Seja o português mexerico ou o brasileiro fofoca, na realidade não há quem resista a uma boa história, daqueles contadas em surdina na ausência dos visados. Márcia Pedroso, lisboeta de gema, crescida em Alenquer, licenciada em Administração de Publicidade e Marketing, tornou-se numa especialista em fofoquices. Márcia não mexerica com o presente, prefere uma boa fofoca histórica. Afinal de contas, como nos diz, “os mortos não me podem processar e é por isso que fofoco sobre eles”. E fofoca muito. Primeiro, Márcia mexericou no podcast que criou com sob o nome Corte & Costura. Ao fim de inúmeras fofoquices, a copywriter, levou para livro algumas das maiores fofocas da nossa realeza. Em Corte & Costura (edição Manuscrito), a autora envereda a escrita no passado e recupera para as páginas do seu livro figuras como os reis D. Afonso Henriques, D. Filipe I, D. João V, D. Pedro IV, “rainhas de poder”, como as intitula, com histórias em torno da Rainha Santa Isabel, de Dª Luísa de Gusmão, de Dª Carlota Joaquina. Um rol de figuras históricas que nos traz, também, D. Sebastião, D. Dinis, D. Carlos, entre inúmeros outros homens e mulheres.
“Num país nascido e criado em adultério, consanguinidade, bastardia, falta de noção e vaidade, não faltam histórias sumarentas e vergonhosas, daquelas que não aparecem nos livros de História”, escreve Márcia Pedroso no seu livro, para acrescentar: “aqui não vão encontrar lindas histórias de amor ou relatos de guerras e conquistas, mas uma grande sessão de corte na casaca da nossa monarquia: nesta que é a revista cor-de-rosa mais atrasada da História de Portugal, existe um pouco de tudo: boys-lixo, realeza no armário, rainhas-desta-porra-toda, filhos que a história quis apagar e, claro, chalupas”.
Sobre tudo isto, conversámos com Márcia Pedroso.
Antes do livro Corte & Costura a Márcia já alimentava de conteúdos o podcast com o mesmo nome. Como nasceu este seu interesse?
Tudo começou quando trabalhava na equipa de redes sociais de uma plataforma de streaming e, por causa de uns conteúdos para uma série, dei por mim a pesquisar sobre os escândalos das nossas famílias reais. Fui contando o que ia descobrindo a amigos e um dia surgiu a ideia de criar um podcast, mas era só mesmo uma ideia, não estava nos planos pôr em prática tão cedo. Ora, chega a pandemia e, numa tarde de aborrecimento, peguei no computador, fiz a minha pesquisa e gravei o primeiro episódio.
Na apresentação que nos é feita sobre si no livro, escreve-se que é um “poço de factos sobre animais”. Quer explicar-nos?
Desde pequena que sou fascinada por animais, tinha imensos livros sobre o assunto e li-os tantas vezes que fiquei a saber uma data de factos de cor.
Já agora, os leitores estão curiosos por aprenderem alguns destes factos extraordinários. Por que não partilhar alguns?
Esperei a minha vida toda por isto. As vacas têm melhores amigas e ficam tristes se são separadas, adoram brincar, seja com bolas ou só a andar aos pinotes com as suas amigas vacas, e adoram festinhas, são animais fascinantes. As lontras têm bolsos onde guardam a sua pedra favorita para partir a comida e dão as “mãos” enquanto dormem para não serem afastadas pela corrente.
Já recebeu os parabéns de alguém da área da história sobre este seu podcast e livro?
Ainda não. Mas gostava muito de saber a opinião de quem é da área.
O que têm de sumarento os mexericos dos mortos que não têm os dos vivos?
Digo no livro que os mortos não me podem processar e é por isso que fofoco sobre eles. Na verdade, uma das razões que me atraiu é que quando aprendemos história na escola, ficamos com a ideia de que estas pessoas eram superiores e providenciais, que construíram impérios e criaram nações, e nunca nos passa pela cabeça a quantidade de escândalos que ocorreram entre as paredes dos castelos e palácios. Ou que as suas vidas privadas podiam ser menos glamorosas do que imaginávamos.
Se a Márcia tivesse de eleger o maior mexeriqueiro e a maior mexeriqueira da nossa história quem escolheria?
Os maiores fofoqueiros e fofoqueiras foram aqueles que souberam destas fofocas e deixaram tudo escrito até ao mais ínfimo pormenor para, séculos depois, podermos estar a falar sobre com quem é que os reis iam para a cama. Desde as cortesãs que se queixaram em privado que tal e tal monarca não era capaz de cumprir os seus deveres sexuais, até aos cronistas que registaram as traições reais como se estivessem a escrever a ata de uma reunião de condomínio.
Qual é a melhor fofoca que nos pode contar de D. Afonso Henriques?
Quanto à melhor fofoca de D. Afonso Henriques, não quero estragar a surpresa e vou deixar para lerem no capítulo sobre os bastardos, mas ele foi o primeiro homem adúltero de “Portugal” — que até então não existia, certo — o que faz de nós um país assente na traição.
“Sambando na cama das amantes” assim intitula o capítulo que dedica a D. Pedro IV. Parece-me existir aqui uma boa fofoca. Quer partilhá-la?
Pedro IV foi dos reis com mais filhos bastardos, contam-se cerca de 43, mas podem ter sido muitos mais. Para além destes bastardos, teve oito filhos legítimos. Os pais das raparigas da alta sociedade do Brasil chegaram mesmo a trancar as filhas em casa quando o rei passava.
A Márcia escreve no seu livro que “a homossexualidade não é uma modernice”. Presumo que as pesquisas que fez para o seu livro revelaram algumas histórias picantes. Quer contar-nos alguma delas?
Assim, sem desvendar muito, D Pedro I, conhecido pelo seu amor louco por Inês de Castro, foi também responsável por castrar um homem que amava muito num ataque de ciúmes.
Escreve no livro que o terceiro capítulo poderia ser “a revista de fofocas mais atrasada que alguma vez já leram”. Antevejo que seja um capítulo repleto de boas histórias. Será porque o dedica às mulheres? Há alguma história que gostasse de partilhar?
As mulheres deste capítulo mostraram que, apesar de serem os reis a mandarem no mundo, elas não se deixaram ficar e estavam sempre uns passos à frente deles. Para mim, uma das melhores fofocas é a forma como a Rainha Santa Isabel lidou com as constantes traições do marido: fez questão de lhe mostrar que sabia de tudo e de o envergonhar ao mesmo tempo.
“Mas quem será o pai da criança” cantava o agrupamento Chave D'ouro. A Márcia honra esta música com um capítulo do seu livro. Ou melhor, subintitula-o, “Os filhos que a História quis apagar”. Que filhos foram estes?
Este capítulo fala sobre os filhos bastardos, aqueles que normalmente não teriam muita relevância para a nossa história porque nunca poderiam chegar a reis ou rainhas, mas que conseguiram chegar longe.
Fora de portas, a Márcia quer partilhar com os nossos leitores um ou dois mexericos além-fronteiras, daquelas que sabe bem contar ao serão, após um jantar?
Estou agora na segunda temporada do podcast onde fofoco sobre a realeza britânica e, um dos melhores mexericos é a história do rei Henrique VIII e das suas seis mulheres. A que eu mais gosto é Ana de Cleves, uma alemã que demorou um ano a chegar a Inglaterra e só esteve casada com o rei durante seis meses. Ele anulou o casamento porque o retrato que recebeu dela era muito mais bonito que ela e sentiu-se enganado.
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