenciam bastante. Se uma personagem é muito querida, há uma maior probabilidade de surgirem crianças com esse nome.
A maioria das pessoas com nomes mais originais acaba por gostar dessa singularidade. No entanto, os maiores dissabores costumam ocorrer na escola.
O nome pode ser um peso ao longo da vida. Encontrou casos no decorrer da investigação para o livro em que o nome influenciou positivamente ou negativamente o destino de alguém?
A maioria das pessoas com nomes mais originais acaba por gostar dessa singularidade. No entanto, os maiores dissabores costumam ocorrer na escola. A partir dos 40 ou 50 anos, as pessoas já se habituaram e não mudam. Mas é um facto que um nome incomum desperta sempre curiosidade e perguntas ao longo da vida.
Depois de reunir tanta informação, inclusivamente sobre os traços de personalidade associados ao nome, passou a olhar para algumas pessoas de forma diferente com base no nome?
Não ao ponto de mudar a minha perceção sobre alguém, mas encontrei padrões interessantes. É como a questão dos signos. Se gostamos de uma pessoa não vamos mudar a opinião sobre ela com base no seu signo. Existem teorias que relacionam nomes com traços de personalidade, e algumas fazem sentido.
Este livro aproxima-nos, pois mostra como os nomes nos ligam, independentemente da cultura.
Exatamente. Fiquei surpreendida ao descobrir que muitos nomes que consideramos portugueses existem também em países anglo-saxónicos e eslavos, apenas com variações.
O seu nome, Vanessa, foi criado pelo escritor anglo-irlandês dos séculos XVII/XVIII, Jonathan Swift, o autor de As Viagens de Gulliver. Isso surpreendeu-a?
Sim. Nunca tinha pesquisado a origem do meu nome. A minha mãe escolheu-o por causa de um filme [Isadora, de 1969] sobre a vida da bailarina Isadora Duncan, protagonizado por Vanessa Redgrave. Curiosamente, Vanessa foi criado na literatura e popularizou-se depois. Em Portugal, não podemos registar nomes inventados na ficção, como Gandalf, mas noutros países esses nomes são aceites. Mas foi isso, por exemplo, que os espanhóis fizeram com Dulcineia, personagem do livro Dom Quixote, de Cervantes. Em português foi traduzido para Dulce. Foram os dois únicos nomes portugueses que encontrei que vêm da ficção.
Há muitos nomes próprios que não incluiu no livro?
Sim. Ao terminar o livro achei que tinha reunido uma coleção extensa de nomes, mas logo após o lançamento as pessoas começaram a apontar nomes ausentes, como Ágata. Quem sabe, talvez um dia escreva um livro sobre nomes portugueses raros.
Comentários