Mónica, o que sente uma mulher quando escuta, neste século XXI, a frase “isso não é para meninas”?

Sente zanga, sente vergonha por quem a diz, mas, mais do que tudo, sente força. Força para contrariar quem ainda ousa dizer essa frase, força para mostrar que as meninas, as mulheres podem ser o que quiserem, têm é de ter a oportunidade de experimentar para depois escolher.

A escrita de um livro traz sempre várias intenções. O seu, pode ser entendido como uma ferramenta de empoderamento das mulheres e...?

De inspiração. Ao conhecermos histórias de mulheres que ousaram ir aonde lhes disseram que não podiam ir, temos a oportunidade de descobrir novos caminhos e, se for essa a nossa vontade, de ir procurar como trilhar esses caminhos. Boas histórias são para ser partilhadas. Histórias de quem arregaça as mangas e faz, são para ser partilhadas. Histórias de quem usa a voz para tornar o mundo mais seguro e com as mesmas oportunidades tanto para homens como para mulheres, são para ser partilhadas.

No final do livro, convida as leitoras a anotarem o seu papel no mundo. De certa forma é o manifesto de cada leitora à ação e à forma como quer intervir na realidade em torno. À Mónica parece-lhe que este nosso mundo está preparado, ou começa a estar preparado, para responder com um “sim” às mulheres empreendedoras?

Escrever livros também é para meninas, por isso, Mónica Menezes foi atrás do seu sonho de infância: ser escritora. Primeiro, escreveu em jornais, revistas e programas de televisão. Depois, em 2011, escreveu o seu primeiro livro e, desde então, seguiram-se outros cinco. Agora, dá aulas de Escrita Criativa e Storytelling a pequenos e a crescidos. Gosta de os envolver nas histórias que cada um tem dentro de si. Acredita que todos conseguem escrever com o coração. Nunca contou a ninguém, mas sempre quis escrever para um público mais jovem. Não largou o papel e o lápis até a oportunidade surgir. Hoje, Mónica espera que as histórias deste livro tornem o mundo um pouco melhor.

Quando dizem a uma criança que ela não pode experimentar um treino de futebol porque isso não é para meninas, acho que ainda há muito caminho para fazer. Quando se ouve e lê críticas negativas porque é uma mulher que está a comentar um jogo de futebol na televisão, é um sinal de que as mentes não estão preparadas para que as mulheres também estejam em lugares que eram só permitidos a homens. Quando as mulheres continuam a ser questionadas nas entrevistas de emprego se têm filhos, se querem ter ou se são casadas, também é um entrave para carreira de uma mulher.

Se estamos onde estávamos há 50 anos? Claro que não, felizmente. Tenho muita esperança na geração mais nova e acredito que, por exemplo, os meus filhos, de 16 e 19 anos, têm menos preconceitos, mais energia e mais conhecimento para não se deixarem pôr em caixinhas de “meninas” ou de “meninos”.

A Mónica ficaria feliz ao saber que este seu livro está a ser lido por muitos meninos?

Ficaria muito feliz por ter rapazes leitores e por ter adultas e adultos leitores. Porque embora seja um livro para meninas dos dez aos 14 anos, acredito que a leitura destas histórias será sempre benéfica para todos. Para as meninas e mulheres que já ouviram “isso não é para meninas” e para os meninos e homens que já disseram essa frase. Conhecer histórias inspiradoras, fica bem a todos. Engrandece todos. Inspira todos.

Quando dizem a uma criança que ela não pode experimentar um treino de futebol porque isso não é para meninas, acho que ainda há muito caminho para fazer.

escolha entre o universo de mulheres que se distinguiram em diferentes áreas pode ser uma tarefa hercúlea. No caso do seu livro, o que presidiu à escolha destas 40 mulheres?

Acho que a primeira seleção tinha 60 ou 80 mulheres. Quanto a Marta Miranda, a editora, me disse que não cabiam todas, entrei um bocadinho em pânico. Separei-as, então, por áreas profissionais e/ ou tipo de feitos, e comecei a retirar as histórias mais ou menos idênticas. No livro não há histórias iguais, mas as que podiam ter algum tipo de semelhança dentro da mesma área de atuação. Depois, como queria dividir entre pioneiras e aventureiras, tive de encontrar um balanço, ou seja, 20 de cada. Quando volto a apresentar a lista à Marta e à Cátia Simões (a outra editora), só tinha um pedido: a Ticha Penicheiro tinha de entrar no livro, dado que a minha filha, jogadora de basquetebol na altura, tinha um grande fascínio por ela.

Durante a elaboração do livro, só mudámos um nome na lista e foi por uma mulher da mesma área. Foi difícil escolher as 40, por isso estou cheia de vontade de escrever sobre mais 40 e 40 e 40.

Isso não é para meninas
Isso não é para meninas créditos: Manuscrito

A Mónica divide o seu livro em dois momentos (“pioneiras”/“aventureiras e ativistas”). Quer explicar aos leitores quais os critérios que a levaram a fazer esta divisão? Poderíamos supor que se referia apenas a mulheres de um tempo passado, que ousaram entrar em áreas de atividade fechadas ao feminino, mas aqui encontramos, por exemplo, Adriana Oliveira, nascida em 1996, ou Marta Paço, nascida em 2005.

Quis dividir o livro entre mulheres que foram as primeiras a fazer algo e as que estão a usar a sua voz/profissão para mostrar que as mulheres podem ser tudo o que ambicionarem ser.

Não quis escrever um livro focado num passado longínquo ou num passado que possa ser estudado na escola, quis escrever um livro que desse acesso à história de mulheres mais contemporâneas, mulheres que as miúdas de hoje ainda se possam cruzar com elas na rua. Porquê? Para se conectarem mais facilmente com o seu percurso e sentirem que é mesmo possível fazer a diferença e seguir até os sonhos que parecem mais difíceis.

Os exemplos que fala, a Adriana e a Marta, são mulheres de hoje que quebraram barreiras. Quis tê-las no livro por várias razões: porque são inspiradoras, porque as histórias delas têm mesmo de ser ficar gravadas num livro, porque é interessante ver como há tão pouco tempo não tínhamos uma mulher mergulhadora na Marinha Portuguesa e a Adriana conquistou esse lugar em 2021, e a Marta, cega de nascença, é tetracampeã mundial de surf adaptado. Se isto não mostra a força de uma mulher, uma mulher de hoje, o que é que mostra?  Aliás, força e coragem são as palavras que mais guardo na elaboração deste livro. Todas têm ou tiveram.

Não quis escrever um livro focado num passado longínquo ou num passado que possa ser estudado na escola, quis escrever um livro que desse acesso à história de mulheres mais contemporâneas.

Entre as inúmeras áreas profissionais que a Mónica traz para o seu livro, há alguma que tenha frustrado as suas intenções de a incluir no livro? Ou seja, áreas que ainda hoje estão completamente vedadas à entrada de mulheres.

Gostava de um dia escrever sobre a primeira mulher Presidente da República. Será que isso um dia vai acontecer?

Não lhe vou pedir que faça uma elaboração exaustiva em torno das mulheres que leva para o seu livro. De qualquer forma, gostaria que destacasse algumas das personalidades que vivem nas páginas desta sua obra.

Pergunta difícil. Vive no livro a poetisa Maria Teresa Horta, a bombeira Maria Isilda Patrício, a rapper Capicua, a manequim com trissomia 21 Carolina Teixeira Rosa, a surfista de ondas gigantes Joana Andrade, a ativista Bianca Castro, a mineira Lucinda Batista, a maquinista Patrícia Pinto e mais 32 mulheres que ousaram ir aonde lhes disseram que não podiam ir. Todas, à sua maneira, mudaram um pouco o mundo.

Como reagiram à forma como são retratadas as mulheres a quem dá voz no livro?

Não consegui, infelizmente, falar com todas. As com quem falei, ficaram muito felizes por fazerem parte deste livro e por saberem que a sua história é mais um passo para que deixe de se dizer “isso não é para meninas”.